Comentando o massacre do Colorado hoje no Estado (aqui), Jabor se permite fazer voar o seu pessimismo apocalíptico.
Já andei por esses territórios escuros...
Cada vez mais, nessa sua primavera do nada, ele pensa despudoradamente como quem se entrega a um ganir. Na sua ânsia de analisado de negar mistério ao mistério e procurar causalidade em tudo, tem usado a sua inteligência com a mesma absoluta dispensa de filtros ou seleção prévia de alvos com que o atirador sorridente usou suas armas naquele cinema do Colorado.
Tentação temerária, essa de atribuir à inteligência a missão de varrer O Mistério da face da Terra!
Insisto nisso porque não é de hoje que suspeito que, na raiz desses massacres, está justamente a aridez da vida sem mistério.
Jabor nota, a certa altura, que "quando o Código Hays da terrível censura careta dos anos 30 foi extinto em Hollywood, a sexualidade continuou ausente dos filmes. Só floresceu a brutalidade total, o substitutivo puritano para o sexo".
É verdade, sobretudo agora.
Mas essa sugestão de que ainda é ao patrulhamento das suas avozinhas para que não durmam com as mãos por baixo dos lençóis, bulindo "nas partes", que se deve a entrega desses "puritanos" ultrareprimidos à violência é Freud demais pro meu caminhãozinho!
Eu não acredito nem por um minuto que religião, nos dias que correm, pese tanto assim nem praqueles caras dos grotões do Islã para os quais qualquer violação redunda em pesado castigo físico e até na morte. Até eles já sabem que isso é só mais uma das ferramentas covardes do jogo do poder e que não existe mão de deus nenhuma nessa brutalidade toda.
Que dirá os americanos do ano da graça de 2012!
Por que, então, derrubada a "censura careta dos anos 30", só a "brutalidade total" floresceu nos filmes de Hollywood?
Porque o ato de infligir a morte ao outro e suas multiplicações - a brutalidade total, o assassinato, o genocídio - são o último limite do proibido, a derradeira transgreção da qual não se pode sair impune, o último território ao qual homens e mulheres, velhos e crianças, não podem ir e voltar livremente a qualquer hora do dia ou da noite, até do computador do escritório enquanto trabalham ou fazem a lição de casa.
Já não digo matar simplesmente, mas matar a esmo ainda é o unico modo infalível de se impor à atenção alheia (e já quase nem isso).
O sexo até a última das suas perversões, nesta era da internet, é a essência do déjavu, do óbvio, do já sabido. Nem Pedro Bial no seu dia mais inspirado consegue produzir o mais leve rubor na face de uma criança que seja explorando o filão desse "tabu".
Suspeito, portanto, que é a arte quem imita a vida, nesse caso, como sempre realimentada até o empanturramento pela força do dinheiro.
Quem sou eu pra ensinar padre nosso a vigário!
Mas a mágica do cinema, o fascínio que ele exerce sempre esteve na possibilidade que ele enseja de tornar possivel o impossível, de materializar o apenas sonhável, de colocar o espectador onde ele nunca poderia estar, de passar o limite do não retorno e retornar.
"Cinema verdade" nunca deu ibope porque de realidade já temos, todos nós, muito mais do que somos capazes de engolir. O que falta cada vez mais é o que se não sabe; é o que se não pode saber. O que falta cada vez mais é espaço para o sonho, é espaço para o mistério.
É essa a fresta pela qual sempre se esgueirou a esperança. Já foi "na outra vida", já foi no "Novo Mundo", já foi "além da última fronteira" que dormiu a utopia à espera de que os audazes, os santos, os sonhadores e até os machucados viessem abraça-la.
Hoje onde é que ela se esconde?
Já a dor, dói como sempre doeu...
Resta sempre a alternativa de se provar sublime para quem não suporta ver a sua ser ignorada. Mas isso não é para quem quer. Daí haver sempre mais tarantinos que chaplins e woody allens, tanto no cinema quanto na vida real.