Conseguirá a presidente Dilma botar ordem no galinheiro em que se transformou a aliança de partidos que apóiam seu governo, mas mantém-se arredios quanto à reeleição, numa evidente manobra de chantagem? Força, ela vem fazendo, até para engolir sapos, como no caso da devolução dos ministérios dos Transportes e do Trabalho ao PR e ao PDT.
Ainda espera que o governador Eduardo Campos reflua em seu furor sucessório, sem esquecer o oferecimento ao PSD do trigésimo-nono ministério. Isso depois de haver contemplado o PMDB com um troca-troca de ministros, ao tempo em que demonstra a mesma fidelidade ampla e irrestrita ao Lula e ao PT, como ainda na quarta-feira ao deslocar-se a São Paulo para beijar-lhes a mão.
O preço dessas concessões está sendo alto demais em termos de eficiência governamental, pois inchado e composto em parte por nulidades flagrantes, seu governo deixa a desejar. Mesmo distribuindo benesses para o empresariado, como a desoneração de encargos trabalhistas nas folhas de pagamento, a redução no IPI para produtos industrializados, o crédito fácil e a farra dos empréstimos promovidos pelo BNDES, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, além da contratação de obras remuneradas acima dos preços do mercado e a proposta de novas características para portos e rodovias – ainda assim as elites querem mais.
Para demonstrar o tamanho de suas garras e presas, grandes industriais contribuem conscientemente para reduzir sua produção, sob o pretexto da falta de investimentos. Banqueiros, inconformados com a queda dos juros, limitam suas atividades. Empreiteiros exigem pagamento antecipado pelos projetos não iniciados. A serviço desses interesses, parte da imprensa não perdoa, desenvolvendo nítida campanha derrotista. Os principais jornalões refletem a má vontade e o golpe de sua clientela diante do governo, utilizando a ameaça de torpedear a reeleição.
O problema é que se Dilma vem cedendo aos políticos e aos empresários, logo sentiremos a presença do terceiro pé dessa mesa instável, no caso, as forças sindicais. Elas também começam a cobrar a sua parte na divisão do bolo. Reivindicarão mudanças na jornada de trabalho, reajustes salariais mais densos e outros benefícios, mediante a mesma chantagem, de não apoiar a tentativa de mais quatro anos.
Em suma, a presidente vem-se tornando prisioneira do segundo mandato, fazendo o que não deseja e comprometendo o primeiro. Conseguirá recuperar o tempo e as realizações perdidas que antes prometeu, no suposto novo período por conquistar em 2014? Pode ser. Afinal, uma vez reeleita, seus compromissos fisiológicos poderão ser mandatos passear. Talvez forme o ministério de seus sonhos, ao mesmo tempo promovendo reformas econômicas e sociais capazes de situá-la na galeria de antecessores do tipo Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e, de certa maneira, o próprio Lula?
Ficará, de qualquer forma, a indagação inicial: terá valido à pena sacrificar o primeiro mandato para poder exercer o segundo como desejaria? Em vez de postergar, compor e ceder, não teria sido melhor ter empreendido seu programa nos quatro anos iniciais?
POR VIA DAS DÚVIDAS…
A historia é conhecida mas merece ser repetida: Voltaire passou a vida inteira lutando contra a Igreja, a existência de Deus, o sobrenatural e o metafísico. Tornou-se o pesadelo das elites de seu tempo. Perto de morrer, com mais de oitenta anos, mandou chamar um padre. Queria confessar seus pecados. Os amigos escandalizaram-se, cobrando dele a incoerência, já que renegava todo um passado. Sua explicação foi de que continuava sem acreditar em nada, a morte encerraria tudo. Mesmo assim, por cautela, cedia aos ensinamentos religiosos: "e se por acaso eles estiverem certos?"
Recorda-se o episódio a propósito da informação de que o Lula, a partir de agora, retornará às origens, desenvolvendo intensa campanha de mobilização das massas em favor de reformas sociais profundas, que abandonou faz tempo.
05 de abril de 2013
Carlos Chagas