Há 20 anos Piazzolla partia com seu bandeoneón em tour
para o além
Astor Piazzolla e seu pianista analisam uma partitura em 1986 durante o ensaio no Teatro Guaíra, Curitiba. Foto do estudante Ariel Palacios.
Astor aponta. Ao lado, o guarda. E ao lado deste, Gardel. O filme: El día en que me quieras, da Paramount
GARDEL E EL PIBE ASTOR – Carlos Gardel estava protagonizando mais um filme em Nova York pela Paramount em 1934 quando um garoto de 13 anos, Astor, foi conhecê-lo. O garoto levava um presente do pai para Gardel, que consistia em uma figura de um homem tocando violão (o instrumento que Gardel tocava) esculpida em madeira e um convite para comer raviólis em sua casa.
Astor morava em Nova York praticamente desde que tinha quatro anos de idade (ali residiria até os 16) e tocava o bandoneón, instrumento que seu pai havia lhe dado de presente quando fez nove anos. Os Piazzollas moravam em um modesto apartamento na rua St Marks Place, atualmente o bairro boêmio do Village.
Gardel ficou fascinado pelo garoto que falava perfeito inglês e espanhol e o convidou a fazer uma ponta no filme “El Dia em que me quieras” no papel de um “canillita” (jornaleiro). Astor tornou-se seu guia e tradutor em Nova York, especialmente pelo bairro italiano, onde Gardel – bom garfo – gostava de conhecer as cantinas. Ocasionalmente Gardel comia raviólis de ricota na casa dos Piazzolla.
No entanto, Gardel dizia a Astor que tinha que dar um touch mais argentino em seu jeito de tocar o instrumento, já que o jovem Piazzolla havia tido aulas de piano com o húngaro Bela Wilda, um discípulo de George Gershswin e tocava com os amigos judeus novai-orquinos nas festas do bairro.
Um dia Piazzolla foi ao apartamento de Gardel para mostrar como tocava o bandoneón. “Senta aí tranqüilo, bebe o leite e toca algo no bandoneón”.
Astor tocou umas valsinhas, umas rancheras, e finalmente um tango.
“Pibe, vos tocas el bandoneón como um gallego!” (“Guri, você toca o bandoneón como um galego”, sinédoque usada na Argentina para indicar um espanhol), disse brincando Gardel.
Astor Piazzolla aparece como um “canillita” de uma rua portenha (embora filmado em um estúdio em Manhattan) neste breve trecho:
Meses depois, Gardel convidou Astor para participar de sua troupe, que ia fazer uma tournée pela América Central e Colômbia.
O pai de Astor, Vicente (chamado de “Nonino”) achou que era muito novo, que seu filho não podia deixar a escola, e disse que desta vez não viajaria.
Gardel partiu. Quase no final da tournée, em Medellín, o cantor – e todos que estavam junto com ele – morreram em um acidente de avião.
Astor Piazzolla ficou com os pais mais uns anos em Nova York e depois voltaram para a Argentina.
Vicente Piazzolla, sua esposa Assunta, mãe de Astor. E o jovem Astor.
“Adiós Nonino”, tango que Piazzolla dedicou ao pai, quando este faleceu. A peça também foi interpretada no casamento da argentina Máxima Zorreguieta com o príncipe herdeiro da Holanda, Wilhelm. Não é preciso dizer que o público recorreu aos lenços em grande quantidade…aqui:
Em 1978 Piazzolla escreveu esta carta imaginária para Gardel:
“ …Jamás olvidaré la noche que ofreciste un asado al terminar la filmación de El día que me quieras. Fue un honor de los argentinos y uruguayos que vivían en Nueva York. Recuerdo que Alberto Castellano debía tocar el piano y yo el bandoneón, por supuesto para acompañarte a vos cantando. Tuve la loca suerte de que el piano era tan malo que tuve que tocar yo solo y vos cantaste los temas del filme. ¡Qué noche, Charlie! Allí fue mi bautismo con el tango. Primer tango de mi vida y ¡acompañando a Gardel! Jamás lo olvidaré. Al poco tiempo te fuiste con Lepera y tus guitarristas a Hollywood. ¿Te acordás que me mandaste dos telegramas para que me uniera a ustedes con mi bandoneón? Era la primavera del 35 y yo cumplía 14 años. Los viejos no me dieron permiso y el sindicato tampoco. Charlie, ¡me salvé! En vez de tocar el bandoneón estaría tocando el arpa”
A mestre e o futuro mestre: Nadia Boulanger durante uma aula a Astor Piazzolla nos anos 50 em Paris.
BOULANGER, NADIA - A pessoa crucial para que Piazzolla virasse Piazzolla foi a pianista Nadia Boulanger, que dava aula para o músico em Paris nos anos 50, época em que ele queria ser um compositor clássico.
Um dia, cansada das tentativas eruditas de seu aluno, perguntou se havia composto algo de sua terra.
“Um tango”, disse ele. E tocou o tango “Triunfal”. Boulanger pegou as duas mãos de Piazzolla e disse, olhando fixo em seus olhos: “é isto o que você tem que fazer”.
Alguns tangólogos afirmam que ele foi uma espécie de George Gershwin argentino.
Outro pessoa crucial na vida de Piazzolla foi o poeta uruguaio Horacio Ferrer. Juntos, fizeram tangos como “Balada para um louco”, cuja letra relata como a lua vai rolando pela avenida Callao e um louco, que caminha com meio melão na cabeça, convida uma garota a voar em sua imaginação super-esporte com andorinhas no motor.
Desta forma, o tango foi mais além do lamento e da nostalgia e de chorar a partida da mulher para entrar no surrealismo.
Aliás, na apresentação de Balada para um louco, enquanto Piazzolla tocava no palco, havia um homem na platéia que gritava “que filho da mãe, que filho da mãe!!”. Piazzolla esta irritado com a pessoa e evitava olhar para o público.
Quando terminou, foi para o camarim. Minutos depois, entrou o dono da voz, que mais uma vez, gritava: “que filho da mãe! Que filho da mãe pode fazer uma música fantástica dessas!”.
Vinícius e Astor, durante uma animada reunião na casa de amigos em Buenos Aires em 1971.
PIAZZOLLA E OS ALFAJORES CURITIBANOS - Em 1986 eu tinha 20 anos e era estudante de jornalismo na Universidade Estadual de Londrina. Meus pais moravam em Curitiba, e, durante as férias de verão, coincidiu que Piazzolla apresentava-se no Teatro Guairá. Levei uma caixa de alfajores feitos por minha mãe e um disco para ele autografar.
Cheguei no hotel onde ele se hospedava, na frente da Praça Santos Andrade, mas o porteiro me avisou: “ele saiu para dar uma caminhada”. Dez minutos depois ele entrou e eu me apresentei. Quando lhe dei a caixa de alfajores, ele arregalou os olhos: “alfajores! Mas como você conseguiu alfajores aqui no Brasil?”. Respondi: “meus pais fazem”. E ele: “teus pais fazem?? Em Curitiba??”.
Na seqüência, apontou o disco que tinha na outra mão e me disse: “esse disco é meu?”. Eu o mostrei. “Você vai querer um autógrafo, não é?”. Respondi: “claro!”. Ele autografou meu disco, comeu um dos alfajores e me perguntou o que ia fazer depois. “Nada, ia voltar para casa…”. E ele: “você não poderia ser meu tradutor?…, tenho que dar uma entrevista para a revista Veja e não entendo nada do que o repórter diz”.
Resultado: durante uma hora e meia fui tradutor de Piazzolla no salão do último andar do Mabú Hotel, na frente da praça Santos Andrade (nesse intervalo, Piazzolla havia comido outros dois alfajores).
Aproveitei, no final, para fazer umas perguntas. Uma delas foi que Jorge Luis Borges dizia que o tango só foi “tango” até o Gardel “afeminar” o tango. E, como podia o Borges ter feito letras para tangos modernos como o de Piazzolla? Ele me respondeu: “Borges é um chato de galochas…nem ficou sabendo que as letras eram para essas músicas”.
Depois perguntei se ele achava que sua música era mesmo tango, já que muitos tangueiros tradicionais diziam que a música dele era outra coisa, que poderia ser jazz, até. Piazzolla me disse: “a música de Buenos Aires é o tango. E se hoje a música de Buenos Aires é minha música….minha música é tango”.
Na seqüência, me convidou para ir ao Guaira. Não para ver seu show da noite seguinte. Mas sim, para ter o privilégio de ver o ensaio com seu grupo durante a tarde. E assim, pude ver como o mestre preparava sua apresentação.
Meia década depois, voltando da casa de um amigo ao qual havia emprestado o disco do Pìazzolla, passei na frente da Livraria Ghignone, na rua XV, em Curitiba. Vi um alvoroço. “Quem está ali?” perguntei. Um amigo apareceu e me disse: “uau! É o Carlos Zéfiro!”. Entrei rapidamente e consegui me aproximar do desenhista emblema do erotismo brasileiro. Pedi um autógrafo a Zéfiro… mas percebi que não tinha um papel… nesse momento ele perguntou: “de quem é esse disco?”.
“Piazzolla”, disse eu.
“Ah, o cara dos tangos modernos… eu fiz uns tangos para a orquestra Tabajara”, disse o mestre dos quadrinhos eróticos.
Na seqüência, pegou o disco e assinou ao lado do Piazzolla.
Assim, Don Astor e seu Zéfiro estão unidos na capa de um disco que há anos está na casa de meus pais.
Há tantos Piazzollas preferidos! Mas, coloco aqui algumas peças de minha antologia pessoal:
“Triunfal”, com Aníbal Troilo:
“Zita”, com seu Octeto Eletrônico (1977):
Uma peça pouco conhecida no Brasil, muito especial, “Ciudades”, com Amelita Baltar:
“Adios Nonino”:
“Balada para um loco”:
Aqui, o genial Yo Yo Ma interpreta o piazzolliano “Le Grand Tango”:
E novamente, um gênio interpreta outro gênio: Yo Yo Ma toca “Libertango”:
E o interessante “Violetas Populares”, uma homenagem de Piazzolla a Violeta Parra:
Com a cantora Mina, “Balada para mi muerte”, gravado na Itália, em 1972:
E uma de minhas peças favoritas do mestre: “Decarisimo”:
Mural feito por Hermenegildo Sábat no metrô portenho, homenageando Piazzolla e seu bandoneón.
06 de julho de 2012
Ariel Palacios
Astor Piazzolla e seu pianista analisam uma partitura em 1986 durante o ensaio no Teatro Guaíra, Curitiba. Foto do estudante Ariel Palacios.
Há exatamente 20 anos Astor Piazzolla morria em
um hospital portenho, vítima de uma agonia de dois anos provocada por trombose.
Ele foi o grande compositor argentino do século XX, e – apesar das duas décas
transcorridas desde sua morte – continua sendo neste século XXI a referência
para os jovens compositores.
Piazzolla abriu as portas para um estilo novo de
fazer tango, misturando a síncope do jazz, percussão, a guitarra elétrica, o
cello e orquestras sinfônicas. A forma de tocar o bandoneón, em pé, apoiado em
apenas um joelho, era considerado “herético” pelos tradicionalistas, que diziam
que o bandoneón tinha que ser tocado sentado.
Os tradicionalistas também implicavam com sua
barba. Depois, implicaram com seu cavanhaque. E até implicaram com sua “mosca”
(o mini-cavanhaque).
Piazzolla cruzou a linguagem popular e culta. Não
é à toa que na Amazon.com este compositor argentino está simultaneamente nas
categorias de tango, jazz, música clássica e world music. Piazzolla revolucionou
o tango a partir dos anos 60. Seu estilo predominou durante três décadas, até
sua morte.
Entre suas composições mais famosas estão o “Adiós Nonino” e
“Balada para un loco”. Mas a minha preferida é “Decarísimo”. A
influência do estilo piazzoliano era tão grande, que, a nova fase do tango
argentino só foi possível mais de uma década após sua morte, com o tango
techno.
Astor aponta. Ao lado, o guarda. E ao lado deste, Gardel. O filme: El día en que me quieras, da Paramount
GARDEL E EL PIBE ASTOR – Carlos Gardel estava protagonizando mais um filme em Nova York pela Paramount em 1934 quando um garoto de 13 anos, Astor, foi conhecê-lo. O garoto levava um presente do pai para Gardel, que consistia em uma figura de um homem tocando violão (o instrumento que Gardel tocava) esculpida em madeira e um convite para comer raviólis em sua casa.
Astor morava em Nova York praticamente desde que tinha quatro anos de idade (ali residiria até os 16) e tocava o bandoneón, instrumento que seu pai havia lhe dado de presente quando fez nove anos. Os Piazzollas moravam em um modesto apartamento na rua St Marks Place, atualmente o bairro boêmio do Village.
Gardel ficou fascinado pelo garoto que falava perfeito inglês e espanhol e o convidou a fazer uma ponta no filme “El Dia em que me quieras” no papel de um “canillita” (jornaleiro). Astor tornou-se seu guia e tradutor em Nova York, especialmente pelo bairro italiano, onde Gardel – bom garfo – gostava de conhecer as cantinas. Ocasionalmente Gardel comia raviólis de ricota na casa dos Piazzolla.
No entanto, Gardel dizia a Astor que tinha que dar um touch mais argentino em seu jeito de tocar o instrumento, já que o jovem Piazzolla havia tido aulas de piano com o húngaro Bela Wilda, um discípulo de George Gershswin e tocava com os amigos judeus novai-orquinos nas festas do bairro.
Um dia Piazzolla foi ao apartamento de Gardel para mostrar como tocava o bandoneón. “Senta aí tranqüilo, bebe o leite e toca algo no bandoneón”.
Astor tocou umas valsinhas, umas rancheras, e finalmente um tango.
“Pibe, vos tocas el bandoneón como um gallego!” (“Guri, você toca o bandoneón como um galego”, sinédoque usada na Argentina para indicar um espanhol), disse brincando Gardel.
Astor Piazzolla aparece como um “canillita” de uma rua portenha (embora filmado em um estúdio em Manhattan) neste breve trecho:
Meses depois, Gardel convidou Astor para participar de sua troupe, que ia fazer uma tournée pela América Central e Colômbia.
O pai de Astor, Vicente (chamado de “Nonino”) achou que era muito novo, que seu filho não podia deixar a escola, e disse que desta vez não viajaria.
Gardel partiu. Quase no final da tournée, em Medellín, o cantor – e todos que estavam junto com ele – morreram em um acidente de avião.
Astor Piazzolla ficou com os pais mais uns anos em Nova York e depois voltaram para a Argentina.
Vicente Piazzolla, sua esposa Assunta, mãe de Astor. E o jovem Astor.
“Adiós Nonino”, tango que Piazzolla dedicou ao pai, quando este faleceu. A peça também foi interpretada no casamento da argentina Máxima Zorreguieta com o príncipe herdeiro da Holanda, Wilhelm. Não é preciso dizer que o público recorreu aos lenços em grande quantidade…aqui:
Em 1978 Piazzolla escreveu esta carta imaginária para Gardel:
“ …Jamás olvidaré la noche que ofreciste un asado al terminar la filmación de El día que me quieras. Fue un honor de los argentinos y uruguayos que vivían en Nueva York. Recuerdo que Alberto Castellano debía tocar el piano y yo el bandoneón, por supuesto para acompañarte a vos cantando. Tuve la loca suerte de que el piano era tan malo que tuve que tocar yo solo y vos cantaste los temas del filme. ¡Qué noche, Charlie! Allí fue mi bautismo con el tango. Primer tango de mi vida y ¡acompañando a Gardel! Jamás lo olvidaré. Al poco tiempo te fuiste con Lepera y tus guitarristas a Hollywood. ¿Te acordás que me mandaste dos telegramas para que me uniera a ustedes con mi bandoneón? Era la primavera del 35 y yo cumplía 14 años. Los viejos no me dieron permiso y el sindicato tampoco. Charlie, ¡me salvé! En vez de tocar el bandoneón estaría tocando el arpa”
A mestre e o futuro mestre: Nadia Boulanger durante uma aula a Astor Piazzolla nos anos 50 em Paris.
BOULANGER, NADIA - A pessoa crucial para que Piazzolla virasse Piazzolla foi a pianista Nadia Boulanger, que dava aula para o músico em Paris nos anos 50, época em que ele queria ser um compositor clássico.
Um dia, cansada das tentativas eruditas de seu aluno, perguntou se havia composto algo de sua terra.
“Um tango”, disse ele. E tocou o tango “Triunfal”. Boulanger pegou as duas mãos de Piazzolla e disse, olhando fixo em seus olhos: “é isto o que você tem que fazer”.
Alguns tangólogos afirmam que ele foi uma espécie de George Gershwin argentino.
Outro pessoa crucial na vida de Piazzolla foi o poeta uruguaio Horacio Ferrer. Juntos, fizeram tangos como “Balada para um louco”, cuja letra relata como a lua vai rolando pela avenida Callao e um louco, que caminha com meio melão na cabeça, convida uma garota a voar em sua imaginação super-esporte com andorinhas no motor.
Desta forma, o tango foi mais além do lamento e da nostalgia e de chorar a partida da mulher para entrar no surrealismo.
Aliás, na apresentação de Balada para um louco, enquanto Piazzolla tocava no palco, havia um homem na platéia que gritava “que filho da mãe, que filho da mãe!!”. Piazzolla esta irritado com a pessoa e evitava olhar para o público.
Quando terminou, foi para o camarim. Minutos depois, entrou o dono da voz, que mais uma vez, gritava: “que filho da mãe! Que filho da mãe pode fazer uma música fantástica dessas!”.
Vinícius e Astor, durante uma animada reunião na casa de amigos em Buenos Aires em 1971.
PIAZZOLLA E OS ALFAJORES CURITIBANOS - Em 1986 eu tinha 20 anos e era estudante de jornalismo na Universidade Estadual de Londrina. Meus pais moravam em Curitiba, e, durante as férias de verão, coincidiu que Piazzolla apresentava-se no Teatro Guairá. Levei uma caixa de alfajores feitos por minha mãe e um disco para ele autografar.
Cheguei no hotel onde ele se hospedava, na frente da Praça Santos Andrade, mas o porteiro me avisou: “ele saiu para dar uma caminhada”. Dez minutos depois ele entrou e eu me apresentei. Quando lhe dei a caixa de alfajores, ele arregalou os olhos: “alfajores! Mas como você conseguiu alfajores aqui no Brasil?”. Respondi: “meus pais fazem”. E ele: “teus pais fazem?? Em Curitiba??”.
Na seqüência, apontou o disco que tinha na outra mão e me disse: “esse disco é meu?”. Eu o mostrei. “Você vai querer um autógrafo, não é?”. Respondi: “claro!”. Ele autografou meu disco, comeu um dos alfajores e me perguntou o que ia fazer depois. “Nada, ia voltar para casa…”. E ele: “você não poderia ser meu tradutor?…, tenho que dar uma entrevista para a revista Veja e não entendo nada do que o repórter diz”.
Resultado: durante uma hora e meia fui tradutor de Piazzolla no salão do último andar do Mabú Hotel, na frente da praça Santos Andrade (nesse intervalo, Piazzolla havia comido outros dois alfajores).
Aproveitei, no final, para fazer umas perguntas. Uma delas foi que Jorge Luis Borges dizia que o tango só foi “tango” até o Gardel “afeminar” o tango. E, como podia o Borges ter feito letras para tangos modernos como o de Piazzolla? Ele me respondeu: “Borges é um chato de galochas…nem ficou sabendo que as letras eram para essas músicas”.
Depois perguntei se ele achava que sua música era mesmo tango, já que muitos tangueiros tradicionais diziam que a música dele era outra coisa, que poderia ser jazz, até. Piazzolla me disse: “a música de Buenos Aires é o tango. E se hoje a música de Buenos Aires é minha música….minha música é tango”.
Na seqüência, me convidou para ir ao Guaira. Não para ver seu show da noite seguinte. Mas sim, para ter o privilégio de ver o ensaio com seu grupo durante a tarde. E assim, pude ver como o mestre preparava sua apresentação.
Meia década depois, voltando da casa de um amigo ao qual havia emprestado o disco do Pìazzolla, passei na frente da Livraria Ghignone, na rua XV, em Curitiba. Vi um alvoroço. “Quem está ali?” perguntei. Um amigo apareceu e me disse: “uau! É o Carlos Zéfiro!”. Entrei rapidamente e consegui me aproximar do desenhista emblema do erotismo brasileiro. Pedi um autógrafo a Zéfiro… mas percebi que não tinha um papel… nesse momento ele perguntou: “de quem é esse disco?”.
“Piazzolla”, disse eu.
“Ah, o cara dos tangos modernos… eu fiz uns tangos para a orquestra Tabajara”, disse o mestre dos quadrinhos eróticos.
Na seqüência, pegou o disco e assinou ao lado do Piazzolla.
Assim, Don Astor e seu Zéfiro estão unidos na capa de um disco que há anos está na casa de meus pais.
Há tantos Piazzollas preferidos! Mas, coloco aqui algumas peças de minha antologia pessoal:
“Triunfal”, com Aníbal Troilo:
“Zita”, com seu Octeto Eletrônico (1977):
Uma peça pouco conhecida no Brasil, muito especial, “Ciudades”, com Amelita Baltar:
“Adios Nonino”:
“Balada para um loco”:
Aqui, o genial Yo Yo Ma interpreta o piazzolliano “Le Grand Tango”:
E novamente, um gênio interpreta outro gênio: Yo Yo Ma toca “Libertango”:
E o interessante “Violetas Populares”, uma homenagem de Piazzolla a Violeta Parra:
Com a cantora Mina, “Balada para mi muerte”, gravado na Itália, em 1972:
E uma de minhas peças favoritas do mestre: “Decarisimo”:
Mural feito por Hermenegildo Sábat no metrô portenho, homenageando Piazzolla e seu bandoneón.
06 de julho de 2012
Ariel Palacios