O caso do suplente do ex-senador Demóstenes Torres, que já chega ao Senado tendo que explicar seu relacionamento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e a ocultação de empresas em sua declaração de bens ao TSE, traz novamente à discussão um dos graves problemas da política brasileira.
Em qualquer reforma política que se faça, a definição do suplente de senador tem lugar destacado, pois, de um tempo para cá, ficou cada vez mais comum os suplentes assumirem o cargo, tendo havido ocasião, na legislatura anterior, em que nada menos que 1/3 das 81 vagas foi ocupado no mesmo momento por suplentes que não receberam um único voto dos eleitores.
Neste momento, com a chegada do empresário goiano Wilder de Morais, do DEM, a bancada atual do Senado contará com nada menos que 16 suplentes no exercício do mandato.
Cinco substituem senadores que viraram ministros de Dilma (como Edison Lobão, Gleisi Hoffmann, Garibaldi Alves, Crivella) e secretário estadual, caso de João Alberto, no Maranhão.
Outros sete em substituição aos que renunciaram, como Joaquim Roriz, para não ser cassado; e os outros seis para assumir governos estaduais e TCE, no caso de Marisa Serrano, no Mato Grosso do Sul.
Dois substituem senadores que morreram: Itamar Franco e Eliseu Resende, e outros dois, os que perderam mandato: Expedito Júnior (cassado pela Justiça Eleitoral em 2007) e Demóstenes Torres ontem.
Nos próximos dias, Valdir Raupp, presidente do PMDB, vai se afastar por quatro meses para cuidar da campanha, e aí teremos 17 senadores sem voto no exercício da senatoria.
Há casos de todos os tipos. Desde empresários que financiam as campanhas em troca de alguns momentos de glória até os que colocam parentes na suplência.
Bom exemplo de empresário que vira político sem receber um voto é Wellington Salgado, que reapareceu para o grande público justamente na cassação de Demóstenes Torres. Usando a prerrogativa de ter sido senador, circulava nos bastidores do Senado pedindo votos contra a cassação.
Ele faz parte da família que é proprietária da rede de ensino superior Universo (Universidade Salgado de Oliveira), que começou em São Gonçalo, no Estado do Rio, e hoje está instalada em 11 cidades do país e financiou a campanha de Hélio Costa, exercendo o mandato enquanto Costa era ministro das Comunicações no governo Lula.
Na parte familiar, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga, tem como primeira suplente sua mulher, Sandra Backsmann Braga. Na atual legislatura, Edison Lobão Filho, do PMDB do Maranhão, está senador, enquanto o pai, Edison Lobão, está ministro de Minas e Energia, e Ivo Cassol, do PR de Rondônia, tem o pai, Reditário Cassol, de suplente.
Há também diversos exemplos de acordos políticos, sendo o mais polêmico o que envolveu o ex-senador Saturnino Braga e o ex- ministro do Trabalho Carlos Lupi.
Os dois combinaram dividir o mandato, mas Saturnino, tendo saído do PDT, decidiu continuar seu mandato pelo PT, sentindo-se liberado do acordo.
Outra questão mal resolvida na prática política brasileira é a da declaração de bens dos candidatos. A maioria prefere parecer aos olhos do eleitorado como pessoa sem grandes posses, e os gastos de campanha também são escamoteados, enquanto nos Estados Unidos o peso do dinheiro é tão grande na campanha eleitoral que uma das maneiras de revelar a força de uma candidatura é anunciar quanto arrecadou em doações.
Paradoxalmente, candidatos endinheirados podem ser afastados da disputa por falta de votos, como aconteceu em 2008, do lado democrata, com o advogado John Edwards, e, do lado republicano, com o ex-governador Mitt Romney, que colocou nada menos do que US$ 35 milhões do próprio bolso na campanha frustrada.
Hoje, Romney é o candidato republicano à sucessão de Obama e está conseguindo uma arrecadação de campanha maior do que a do presidente no cargo, o que é um dos indicadores da força de sua candidatura junto ao eleitorado republicano.
No Rio, temos o caso emblemático do ex-prefeito Cesar Maia, que se apresentou como candidato a vereador declarando não ter qualquer bem. A explicação oficial é que distribuiu seus bens entre a família ao fazer 65 anos.
O suplente de Demóstenes é um dos empresários mais ricos de Goiás e foi o segundo maior doador da sua campanha em 2010, mas omitiu boa parte de seus bens na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Foi colocado na chapa por interferência do bicheiro Carlinhos Cachoeira, que também o colocou na Secretaria de Infraestrutura do governador de Goiás, Marconi Perillo, fatos hoje comprovados devido à gravação de uma conversa telefônica entre os dois feita pela Polícia Federal, em que o empresário Wilder Morais agradece a Cachoeira tê-lo colocado na política.
A conversa tem como pano de fundo um desentendimento entre os dois devido ao envolvimento da então mulher do empresário, Andressa, com o bicheiro. Os dois hoje estão juntos, e Wilder virou senador.
Um dos pontos de maior apelo popular nas propostas de reforma política é a definição de suplente de senador, devido ao verdadeiro escândalo que foi, na última legislatura, quase 1/3 do Senado ter sido ocupado por suplentes sem votos.
O suplente substitui o titular em caso de afastamento temporário para ocupar outro cargo ou de licença superior a 120 dias, e sucede a ele nos casos em que se afasta definitivamente.
Há propostas que estabelecem que o suplente substitui o titular, mas não sucede a ele, ou seja, só assumiria o cargo em caso de afastamento temporário do titular, não assumindo na ocorrência de afastamento definitivo.
Nesse caso, haveria novas eleições, exceto faltando menos de 60 dias para a eleição regular, quando o suplente assumiria a cadeira até o fim do mandato.
Há também proposta que estabelece que o suplente de senador será o deputado federal mais votado do mesmo partido, e outra ainda que determina que o candidato a senador derrotado com maior votação será o suplente.
Mas o assunto voltou para as gavetas da burocracia do Congresso, e não há previsão de ser retomado.
13 de julho de 2012
Merval Pereira, O Globo