Ditador da Argentina no começo dos anos 80, o general Leopoldo Galtieri apreciava uísque e cinema. Viu o filme que conta a história do general George Patton e, embalado por algumas doses de bom tamanho, achou-se muito parecido com o impetuoso militar americano. Meio litro depois, resolveu retomar da Inglaterra, à bala, as Ilhas que os ingleses chamam de Falkland e os argentinos de Malvinas. Galtieri descobriu tarde demais que não tinha nada em comum com Patton. Era fisicamente parecido com o ator George C. Scott, que encarnou no cinema o general de verdade.
Quem acreditou que venceria os exércitos ingleses, portanto, não foi um sargentão argentino. Foi um herói da Segunda Guerra. Essa divertida teoria do jornalista Elio Gaspari é a melhor explicação para a Guerra das Malvinas. Pode ser útil aos interessados em decifrar outras maluquices sul-americanas. O venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, nomeou-se “herdeiro político de Simón Bolívar” tão logo chegou ao poder em 1999. Mais um pouco e descobriu que era uma cópia melhorada do original.
Ao menos em tese, Bolívar prezava a liberdade e a democracia. Chávez sempre foi mais um tiranete obcecado pelo mando ilimitado e perpétuo. El Libertador exibia um refinamento cultural que contrasta penosamente com a indigência intelectual do coronel com alma de sargentão. Bolivar liderou guerras de libertação que expulsaram os colonizadores de boa parte do subcontinente. Hugo Chávez passou a vida travando combates imaginários com o imperialismo ianque. Na segunda década do século 21, continuava alistado na Guerra Fria.
Recorrendo a chuvas de petrodólares, transformou em parceiros obedientes o Brasil de Lula e Dilma, a Argentina de Cristina Kirchner, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, a Cuba dos Irmãos Castro e outras esquisitices cucarachas. Foi por ordem de Chávez, como registra o post de agosto de 2009 reproduzido na seção Vale Reprise, que as Farc acabaram promovidas a “organização beligerante” por um Lincoln de galinheiro, uma Doutora em Nada, uma Viúva Profissional, um Lhama-de-Franja e um Ditador-de-Adidas. Coerentemente, o venezuelano que viveu num mundo surreal morreu jurando implantar primeiro na América do Sul, depois no restante do planeta, o “socialismo do século 21″.
Nem o criador sabia descrever de modo inteligível a estranha criatura. “O socialismo do século 21 é a grande arma para evitar a contaminação do imperialismo e do neoliberalismo”, recitava. Algum parentesco com o pesadelo soterrado pelos escombros do Muro de Berlim? “Não tem nada a ver com o socialismo adotado pela antiga União Soviética”, despistava. A expressão grandiloquente, vista de perto, é um codinome do chavismo. E o chavismo é só mais uma entre as incontáveis seitas populistas que infestam a América Latina desde a chegada dos navegantes europeus.
Como todos os fenômenos do gênero, o chavismo nunca se apoiou num conjunto de ideias, mas nos interesses do chefe. Como todas, pode até agonizar alguns anos, mas não sobreviverá à partida do comandante supremo. Como tantos demagogos populistas, Hugo Chávez logo será apenas uma má lembrança. Mais uma.
05 de março de 2013
Augusto Nunes
Quem acreditou que venceria os exércitos ingleses, portanto, não foi um sargentão argentino. Foi um herói da Segunda Guerra. Essa divertida teoria do jornalista Elio Gaspari é a melhor explicação para a Guerra das Malvinas. Pode ser útil aos interessados em decifrar outras maluquices sul-americanas. O venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, nomeou-se “herdeiro político de Simón Bolívar” tão logo chegou ao poder em 1999. Mais um pouco e descobriu que era uma cópia melhorada do original.
Ao menos em tese, Bolívar prezava a liberdade e a democracia. Chávez sempre foi mais um tiranete obcecado pelo mando ilimitado e perpétuo. El Libertador exibia um refinamento cultural que contrasta penosamente com a indigência intelectual do coronel com alma de sargentão. Bolivar liderou guerras de libertação que expulsaram os colonizadores de boa parte do subcontinente. Hugo Chávez passou a vida travando combates imaginários com o imperialismo ianque. Na segunda década do século 21, continuava alistado na Guerra Fria.
Recorrendo a chuvas de petrodólares, transformou em parceiros obedientes o Brasil de Lula e Dilma, a Argentina de Cristina Kirchner, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, a Cuba dos Irmãos Castro e outras esquisitices cucarachas. Foi por ordem de Chávez, como registra o post de agosto de 2009 reproduzido na seção Vale Reprise, que as Farc acabaram promovidas a “organização beligerante” por um Lincoln de galinheiro, uma Doutora em Nada, uma Viúva Profissional, um Lhama-de-Franja e um Ditador-de-Adidas. Coerentemente, o venezuelano que viveu num mundo surreal morreu jurando implantar primeiro na América do Sul, depois no restante do planeta, o “socialismo do século 21″.
Nem o criador sabia descrever de modo inteligível a estranha criatura. “O socialismo do século 21 é a grande arma para evitar a contaminação do imperialismo e do neoliberalismo”, recitava. Algum parentesco com o pesadelo soterrado pelos escombros do Muro de Berlim? “Não tem nada a ver com o socialismo adotado pela antiga União Soviética”, despistava. A expressão grandiloquente, vista de perto, é um codinome do chavismo. E o chavismo é só mais uma entre as incontáveis seitas populistas que infestam a América Latina desde a chegada dos navegantes europeus.
Como todos os fenômenos do gênero, o chavismo nunca se apoiou num conjunto de ideias, mas nos interesses do chefe. Como todas, pode até agonizar alguns anos, mas não sobreviverá à partida do comandante supremo. Como tantos demagogos populistas, Hugo Chávez logo será apenas uma má lembrança. Mais uma.
05 de março de 2013
Augusto Nunes
Os políticos vão em frente na gastança porque sabem que as milionárias dívidas acumuladas na temporada de caça ao voto - cobertas apenas em parte pelas doações declaradas de grandes empresas e pelo recebimento de "recursos não contabilizados" do caixa 2 - serão saldadas, mais dia, menos dias, pelo desvalido contribuinte.
A gazua que lhes dá acesso aos cofres públicos para onde são carreados os impostos cobrados da população atende pelo nome de Fundo Partidário, que merecia ser chamado, isto sim, fundo perdulário. Em nome do fortalecimento do pluripartidarismo - portanto, da democracia e da promoção da igualdade de oportunidades eleitorais entre as siglas -, no período de 10 anos até 2012, o Estado nacional transferiu-lhe aproximadamente R$ 2 bilhões.
Da dinheirama, 95% são distribuídos proporcionalmente à votação recebida pelas diversas legendas para a Câmara dos Deputados a cada pleito. O restante é rateado em partes iguais.
Além disso, sempre que um partido aparece em rede nacional obrigatória de rádio e TV, o governo recompensa as emissoras pela publicidade comercial perdida no período, isentando-as do pagamento de impostos. No ano eleitoral de 2012, a renúncia fiscal chegou a R$ 606 milhões, apurou o repórter Daniel Bramatti, do Estado.
O maná do Fundo Partidário - reajustado com base na inflação e no crescimento do eleitorado - não sacia, porém, a fome da tigrada. Tanto que, nos dois últimos anos, ao tramitar no Congresso o Orçamento da União, deputados e senadores aprovaram um adicional de R$ 100 milhões ao total já corrigido. Vão repetir a dose agora em 2013, elevando o montante a R$ 293,7 milhões.
Os políticos dizem abertamente que as campanhas estão cada vez mais caras, logo maiores as dívidas - e o País que arque com a dolorosa. Em dezembro, um membro da Comissão Mista de Orçamento, o deputado pernambucano Paulo Rubem Santiago, cometeu a imprudência de se opor à nova sangria. "Me olharam com cara de metralhadora", lembra. E, obviamente, a objeção de nada adiantou.
Como a noite que se segue ao dia, quanto maior o subsídio oficial à atividade política, tanto maior o número de interessados no butim. O Brasil, que já lidera o ranking das democracias que mais despendem recursos públicos para esse fim - foram R$ 6,8 bilhões a contar de 2003 -, é uma indigesta sopa de letrinhas partidárias.
Em funcionamento, são 30 legendas. Em gestação, mais 23, entre eles um Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil (qual seria a sua sigla?), um Partido dos Estudantes, um Partido Militar Brasileiro e um Partido da Mulher Brasileira. Por que seria diferente?
O desempenho de uma agremiação nas urnas, por pior que seja, não a impede de tirar uma lasquinha do Fundo e do tempo de TV. Afinal, em má hora o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a cláusula de barreira que pelo menos limitaria o acesso dos mal votados ao erário. Confunde-se direito de organização partidária com oportunidade de sugar o Estado.
Uma reforma política para valer teria de reduzir os custos extravagantes dos ciclos eleitorais. O tempo de propaganda na TV poderia durar menos, para onerar menos o contribuinte. (O ideal seria acabar com a onerosa pirotecnia de imagens publicitárias, como desejava o saudoso governador Mário Covas, mas isso é utópico.) Já o Fundo Partidário, no mínimo, deveria ficar imune a acréscimos como os que o Congresso tem aprovado cinicamente.
Do Estado, as agremiações deveriam receber não mais do que uma dieta de subsistência. Se querem se fartar, que tratem de ordenhar os seus filiados e mandatários, além dos eleitores que querem vê-las prosperar. Mas está para nascer - se é que nascerá - um Congresso que não vasculhe o bolso do povo.
05 de março de 2013
Editorial do Estadão