"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 15 de julho de 2012

NO FUNDO DO POÇO

Ainda há esperança, que o país saia da normal desonestidade, implantada pelo Partido dos Trabalhadores PT, desde 2003.

Segundo disse a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia (foto), nesta sexta-feira, que a aplicação da Lei da Ficha Limpa será um desafio para a Justiça Eleitoral do país, e que a Corte terá que fazer cumprir a lei, porque ninguém aceita mais a corrupção.

Ele se refere à Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada em junho de 2010, mas só entrará em vigor nessas próximas eleições.

Cármen Lúcia garantiu que os juízes eleitorais terão segurança para trabalhar com tranqüilidade e coibir abusos e afrontas à lei.

“Coloco-me à disposição de qualquer juiz, a qualquer momento, para que se cumpram as demandas. Vamos analisar as singularidades de cada um, a fim de garantir a democracia e o direito do cidadão”, disse a presidente do TSE.

A ministra também pediu o apoio de todos os servidores da Justiça Eleitoral para que a legislação seja cumprida: “A democracia brasileira passa pelo povo brasileiro, mas somos privilegiados por fazer garantir esse direito”.

Os números de prefeitos cassados e dos prejuízos aos cofres públicos justificam a preocupação da presidente do TSE com a corrupção. Levantamento feito no início deste ano indicava que 274 dos 5.563 prefeitos eleitos em 2008 foram cassados, quase 5% do total.
Em conseqüência das cassações, até meados do primeiro semestre deste ano, 176 eleições suplementares tiveram de ser realizadas no país, a um custo de R$ 4 milhões.
Os motivos quase sempre são cassação de mandatos e anulação do pleito por irregularidades. Foi por conta dessa farra que a Advocacia Geral da União (AGU) e o TSE fizeram acordo de cooperação, em janeiro deste ano, para que seja cobrado do prefeito cassado o custo da nova eleição que tiver de ser realizada no município.

O PT chegou ao fundo do poço em matéria de peculatos, não pode mais descer e falta-lhe fôlego para voltar à tona, portanto desejo que esses princípios lançados pela ministra Cármem Lúcia vinguem rapidamente, sendo o primeiro passo para que o país retorne à condição moral, que está completamente perdida.

15 de julho de 2012
Giulio Sanmartini

A CRISTANDADE EM NÚMEROS




A Marcha para Jesus, em São Paulo reuniu 1 milhão de evangélicos de todo os tipos de igrejas, templos e seitas.

Os evangélicos estão por conta. Dizem que o levantamento foi feito pelos católicos.

Para eles, a marcha tinha mais de 10 milhões de fiéis. Quem duvidar  compre os vídeos por módicas prestações e conte uma por uma as pessoas que marcharam.
NOTA AO PÉ DO TEXTO
Ah! Se toda essa fé estivesse devotada ao Brasil... Se toda essa multidão , berrando contra a corrupção, contra os desmandos, contra o abandono das políticas públicas, contra a esbórnia com os recursos dos impostos, contra o desacato e a impunidade, contra a desfaçatez e o cinismo... Com certeza, a cara do Brasil não seria essa cara envergonhada!
Com toda a certeza, os oportunistas não estariam tentando se apropriar da manifestação para caçar votos...
Com toda a certeza, teríamos a convicção de que o brasileiro não permite e não autoriza o mandato a quem desmerece a confiança que lhe é outorgada pelo voto democrático.
Com toda a certeza, seríamos uma nação respeitada no mundo!
Com toda a certeza, não apenas seríamos um povo atento as Leis do cristianismo, ou seja, uma civilização verdadeiramente cristã, mas seríamos sobretudo, um país habitado por um povo que exerce a cidadania e desfruta de dignidade.
m.americo

CADÊ?!?


Cadê, cadê, dona Dilma Vana? Não, não é cadê as provas...
É cadê as seis mil creches, cadê?
Cadê o PIBão louco de bão que não vale bulhufas quando é PIBinho, cadê?
Cadê a Ferrovia Norte-Sul, cadê?
Cadê a transposição do Rio São Francisco que, nos tempos luláticos, até pescaria rendeu?
Cadê o Trem-Bala no pé, cadê?
Cadê os caças supersônicos, Rafale ou Boeings, cadê?

Então minha primeira-mulher-presidenta da República tá na hora de pegar o boné e deixar que Lula volte a ocupar o seu lugar, do contrário ele te derruba, dona Dilma.
Ocê acha que tamos mentindo? Quer provas... Ora, pra quê?!?

15 de julho de 2012
sanatório da notícia

É UMA GRAÇA...

“A arte de escrever sobre si mesmo de forma delicada, e nos fazer entender mais não só sobre ele, mas sobre a forma de ser dos demais, é demonstrada com muita sensibilidade”.


Graça Foster, presidente da Petrobras, na Folha de hoje, capturada por Celso Arnaldo ao tentar descrever um dos três livros que diz estar lendo ─ “My Early Life”, autobiografia dos primeiros anos de Churchill ─ e sugerir que um dos critérios de Dilma para a escolha de auxiliares do primeiro escalão é o amor por livros que nunca leu e o domínio completo do dilmês castiço.

15 de julho de 2012
Augusto Nunes
Sanatório Geral

ENCONTRADO CRIMINOSO NAZISTA MAIS PROCURADO DO MUNDO, QUE ATUOU NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ

Imagem do portão do campo de extermínio nazista de Auschwitz (Divulgação/Auschwitz Museum)
O criminoso nazista mais procurado do mundo, Laszlo Csatary, 97 anos, foi encontrado em Budapeste, na Hungria, anunciou neste domingo o diretor do escritório do Centro Wiesenthal em Israel, Efraim Zuroff. Ele é acusado de cumplicidade na morte de 15,7 mil judeus durante a Segunda Guerra Mundial, muitos deles enviados para o Campo de Extermínio de Auschwitz.
"Há 10 meses, um informante nos deu elementos que nos permitiram localizar Laszlo Csatary em Budapeste. Este informante recebeu 25 mil dólares, valor que oferecemos em troca de informações que permitam encontrar criminosos nazistas", disse Zuroff.
 
As informações sobre o paradeiro de Csatary foram enviadas em setembro de 2011 à promotoria da capital húngara. O vice-procurador de Budapeste, Jenö Varga, não confirmou a informação, limitando-se a declarar que "existe uma investigação em andamento. A promotoria está estudando as informações recebidas."
 
Do site da revista Veja
 
15 de julho de 2012
in aluizio amorim

"A TODO TRANSE!..." - ESCONDIDO E DESPREZADO


          Artigos - Cultura        

attA todo transe!... é um tipo peculiar de roman à clef: à parte o fato de pertencer a certo elogiável grupo – no qual encontramos, por exemplo, Os Buddenbrooks ou O sol também se levanta –, a obra de Emanuel Guimarães, publicada em 1902, permanece atual não apenas graças às qualidades literárias, mas porque sua “chave”, passados mais de cem anos, pode ser encontrada em Brasília ou nas assembleias estaduais, como se os políticos encobertos pelas personagens ainda estivessem vivos, cadáveres embalsamados por meio de alguma técnica miraculosa, capaz de mantê-los respirando e, principalmente, cometendo os mesmos delitos.

De fato, a semelhança entre o romance e as piores páginas do noticiário político chega a ser assustadora, mas não devemos nos prender a tal característica, pois ela apequena as virtudes desse livro injustamente esquecido, que nos ensina como a ficção pode descrever não só uma época, mas, partindo de fatos mesquinhos, retratar a índole duradoura da classe dirigente e a feliz alienação do povo.

Não por outro motivo, aliás, A todo transe!... foi expulso das nossas histórias literárias, escorraçado das antologias e banido das livrarias: o brasileiro é condicionado, sempre e cada vez mais, a enganar-se quanto a seus defeitos e qualidades, travestindo-os por meio do sentimentalismo, da farra, da autocomiseração ou do comportamento ufanista. O que é o Carnaval, senão a exasperação da tristeza e da derrota? E a crescente hegemonia do marxismo – inclusive, é claro, na crítica literária – só agravou o problema: para a esquerda, o brasileiro, olhando-se ao espelho, deve ver não a realidade, mas a utopia – a ideia benévola que faz de si mesmo.

O romance de Emanuel Guimarães vai na contramão dessa cultura. Se há idealismo, está somente nas falas de Andrade e Melo, o deputado monarquista – o último deles; ou o último que tem coragem de se afirmar como tal. Desviando-se do óbvio e da ilusão, A todo transe!... é um panorama dos bastidores da política e das regiões mais escuras do coração humano. Um romance sem ideais, mas que recusa o sarcasmo machadiano, pois seu narrador sabe diferenciar o certo do errado, o bem do mal.

Teoria do engrossamento

A perfeita definição da política, o narrador a coloca na boca do velho deputado Soares, experiente mas de poucas luzes, que assim explica ao novato Júlio César Betarry, protagonista do romance:

Isto de política é um ofício como outro qualquer: um homem, como o visconde de Mauá, que tem ideias grandes de progresso, é um perfeito imbecil ao lado de um lorpa como o Jotajota, que ganha dinheiro em jogo de câmbio e de bichos; aos olhos do mundo este vale muito mais que aquele. Na política é a mesma cousa: quem tem ideias, quem quer ser estadista cai no ridículo e na miséria; político é o Juca Lima [líder do governo na Câmara Federal]: é o rei do Brasil, nem sabe ler, não sabe nem quer saber senão de bobagens.

Ao que Betarry, rindo, pergunta o motivo de manterem Juca Lima na liderança, se realmente todos pensam assim. Impassível, Soares responde: “[...] Ora, porque ele é o ideal do político, nulo de inteligência, fácil de moral, e prático de eleições”.

A visão crua de Soares voltará logo a seguir, quando Betarry, inebriado pela vida no Rio de Janeiro (até então, era um obscuro representante na assembleia estadual mineira), percebe que os deputados, diferente do que sempre imaginara, “apenas saíam do parlamento procuravam afugentar todas as ideias que dissessem respeito à sua profissão”. Surpreso com os temas dos diálogos – “mulheres, o escândalo do dia, o pagode de amanhã” –, com as rápidas sessões da Câmara, em que nunca se discutia realmente, e com a visita diária a teatros, clubes e prostíbulos, Betarry questiona o velho deputado, que lhe responde na voz do narrador:

[...] O governo era o governo, a ele é que incumbia de trabalhar; quando surgia uma questão qualquer, o partido, o leader os convocava para uma reunião onde se dava a cada qual o papel a representar; quanto a ele, era apenas um número, um voto; não tinha outro mister: sim ou não, conforme lhe diziam. Muita vez discordava do que se fazia: mas para que buscar embaraços e maçadas quando as tinha já tantas involuntariamente? Aquilo tudo era uma pachouchada: eles entendem lá de governo? Mas estão de cima, são quem manda: querem assim? Sua alma, sua palma! Se essa bambochata desse em droga, ao menos ele não teria remorsos de haver sido o causador, nenhuma responsabilidade lhe poderia caber nos acontecimentos, eram todas dos que mandavam.

Loureiro, outro deputado, da mesma roda, apresenta justificativas mais elaboradas – e não menos cínicas –, para assim concluir:

[...] Ajunta que a vida é curta, o voto popular incerto quanto o bel-prazer do governo. Ora, hei de eu perder meu tempo de deputado eleito, com alfarrábios e estatísticas, trocar pela eloquência dos algarismos, muito cacete, muito trabalhosa, muito falsa e muito pouco eficaz nos ânimos, a minha bela e fácil eloquência, do verbo agradável, oco, de inevitável efeito, e de absoluta inanidade, em vez de aproveitar enquanto o Brás é o tesoureiro? E sacrificar-me estupidamente, à toa, porque o meu embrutecimento não redundaria em benefício nem meu nem de ninguém? Então pensas que nós é que fazemos a política? A política é que nos faz a nós, quem a faz é a arca onipotente da rua do Sacramento [à época, endereço do Tesouro Nacional], quem faz a esta é o café e a borracha, que são as duas tetas do Estado

A essas explicações, destituídas de eufemismo, o próprio Betarry, depois de eleito à Câmara, somará outras, adquiridas em rápido aprendizado. Na carta que escreve ao cunhado – Fabiano de Alencar, fazendeiro e chefe político em Juiz de Fora –, responsável por seu ingresso na vida política, o novo deputado federal comemora o resultado das urnas e desculpa-se por não ter visitado a cidade nem mesmo durante a campanha: “[...] Para que iria eu lá? Tinha-te a ti como patrono, e sobretudo, não me queiras mal, tinha a promessa do ministro: ainda quando eu fora nascituro, com tal garantia sairia eleito; para que deixar isto aqui, este Rio de Janeiro onde me prendi douda, doudamente?...”.

A essa lição – sucinta e esclarecedora – a respeito do sistema eleitoral da República Velha, Betarry adicionará outra, na qual elucida a técnica para se criar notabilidades, aperfeiçoamento do puxa-saquismo:
[...] A palavra engrossamento, hoje em moda, é característica da época. Hoje não se adula, não se lisonjeia, nem mesmo se bajula: hoje engrossa-se: aqueles vocábulos eram mais finos, aplicavam-se a um certo ato, no fundo ignóbil, mas que se praticava como que envolvido em panos quentes, às ocultas: hoje o ato é o mesmo mas sem cobertas, às escâncaras, tão ignóbil no fundo como na aparência, e por isso a gíria popular criou o engrossa, palavra indecente, obscena, como a cousa que representa [grifos do autor].

Didático, Betarry esmiúça o tema, usando como exemplo o ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, o médico Jerônimo Moreira, seu protetor, a quem chama de “nulidade” por ter produzido um “plano geral de viação para o Brasil” capaz de estupidificar seus leitores:

[...] Ele quer ser engrossado, exige o engrossamento constante, perene, criou o engrossamento para uso próprio, hoje vive dele. [...] O tal plano de viação geral do Brasil foi levado aos cornos da lua: o Clube Politécnico não hesitou em declarar que a salvação do país está na realização daquela monstruosidade. Não te assustes: ninguém acredita nisso; os membros do Clube são os primeiros a se admirar de como um homem pôde imaginar tanta asneira; mas houve engrossamento – Ite, missa est. Tenho refletido muito neste fenômeno: um homem galga por acaso uma posição social: os competentes, que precisam dele, começam a engrossá-lo, aos poucos o povo se capacita que o engrossamento é a verdade, e o cujo passa a notabilidade; depois os acontecimentos entram a demonstrar-lhe a ignorância palpável, os engrossadores lhe a revelam, o povo lhe ri às barbas; o engrossado tornou-se sabedor. Ninguém mais persuadirá ao país que o Dr. Jerônimo Moreira, ministro da Viação, é o que ele é, uma ignorância forrada de presunção catedrática: está consagrado. [...] 

São os fatos que prevalecem até hoje, caso acreditemos nas informações da mídia, em certas pessoas escolhidas para cargos de confiança e no perfil desolador dos eleitos, com os agravantes típicos das democracias representativas, cujos vícios não enumeraremos aqui.

Linguagem e primitivismo

Mas se desconsiderarmos o contagiante pessimismo que brota dessas linhas, veremos, a sustentar o enredo, a linguagem fluida, espontânea, em grande parte coloquial – que se submete, infelizmente, à retórica em alguns trechos –, capaz de recriar, além das falcatruas, dos bastidores do jogo político, a vida social carioca do início do século XX, o crescente desenvolvimento da cidade. Linguagem hábil em descrever o comportamento da massa ou a vida íntima das classes sociais que tinham acesso ao poder, com seus dramas, traições, imoralidades. 

Aos 31 anos, quando publicou A todo transe!..., Emanuel Guimarães tinha absoluto controle da sintaxe, dos meios de expressão oferecidos pela língua, construindo um estilo muito distante dos períodos quase telegráficos que encontramos na literatura contemporânea, reflexos não de uma opção estética consciente, mas, em grande parte, da nítida insegurança dos escritores. Um breve parágrafo, simples descrição do hall da residência de Joca, a amante do ministro Moreira, mostra como a estrutura frasal pode refletir a emoção intensa, a confusão que o reencontro de Betarry – por quem permanece apaixonada, passados vários anos – provoca nessa mulher; e também a perfeita ideia de movimento, dos personagens que se deslocam para o interior da casa:

Um vestíbulo pequeno, com um cabide esguio, do espelho estreito e comprido de cristal grosso, onde ela dependurava o chapéu de Júlio César e depunha-lhe a bengala, flanqueado de três portas, das quais uma fronteira à da entrada, abria-se, por trás de um reposteiro espesso de seda desmaiada, dum tom brando de folhagem seca, para a sala de visitas, onde Joca ia fazendo-o entrar, quase arrastando-o.

Emanuel Guimarães mostra-se igualmente feliz na descrição das personalidades, às vezes estendendo-se em demasia, mas sempre conseguindo uma frase que sintetiza o personagem. De Jerônimo Moreira, ressaltará sua “nulidade empertigada”. Sobre Juca Lima: “Sua própria nulidade fora seu melhor título: sem passado, sem opiniões divulgadas, era o tipo por excelência do constituinte desejado”. Pimenta, um intendente municipal, promotor de festas quase diárias em sua casa – em relação às quais Soares dirá estarem “num ponto em que ninguém sabe onde começa a prostituição e acaba a honestidade” –, surge como um tipo hediondo: “Crivado de cicatrizes de bexigas, o bigode falhado, as faces rechonchudas, ele tinha o aspecto dos sórdidos gozadores, desses rebotalhos sociais que em épocas críticas sobrenadam, mancos de senso moral, legião torpe que devora a cousa pública sem rebuço e clamam com um muxoxo cínico: depois de mim o dilúvio”. E o narrador se manterá inflexível ao apresentar o falso luxo da residência que Pimenta divide com as filhas:

[...] Tudo aquilo pequenino, guarnecido de uns móveis efeminados, bonitinhos, móveis de fancaria, casquilhos, de uma graça luxenta de quem quer e não pode. [...] Em tudo transluzia a dificuldade que atribulava constantemente a existência daquela gente, curta de recursos, larga de usanças.
Os diálogos merecem especial atenção em A todo transe!..., pois estão repletos de indiretas e ironias, ferinas ou não, trocadas entre companheiros de partido e suborno ou inimigos que se suportam em nome da convivência quiçá democrática. Uma sequência de falas entre personagens pode ser construída utilizando-se o coloquialismo típico dos rápidos encontros entre conhecidos, plenos de comentários airosos ou divertidos,
entremeados por rápidas cenas urbanas, que dão vida e autenticidade à história. Veja-se, por exemplo, no Capítulo V, o longo trecho em que os personagens se deslocam pelas ruas centrais do Rio de Janeiro, encontrando-se e despedindo-se, interrompidos pelos bondes, pela massa que se desloca, por figuras que se aproximam, agregando-se temporariamente ao grupo, enquanto o narrador capta os gestos, as expressões, o burburinho. Então, quando percebemos, estamos no centro dessas conversas ligeiras, ouvindo vozes dessemelhantes, tomando consciência de suas peculiaridades; entramos com eles numa joalheria e assistimos ao fútil quinteto operístico expor sentimentos diversos, mas formando um todo harmônico, coerente. Mais que o perfeito controle dos elementos da frase, construir cenas desse tipo requer sensibilidade, vivência, argúcia.

Observem como Emanuel Guimarães, indo além do diálogo, acrescenta verossimilhança à descrição da rua do Ouvidor – encaixa um incidente curioso, que reforça o descompasso entre a paisagem urbana rústica e o aparente progresso, salientando a conhecida negligência brasileira:

O sol caindo sob a Cidade Nova, deitava os raios oblíquos, e as casas altas sobre a estreiteza da rua banhavam-na em sombra amena, bruscamente cortada, nas esquinas das ruas transversais, com uma mancha dura de claridade. As bandeiras, permanentes nas sacadas dos prédios, ondulavam com a viração agradável que soprava do mar, e no movimento daquelas fraldas largas dos pavilhões desbotados, de cores mortas pela exposição constante à atmosfera, roçando penosamente nos arcos de bicos de gás de lado a lado na rua, desprendia-se um característico ar de rudez primitiva, como que prolongando e acentuando o contraste estranho entre as edificações da rua e as vitrinas, do povo imenso grulhando e o exíguo espaço da calçada, estrambótica com os esgotos em meio, a mescla indizível de civilização e barbaria que ressumbra da rua do Ouvidor

De súbito, a gente toda que acercava a esquina da rua da Quitanda, alvoroçou-se, e uma nuvem densa de poeira levantou-se.
– Que diabo! Exclamou Garcia tapando o nariz com o lenço e atirando-se para o lado oposto. Isto é um desaforo! Em plena rua do Ouvidor, a estas horas.

Era uma carrocinha cheia de terra, puxada à mão, que dous trabalhadores tinham naquele instante virado à entrada do andaime de uma reedificação ali, na esquina. A terra fina produzira um pó alvacento que toldava o ar, sufocando. [...] Andrade e Melo puxou do lenço e espanou a poeira que lhe enxovalhara a roupa.

Essa crítica de Guimarães ao progresso destituído de civilização retorna em diferentes momentos. O narrador faz Júlio César Betarry ver a rua do Ouvidor como um símbolo da “aversão hedionda e indomável” que o país tem “pela beleza, pelo conforto, pelo polimento”, observando, com repulsa,

a rua abjeta com as vitrines repletas dos mais requintados lavores da indústria moderna, no contrassenso dos luxuosos vestuários, roçando podridões amontoadas pelas sarjetas, na imoralidade das fachadas ornamentadas com os fundos internos pestilentos, na tristeza da aparência civilizada com a realidade selvagem e primitiva, símbolo mordaz do povo todo pompeando com a fama de suas grandezas e esbofado de miséria íntima, encurralado nos costumes grosseiros, lembrando o caipira de pé descalço e enfiados no varapau os sapatos que calça à entrada da vila, para assistir à festa!

Se essa visão das contradições do Brasil urbano não fosse assumida pelo narrador, não poderíamos confiar nas impressões de Betarry, pois ele é o protótipo do político desleal e fingido – e não é minha culpa que esta última expressão tenha se tornado um pleonasmo.

Fantasmas

A construção psicológica do protagonista – e dos demais personagens – é outro mérito de Emanuel Guimarães. Fazendo perfeito corte na narrativa, ele abandona o Betarry que acabara de chegar à capital e volta no tempo, a fim de mostrar a formação, no Capítulo II, desse jovem interiorano que olha todos com arrogância e compara os políticos a prostitutas. Filho de um descendente de ciganos que se torna criador de porcos, Júlio César forma-se, com brilhantismo, na antiga Escola de Minas, em Ouro Preto. O prenúncio de sua ambição já se encontra no universitário que “não estudava por amor ao estudo, mas pela satisfação de orgulho que o estudo lhe proporcionava”. Isolado, sem amigos, mantendo “apenas as relações de camaradagem forçada pela pequenez do meio social”, logo percebe que apenas a política lhe permitiria erguer a cabeça acima da pobreza:

Viu que ela dá tudo: por ela, salientando o indivíduo, galgam-se as posições iminentes e dominadoras, e a importância que se adquire ou os proventos que se pode auferir dela, abrem de par em par todas as portas de todas as satisfações.

Escolhido orador da turma, os temas do discurso formam a síntese do pensamento que norteará sua carreira: Darwin, Nietzsche e um visceral anticristianismo. Para nossa surpresa, contudo, os sonhos morrem ao primeiro golpe da realidade – e ele se transforma num funcionário público medíocre. Apaixonado pela trapezista do circo que se instala na cidade – a mesma Joca que o reencontrará no Rio de Janeiro –, seu pai o impede de fugir com a jovem. O cunhado leva-o, então, para sua fazenda, onde Betarry rapidamente esquece a aventura. Sob circunstâncias favoráveis, acaba escolhido pelo parente para derrotar, no interior do partido, um representante da oposição. É o primeiro passo para ser eleito deputado estadual. A partir desse ponto, o que vemos é sua crescente e insaciável ambição. Famoso e respeitado na província, sonha com mulheres fantasiosas: “[...] Ele aspirava acorrentar após si, como uma teoria de lânguidas vitórias, inúmeras amadas umas após outras, suplicantes em torno dele, impávido, coroado de glória e amor”. Este é Betarry, pronto a ser objeto de adoração, mas jamais disposto a amar verdadeiramente. E na política, suas posições se definem não segundo princípios ou certezas, mas por obediência à cupidez:

A única possibilidade que ele entrevia eram as futuras eleições federais. Mas três longos anos ainda o separavam daquele prazo fatal e o ardor que lhe fervia no peito não se padecia com tal demora. Do estado d’alma que lhe formou aquele desequilíbrio entre o que possuía e o que almejava, resultou-lhe uma aspereza no trato que inflamou a campanha de oposição que combatia contra o governo.
Um azedume o enfebreceu contra tudo e contra todos.

Inseguro, imaturo, Betarry avança às apalpadelas. Na capital da República, seduzido pelas festas e pelo meretrício, continua, no fundo, o envergonhado mineiro. Ganha importância, sim, não pelas qualidades de articulador, mas por servir às pessoas certas, estar à mão, com sua vibrante oratória, pronto a agir enquanto marionete. Durante a madrugada em que caminha ao lado de Andrade e Melo, ouve a fala repleta de indignação do ético deputado monarquista – mas recebe-a como estímulo para sua própria desonestidade. E ao reencontrar Joca, aceita possuí-la não em nome dos sentimentos passados, mas, obedecendo ao desejo de grandeza, por ela ser amante do ministro – de quem, aliás, corromperá a esposa. Assim, finalmente alcança fama e conquista mulheres. Mas ainda lhe falta riqueza. Na manhã seguinte à de sua primeira noite com a esposa do ministro, só consegue ver o quanto outros são mais ricos que ele:

E enquanto ele ia-se vestindo às pressas, seus olhos erravam da cama de ferro, com lençóis de cretone, à colcha grosseira de algodão branco, para o lavatório de vinhático com o espelho já todo sarapintado, o aço desfeito pelo ar salitrado do mar, as duas cadeiras de palha velhas, o sofá de reps safado, e suas roupas dependuradas em pregos pelas paredes, e o baú de couro peludo com as tachas de metal, tudo pobre, pobre, pobre, pobre! Em vez disso, o ministro, lá nas Laranjeiras ou na praia de Botafogo, nadava em luxo; o Jotajota, boçal e torpe, fruía palacete pomposo; o Barão da Concórdia rolava em vitória macia com bestas ajaezadas de prata; o Pimenta indecente tinha dinheiro a rodo para pagar-se cocottes de preço [...].

Em seu delírio, Betarry obedece à frase síntese do livro: “O que se procura é o dinheiro, venha como vier, donde vier, o dinheiro a todo transe...”. Fiel à desmesurada ambição, aceita casar-se com a filha natural do Barão da Concórdia, feia, quase disforme, mas dona de incrível dote

A segunda carta que escreve ao cunhado, no Capítulo XII, é o resumo do que há de mais sórdido na política. Por um momento, Betarry ensaia questionar-se acerca de sua própria identidade: “O que me atormenta ligeiramente é apenas isto: para quê? Sim, para que sou eu o que sou, que fim demando, de que serve toda esta força que me está nas mãos? A inanidade do poder está-me agora antes os olhos, clara como um período do Padre Vieira”. Mas não tem fibra moral para ir adiante; e as linhas seguintes, gasta-as em generalizações, pretendendo defender sua perversidade, até chegar ao lugar-comum citado por todos os corruptos: “O mal, o mal político, a nulidade prática do governo, dos homens públicos, faz parte da organização brasileira: se o governo deixasse de ser inútil e pernicioso, o Brasil deixaria de ser Brasil”. À fácil desculpa do atavismo político, Betarry acrescenta galhofas a respeito do seu próprio comportamento, cada vez mais laxo:

E sobretudo te peço que não tires do fundo do teu arsenal de mineiro, reprovações à minha conduta como costumas fazer. Não penses em casamento interesseiro nem glorifiques o amor ao lar, dignidade da família, como não penses em honra, em pátria, bem da nação e todas as suas usuais mineiradas. São cousas passadas, só em Minas, lá no fundo dos sertões e das fazendas, é que se sonha ainda com esses fantasmas.
O livro termina com terrível metáfora: a massa espremendo-se contra os portões da igreja, ensandecida para assistir ao casamento de Betarry – o povo reduzido a insignificante, mas satisfeito espectador da festança alheia.

Resposta ao enigma

O leitor que chegou até aqui certamente se pergunta por qual motivo nossos peritos em literatura fazem questão de esconder e desprezar A todo transe!.... Parte da resposta está no próprio livro; parte nas linhas acima. Mas aos que desejarem se aprofundar no enigma, proponho um salutar exercício: leiam a educadíssima carta que Elio Vittorini – cujo projeto era o da “renovação moderna da literatura” – enviou, em julho de 1957, a Giuseppe Tomasi di Lampedusa, explicando por qual motivo se recusava a publicar O leopardo. Ali, nas entrelinhas, nas razões ideológicas que Vittorini dissimula, encontrarão o fragmento fundamental da resposta.

Publicado no jornal literário Rascunho.
15 de julho de 2012
Rodrigo Gurgel é escritor e crítico literário.

POR QUE PAGAMOS IMPOSTOS

Cinco meses e meio é o tempo estimado que um brasileiro trabalha para pagar impostos. Resta pouco mais de meio ano para que possamos efetivamente usufruir dos frutos de nosso trabalho. E não é só o operário que paga uma carga tributária absurda; os empresários são aqueles que mais são sugados pelo vampirismo estatal.
Os impostos brasileiros são desenhados para punir aqueles que conseguem comprar bens de alto valor agregado e que ganham salários mais elevados. Ou seja, quanto mais a criatura se esforça para tentar aumentar sua renda, mais o Estado o pune com sua gana por impostos, como se ganhar muito dinheiro fosse algo asqueroso, nojento mesmo. Entretanto, apesar das diferenças que existem na quota a ser subtraída de cada um de nós, uma coisa é certa: todos saem prejudicados.

Os defensores de tal tributação hão de argumentar que para prover os serviços ao cidadão, é necessária a tributação da população. Afinal, sem recursos financeiros a máquina para. Para essas pessoas, este é o motivo pelo qual pagamos impostos: promover o bem-estar coletivo, seja pela prestação de serviços sob tutela do Grande Irmão, seja pela distribuição de bolsas financeiras para os mais necessitados. Justificar-se-ia, assim, a irreal realidade tributária do país.

Mas este não é o motivo pelo qual pagamos impostos. Por este raciocínio, deveríamos ter serviços públicos de alta qualidade, uma infraestrutura invejável, educação e saúde decente, etc.

Não é isto o que acontece, nem tampouco o que observamos nos noticiários ou in loco. Muito pelo contrário.

Todos os setores que são administrados pelo poder público têm uma característica em comum: ineficiência. A prova é que se o cidadão quer ter um serviço satisfatório invariavelmente vai procurar a iniciativa privada, inclusive para a área da segurança, único motivo pelo qual o Estado foi concebido.

Desta maneira, aqueles seis meses nos quais deveríamos trabalhar para nossa cultura, lazer e alimentação acabam revertidos para a educação, saúde, segurança e infraestrutura. O resultado é que trabalhamos para pagar impostos que deveriam financiar serviços que não precisaríamos pagar.

E isto não acontece, e detalhe: sobre estes serviços incidem impostos, os quais pagamos novamente; um verdadeiro duplo assalto.

Verifica-se, pois, que não pagamos impostos para termos serviços estatais de qualidade. Então, para quê os pagamos?

A resposta é simples: para o aparelhamento do Estado. Os tributos que são cobrados sobre nossos ganhos, sobre os produtos que compramos ou bens que possuímos servem apenas para garantir polpudas remunerações para agentes estatais e funcionários públicos que tocam a administração.

O problema é que na maioria das vezes estes funcionários são incapazes, incompetentes e corruptos, e o pior; o alto escalão é composto por pessoas sem qualquer habilitação para ocupar cargos de direção e chefia. O critério utilizado não é o mérito, mas a orientação partidária.

Não obstante, ao atingir a estabilidade, o servidor literalmente se joga nas cordas e espera o tempo passar. Afinal, para quer trabalhar bem se o emprego está garantido não é mesmo?

Não obstante, a criação desenfreada de secretarias, ministérios e afins em todas as esferas do poder público onera significativamente o Estado, além de torná-lo cada vez mais burocrático. Alianças partidárias definem quem ocupará que cargo e quais outros serão criados

. Reajustes e aumentos desenfreados na remuneração de servidores públicos, políticos e magistrados torna a conta pesada demais para ser paga sem uma asfixiante cobrança tributária. O produto desta multiplicação é um país lento, corrupto e caro.

Por conta disto tudo, carreiras como a dos docentes, médicos, policiais e militares não são valorizadas, trazendo consequências praticamente irreversíveis para a estrutura da sociedade.

E adivinhem qual é a solução proposta para melhorar a situação? Criação de mais Ministérios, Secretarias e etc. E a espiral segue ascendendo.

Outrora, pagava-se tributos pesados para manter-se o Rei e a nobreza vivendo em meio ao luxo e a ostentação, sem que eles próprios precisassem trabalhar.

Hoje pagamos tributos para mantermos governantes, juízes e infindáveis Secretários e Ministros vivendo no luxo e na ostentação às custas da população. A diferença é que, séculos atrás, as pessoas reagiram.

Fonte: Lenilton Morato 
15 de julho de 2012

O FIM DOS TEMPOS SEGUNDO O FILÓSOFO ZIZEK: A MENTIRA DE CADA DIA

“Se o fim do capitalismo parece a muitos o fim do mundo, como a sociedade ocidental pode enfrentá-lo?”
Márcia Denser (Congresso em Foco)

A semana paulistana foi marcada pelo lançamento da última obra do filósofo esloveno Slavoj Zizek, “Vivendo no fim dos tempos” (Living in the end times), de importância capital para a crítica (e a sugestão duma “práxis”) sobre o momento histórico em que vivemos.

lançamento da editora Boitempo, que incluiu também “A hipótese comunista do pensador francês Alain Badiou” (cujo diálogo com Zizek concentra uma importante reflexão da esquerda real na atualidade), aconteceu no Espaço Revista Cult, com debate dos críticos e professores Paulo Arantes, Christian Dunker e Vladimir Safatle.

A título de um apanhado geral (pois voltaremos ao assunto em futuras colunas), neste novo livro Slavoj Zizek argumenta que o capitalismo global se aproxima rapidamente da sua crise final. E ele identifica os “quatro cavaleiros deste apocalipse”:

1) a crise ecológica;

2) as consequências da revolução biogenética;

3) os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água), e

4) o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.

Zizek apresenta sua obra como “parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta”. Pois não há mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando vertiginosamente do fim. E pergunta: se o fim do capitalismo parece a muitos o fim do mundo, como a sociedade ocidental pode enfrentá-lo?

Para explicar por que estaríamos tentando desesperadamente evitar essa realidade (e sua verdade incontestável, a exemplo da absurda assimetria na luta dos 99% que pouco ou nada têm contra o 1% que tem tudo), mesmo que os sinais dum grande caos sejam numerosos em todos os campos, Zizek recorre a um guia inesperado – o famoso esquema de cinco estágios da perda pessoal catastrófica: (1. doença terminal; 2. desemprego; 3. morte de entes queridos; 4. divórcio; 5. vício em drogas), proposto pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, cuja teoria enfatiza que tais estágios não aparecem necessariamente nessa ordem, nem são vividos por todos os pacientes.

De acordo com o autor, podemos distinguir os mesmos cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. Diz ele: “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (‘se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes… ’); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o isolamento; finalmente, após ultrapassar o ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande desordem sob o céu: a situação é excelente! ’”.

Fazendo o advogado do diabo, eu também poderia lembrar que esse esquema de “ver em tudo um oportunidade e não uma crise e/ou catástrofe” é também o mantra da Ideologia Hegemônica do Pensamento Único – e o capitalismo de desastre aí está para prová-lo. Contudo, por que não utilizar a estratégia e táticas do inimigo?

Hein? A questão crucial é abandonar a posição passiva – meramente “reativa” – de quem se submete – e assumir a dianteira agindo, interferindo na realidade. Resumidamente (repito que voltaremos a esta discussão para examiná-la detalhadamente), os cinco capítulos do livro se referem a essas cinco posturas:

O capítulo 1. “Negação”, analisa os modos predominantes de obscurecimento ideológico, desde os últimos campeões de bilheteria de Hollywood até o falso “apocalipcismo”, a exemplo do obscurantismo da Nova Era.

O capítulo 2. “Raiva”, examina os violentos protestos contra o sistema global, em especial a ascensão do fundamentalismo religioso.

O capítulo 3. “Barganha”, trata da crítica da economia política, com um apelo à renovação desse ingrediente fundamental da teoria marxista.

O capítulo 4. “Depressão”, descreve o impacto do colapso vindouro, principalmente em seus aspectos pouco conhecidos (e ainda menos divulgados), como o surgimento de novas formas de patologia subjetiva.

O capítulo 5, “Aceitação”, em que se distingue os sinais do surgimento da subjetividade emancipatória, buscando os germes de uma cultura comunista em suas diversas formas, inclusive nas utopias literárias.

Zizek é otimista quanto ao que pode surgir desse processo de emancipação contra a ordem global e a mistificação ideológica que a sustenta. Engajar-se nessa luta significa endossar a fórmula de Alain Badiou, para quem mais vale correr o risco e engajar-se num Evento-
Verdade, mesmo que essa fidelidade termine em catástrofe, do que vegetar na sobrevivência hedonístico-utilitária vigente.
Rejeita, assim, a ideologia liberal da vitimação, que leva a política a renunciar a todos os projetos positivos e buscar a opção “menos pior” (algo por si só revoltante mas com o quê ninguém mais se revolta nem dá a mínima: por que?)

Hein? O fato é que o estado “espontâneo” do nosso cotidiano é uma mentira vivida, de modo que é necessário lutar continuamente para escapar dessa atmosfera geral de peste, que entronizou a hipocrisia como virtude moral. O ponto de partida desse processo é nos apavorarmos com nós mesmos.

Pois o Inimigo só vem de fora porque encontra seu correlato interno, que foi introjetado, portanto o Inimigo está aqui dentro. Dentro de nós.

Artigo enviado pelo jornalista Sergio Caldieri

Márcia Denser (Congresso em Foco)
15 de julho de 2012

PENSAMENTO DO DIA

Livre pensar é só pensar (Millôr Fernandes)


As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.

NUM MUNDO PERIGOSO, O CONTROLE DAS COMUNICAÇÕES

A grande maioria das pessoas, inclusive militares e políticos, ainda não se deram conta da crescente insegurança tomando conta do Planeta, em várias frentes. Tudo, decorrente da lenta agonia do sistema capitalista, já sinalizando exaustão, evidenciada na atual persistente crise econômica, sem saída à vista.

Massas de desempregados e de falências tomando conta do primeiro mundo, inclusive, arrochos salariais em cima de quem ainda está empregado e redução no ganho dos aposentados, fazendo parte das chamadas “medidas de austeridades”, que na verdade, objetivam salvar os bancos e seus bilionários felizes banqueiros.

Nesse angustiante e imprevisível cenário, sem nada fazer, o mundo assiste aos EUA, em pleno desespero, liderar invasões militares do Iraque e da Líbia em busca de controle e posse de suas imensas reserva de petróleo.

A julgar pela dimensão e risco envolvidos na turbulência da “Primavera Árabe”, tudo indica que as ambições dos EUA para aquela explosiva região ainda vão muito longe. Junto com todos os esses evidentes perigos, corre solta a clara ameaça às liberdades individuais, com a forte vigilância em cima todo cidadão, mundão a fora, via câmaras esparramadas por todos os lados.
Não bastasse isso, a maldita inteligência artificial vai tomando conta da internet, verificando tudo que é escrito, dito, arquivado, enviado etc.

A serviço de quem? Do exterior? Parece que não há mais limites algum. Agora mesmo, por mais que eu tentasse enviar pela internet um arquivo para a síndica de meu condomínio, contendo nossas planilhas eletrônicas da contabilidade, não consegui enviar.
Depois de várias tentativas, mudei o pacote, substituí por uma imaginária confirmação de minha presença numa festa – e foi enviado de pronto e imediato, e sem problemas.

É assustador. As telecomunicações, jamais poderiam ter sido privatizadas. Foi uma grande traição de FHC/PSDB, que precisa ser desfeita. Um grande risco para todo o nosso Brasil.

O PAPEL DA SÍRIA NO TABULEIRO DO XADREZ MUNDIAL

O papel dos atores ocidentais da OTAN já é conhecido amplamente nas guerras do Afeganistão, Iraque e principalmente na Líbia, entretanto a entrada da Turquia de Ergodan no processo de destruição do governo de Damasco (Síria) é simplesmente lamentável. Não se faz o jogo das superpotências impunemente.

O governo da Turquia ainda não aprendeu a lição de Saddam Hussein, que fez o jogo dos americanos entrando na guerra contra o Irã por longos oito anos e depois foi abandonado, derrubado e enforcado e seu país destruído pelas bombas “inteligentes”.

Há três anos, Turquia e Brasil, insuflados por Obama, tentaram um acordo com o Irã em relação ao desenvolvimento das supostas armas atômicas. Depois de tudo acertado com o regime de Teerã, o acordo foi ignorado pela diplomacia americana. Os EUA disseram que não disseram nada, ou seja, não era para dar certo na realidade. Ficaram muito mal os dois governos emergentes na história.
Agora o governo turco entra numa fria ainda maior ajudando a inflamar de sangue o povo sírio, deixando os mercenários flanarem livremente na fronteira entre os dois países. Coitados dos povos da Grécia e da Síria, tão longe do criador e tão perto dos turcos.

Para finalizar essa conversa que vai ficando longa, o que os americanos mais temem é o fim do dólar como moeda de troca universal. Parece-me que esse processo começou e dificilmente irá parar. Os EUA pagam o preço da sua política intervencionista. A toda ação corresponde uma reação. O mundo atravessa um processo de mudança inexoravelmente e a crise econômica de 2008, fruto da globalização desenfreada, aumenta gradativamente gerando focos de guerra em todos os continentes.
Todo cuidado será ainda pouco. Até porque existem mais falcões do que pombas nos diferentes governos mundiais.

CÉSAR MAIA DIZ TER PATRIMÔNIO ZERO. ALÉM DISSO, SÓ ANDA DE TÁXI...

Candidato a vereador no Rio de Janeiro, o ex-prefeito Cesar Maia declarou à Justiça Eleitoral que seu patrimônio é zero. Acredite se quiser. À imprensa, explicou que não tem mais bens porque passou, gradativamente, seu patrimônio para o nome de parentes. Isso aconteceu, segundo ele, nos últimos sete anos, quando começou a ter problemas de saúde.

— Normalmente, os executivos que têm patrimônio, aos 65 anos, repassam os bens a seus filhos, esposa e netos. Como minha saúde não era perfeita, comecei a transferir os bens com 60 anos de idade e completei a transferência com 65 anos. É mais prático que testamento — disse o candidato, hoje com 67 anos, em entrevista à repórter Juliana Castro, de O Globo, que fez excelente matéria denunciando o espantoso enriquecimento dos vereadores cariocas.

Segundo o próprio César Maia, os dois apartamentos em São Conrado, além de escritórios na Barra e em Botafogo, foram parar no nome de seus parentes, principalmente dos filhos, Daniela e Rodrigo Maia (DEM), que disputa a prefeitura do Rio.

Mas Rodrigo Maia declarou ao TRE-RJ neste ano bens no valor de apenas R$ 739.544,58. Aonde está o patrimônio do pai? Deve estar com a filha milionária, que Maia afirmava lhe ter “cedido” o hollywoodiano apartamento onde ele morou nos últimos anos, em São Conrado.

Na campanha de 2000, Cesar declarou que seu patrimônio estava avaliado em R$ 1.043.568,82. Em 2004, quando foi reeleito, o ex-prefeito informou ter um patrimônio de R$ 1,7 milhão. Quando tentou uma vaga no Senado, em 2010, Cesar apresentou declaração de Imposto de Renda no valor de R$ 73 mil, com participação em duas empresas e duas aplicações em renda fixa.

Cesar Maia é rídiculo. Somente seu luxuoso apartamento em São Conrado (desculpem, da filha) vale mais de R$ 5 milhões. Mas a Justiça brasileira é complacente, o enriquecimento ilícito de políticos tem impunidade garantida, todos sabem disso. Só falta agora Cesar Maia dizer que nem carro possui, porque prefere andar nos táxis de uma determinada empresa… Se é que vocês me entendem, como dizia o genial jornalista Maneco Muller. Aqui no Rio, até o asfalto das ruas sabe que Maia é sócio de uma das maiores empresas de táxi da cidade.

REGRA É REGRA...

O LOUVRE DO COMUNISMO

Existem jornais detestáveis. Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos – o Gramna e o Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo.
E todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação imposta pela reumática gerontocracia que domina o país.

O trabalho que realizam cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa cumplicidade da “rede internacional de solidariedade a Cuba” com a tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido povo cubano.

Os quase três milhões de turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada revelador, mas muito sedutor.

Aliás, certamente o errado sou eu que em várias idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do comunismo.

Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal.
Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da “libreta” (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a “libre” ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões.

São informações que infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local.
A baiana só parou com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando as donas de casa a esse tipo de descontrole.

Briga de rua pelo direito de comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem misturar sebo com soda cáustica.

Percival Puggina
15 de julho de 2012

TRANSTORNOS E DESORDENS

 

De uns tempos para cá, é cada vez mais forte a tendência a não se ver o indivíduo como responsável pelos próprios atos. No terreno da ciência social esquerdoide, o sujeito é assaltante porque lhe faltaram oportunidades, não teve educação, vive numa sociedade consumista, foi vítima de bullying e mais quantos indicadores se concebam, em pesquisas cujos resultados são definidos pela própria formulação e, muitas vezes, não passam de manipulações pseudoestatísticas, destituídas de base sólida. Enxergam-se relações de causa e efeito inexistentes, que resistem até mesmo à óbvia verdade de que a ampla maioria dos que enfrentaram e enfrentam essas situações não é de delinquentes.

No terreno da psicanálise de boteco, o sujeito surra mulher e filhos porque foi também surrado, principalmente pela mãe. Ou - pois a psicanálise de boteco tem o condão de adaptar suas explicações e a causa que, num exemplo, surte determinado efeito em outro surte efeito contrário - porque não foi surrado e nem sequer advertido e, assim negligenciado pela mãe, nutre amor e ódio pela figura materna, na qual desconta seus recalques baixando a porrada na santa mãe de seus filhos, os quais também apanham porque dividem as atenções da dita figura materna. Ou qualquer outra especulação asnática, das muitas que volta e meia ainda ouvimos.

Agora, por meio da entusiástica colaboração de cientistas, psiquiatras e, principalmente, fabricantes de drogas psicoativas, vamos ingressar definitivamente na era em que qualquer comportamento ou qualquer emoção serão vistos como uma doença mental, no sentido mais lato do termo. Aliás, pouco se tem usado a expressão "doença mental". O chique agora, que repetimos como papagaios bem ensinados, é "transtorno", "desordem" ou "distúrbio". Sabemos que certamente a maioria dos psiquiatros e das psiquiatras, bem como a maioria dos cientistos e cientistas, embora talvez não a maioria dos fabricantes e fabricantas de drogas, não é constituída de enganadores venais e inescrupulosos, que tomam dinheiro dos fabricantes para promover a vendagem bilionária de remédios. Mas muitos e muitas são (está certo, vou parar com este negócio de flexionar os gêneros de tudo, sei que é chato; mas é só porque quero mostrar como certas coisas enfeiam e aleijam nossa já tão perseguida língua portuguesa) e a bandidagem deles combinada vai de vento em popa.

O número de transtornos e desordens aumenta exponencialmente e já se observou que, anunciado um novo mal, de que antes não havia relato, logo surgem novos "pacientes", gente que agora padece de síndromes também antes nunca descritas. E os males do espírito, digamos, muitas vezes não geram sintomas físicos, ou, se geram, são de difícil definição etiológica, de forma que o diagnóstico vira conceitual e subjetivo: eu acho que você está deprimido porque acho que seu quadro configura o que eu acho que é depressão.

Não há mais preguiça, há transtornos ou desordens de atenção, de motivação, de interação social, de tudo o que se possa imaginar. Não há mais agressividade, rudeza no trato, timidez, temperamento calado, nada disso, só há transtornos e desordens. Quando expira a patente de uma droga, seu fabricante se apressa a criar, novamente com a ardorosa colaboração de cientistas e psiquiatras contratados ou subvencionados generosamente, uma nova doença, a que a mesma droga se aplique, mudando apenas de nome. Emoções antes normais em qualquer ser humano podem facilmente revelar-se transtornos ou desordens, conforme o freguês e a moda psiquiátrica corrente. Não se fica mais triste, fica-se deprimido. Não se fica mais ansioso pela antecipação de alguma coisa, fica-se com distúrbios de ansiedade. E para tudo há uma pílula.

Claro, chegaremos, se já não chegamos e ainda não nos demos conta, ao ponto em que todo indivíduo, se confrontado com um hipotético "padrão normal", será portador de vários transtornos, distúrbios e desordens. Qualquer acontecimento que afete suas emoções, seu estado de ânimo ou mesmo seu bem-estar físico deverá ser objeto de controle medicamentoso. Posso até imaginar que talvez já exista, e no futuro poderá prosperar, a figura do PP, o Personal Psychiatrist, não para receitar ou atender no consultório seu cliente milionário, mas para acompanhá-lo ao longo de todo o dia, ministrando-lhe a droga apropriada para a manifestação de qualquer de seus inúmeros distúrbios.

A infância, com a falsa descoberta de um número alarmante de bebês portadores de transtorno bipolar, passou a ser uma doença. Assim como, com toda a certeza, a puberdade, a adolescência, a jovem maturidade, a meia-idade e a velhice. Tudo doença, é claro, bola nisso tudo, bola em toda a existência, você é que pensa que é sadio, é porque não procurou direito sua doença. E, aliás, sugere a prudência que escolhamos logo nossos transtornos, desordens e distúrbios, porque do contrário poderemos estar sujeitos a que escolham por nós. E ninguém escapará, porque o objetivo é englobar toda a Humanidade.

O problema não é a ciência decretar que, de uma forma ou de outra, somos todos malucos. Isso todo mundo às vezes pensa. O problema é quando decidem qual é a nossa maluquice e nos forçam a uma "normalidade" que não queremos e não temos por que aceitar. A chancela da ciência pode ser adulterada. E não é impossível que, em determinadas situações, divergências com o Estado, ou com grupos de poder, acarretem muito mais que censura às artes e à imprensa. Podemos ser forçados a agir "normalmente" e considerados insanos, se discordarmos da normalidade oficial. Na União Soviética, houve tempo em que quem divergia do Estado era carimbado como doido varrido e encafuado num hospício. Tenho medo de não me encaixar na portaria da Anvisa que defina a normalidade e ser obrigado a tomar um Abestalhol por dia.

João Ubaldo Ribeiro
15 de julho de 2012

TREMOR NA BASE

 

Sentindo que Lula poderá não voltar a se candidatar - mesmo se a saúde permitir, por razões políticas - e querendo assegurar o papel de protagonista no projeto de continuidade no poder, o PT estaria fomentando atritos entre os outros dois principais partidos de sustentação ao governo para, assim, enfraquecê-los junto à presidente Dilma Rousseff.

Pode ser fato ou só impressão, mas é essa a versão preponderante nas conversas entre lideranças do PSB e do PMDB a respeito do que entendem como um plano para criar um cenário de dificuldades a fim de "vender" - é o termo utilizado - proteção à presidente, apresentando-se a ela como fiel esteio a fim de assumir o papel de maior destaque que os petistas esperavam ter no governo sem Lula à frente da Presidência.

Apontam como o arquiteto da obra o deputado cassado e réu do mensalão José Dirceu, lembrando o discurso dele em reunião de sindicalistas no ano passado dizendo que no governo Dilma o PT teria espaço para fazer e acontecer, o que por enquanto não se confirmou.

Ao contrário: os petistas se sentem alijados e desconfortáveis com a maneira mais cerimoniosa da presidente de tratar dos interesses do partido, enquanto a veem mais próxima de valores que vinham sendo reclamados pela sociedade e deixados de lado pelo partido durante a gestão Lula, conduta que lhe confere uma autonomia além do esperado no programa original.

Nesse quadro, a possível volta do ex-presidente era um trunfo e, quando essa hipótese se distancia, o PT começa a se inquietar com o futuro e a trabalhar para se fortalecer.

Como faz isso, na visão dos aliados? Enfraquecendo as outras correntes de sustentação ao governo a fim de tornar a presidente cada vez mais caudatária do PT. A meta seria afastar esses partidos da convivência presidencial e dos ministérios para ceder maior espaço ao partido à medida que se aproximar a campanha presidencial de 2014.

Com essa análise na cabeça, PSB e PMDB decidiram que o melhor a fazer é não cair na armadilha, não brigarem entre si, não disputarem quem é o mais próximo da presidente, mantendo sempre ativa uma linha direta de diálogo com Dilma e reafirmando apoio à reeleição dela.

Em suma e com outros detalhes sobre o risco de as artimanhas do PT acabarem levando os aliados a procurar outros caminhos, foi o que disse a Dilma o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, no jantar que teve com ela há uma semana.

Risca de giz. O senador Aécio Neves vetou a coligação na chapa de vereadores em Belo Horizonte sabendo que os petistas não aceitariam, para forçar a ruptura da aliança e assim demarcar terreno como pré-candidato de oposição à Presidência.

No momento em que o PSDB dá duro para combater o PT em diversas praças, principalmente em São Paulo com José Serra à frente, Aécio precisava dar uma demonstração ao partido de que sabe falar grosso com o adversário.

Ainda que entenda as razões, Dilma Rousseff está contrariada com o prefeito de BH, Marcio Lacerda, que 15 dias antes da ruptura havia lhe garantido a continuidade da aliança.
Trem fantasma. Demóstenes Torres não poderia ter substituto mais "representativo" que Wilder Morais. Biônico como todo suplente de senador, indicado para a chapa por Carlos Cachoeira, acusado de omitir patrimônio da Justiça Eleitoral, tomou posse na calada de uma manhã de sexta-feira.

De surpresa, rapidamente para não dar tempo a questionamentos e, fazendo jus ao pequeno, mas já notório histórico, sem dar explicação alguma sobre as suspeitas que o cercam prestou juramento da tribuna do Senado prometendo honrar o mandato "que o povo de Goiás" lhe conferiu.
Parece brincadeira, seria bom que fosse, mas lamentavelmente não é.
Cabe a suas excelências, se autoridade moral lhes restar, decidir se deixam por isso mesmo.

Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
15 de julho de 2012