Lula, há dias, garantiu que o povo não está nem aí para o mensalão. Estaria mais preocupado com a situação do Palmeiras no campeonato nacional. O mais grave, porém, não é o escárnio com que o ex-presidente avalia o povo, uma entidade que julga dominar. O mais grave é que parece ter razão.
Na maior e mais politizada cidade brasileira, São Paulo, o candidato do PT, Fernando Haddad, tendo como cabo eleitoral confesso um dos réus condenados, José Dirceu, considerado pelo STF o “chefe da quadrilha”, estaria eleito para a prefeitura.
A menos que as pesquisas estejam equivocadas – o que não seria nenhuma novidade -, Haddad deve vencer as eleições. O que se pergunta é como isso é possível.
Além de ter sido um mau ministro da Educação, em cuja administração registraram-se sucessivos fracassos do Enem – evento que mobiliza os sonhos de parcela da juventude -, Haddad carrega consigo outro estigma: o de ter sido o mentor do kit gay, uma iniciativa antipedagógica, criticada pela própria presidente Dilma Roussef, que a proibiu e cancelou, não obstante o MEC ter gasto cerca de R$ 800 mil com sua elaboração.
Ao mesmo tempo, quando indagado a respeito, o povo condena o mensalão e aplaude o STF pela sentença aos réus.
O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, é aplaudido nas ruas e aparece nas redes sociais como herói da Pátria, que estaria dando demonstração de coragem e senso de justiça.
Em contrapartida, o revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, e o ministro Dias Toffoli, que o acompanha em todos os votos, passaram a temer por sua impopularidade.
Os jornais registram que Lewandowski, no dia da eleição, teve que entrar e sair pelos fundos de sua zona de votação.
Já Dias Toffoli, ainda segundo os jornais, teria tido que se retirar de uma feijoada, diante da reação hostil dos convivas.
O povo, pois, não está indiferente ao mensalão, como quer Lula. Apenas não o articula com a eleição, mesmo sendo ambos indissociáveis. Afinal, o que o STF julgou e condenou foi uma forma de fazer política. Uma forma adotada pelo PT.
Os ministros do STF consideraram mais grave que o roubo de recursos públicos – o que, em si, não é novidade - a finalidade que o motivou (esta, sim, inédita): a pretensão de, por essa via, exercer o domínio do Estado.
Os ministros Celso de Mello e Ayres Britto usaram a palavra “golpe de Estado”, que a tanto equivaleria, segundo eles, o sucesso da empreitada, a compra de um poder da República por outro.
O STF condenou José Dirceu como o cérebro por trás do que considerou “um crime contra a democracia”. Mesmo assim, Dirceu, depois de ameaçar ir às cortes internacionais em protesto, não poupou críticas à Suprema Corte.
O mesmo fizeram José Genoíno e João Paulo Cunha, igualmente condenados. O mesmo fizeram os mais altos dirigentes do PT.
O Supremo não reagiu, o que tem estimulado a continuidade dos impropérios contra ele. Os juízes já foram chamados de “capachos de uma elite imunda” e integrantes de “um tribunal de exceção”, ofensas que se estendem a todo o Poder Judiciário, do qual é a mais alta instância.
A demora na dosimetria das penas agrava o ambiente. É possível que a condição de mártires que os petistas condenados se auto-atribuem esteja favorecendo a performance do cabo eleitoral Dirceu, que considerou mais importante eleger Haddad que se defender.
É compreensível: a eventual conquista da prefeitura de São Paulo, cujo orçamento é o do Uruguai e Paraguai somados, favorece a conquista do governo paulista, que é maior que o da Argentina, e propicie a tão sonhada hegemonia do partido.
A dosimetria e os embargos infringentes que os advogados dos condenados interporão levarão o fim do julgamento a meados do ano que vem, quando a composição do Supremo já não será a mesma.
Nesses termos, o julgamento, tido como o maior da história do STF, não terá sido mais que uma nova expectativa de mudança frustrada – como as diretas já, a Constituinte, o impeachment de Collor, a CPI dos anões do orçamento. Etc.
27 de outubro de 2012
Ruy Fabiano é jornalista