Às vésperas das festas de fim de ano, o governo federal rompe a parceria com a organização que abalou os alicerces da indústria da seca ao implantar mais de 370 mil cisternas de alvenaria no sertão nordestino. E começa a distribuir cisternas de plástico.
Parte do Brasil conhece o sertão nordestino pela literatura, com clássicos como “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto. Também conheceu o semiárido pela imprensa, nas constantes denúncias de corrupção e desvio de verbas públicas em obras que deveriam combater a seca, mas estagnavam nas mãos privadas de coronéis. Nos últimos anos, porém, a paisagem do sertão estava mudando, graças a um movimento iniciado em 2003. No primeiro ano do governo Lula, a ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro), uma rede que reúne centenas de organizações não governamentais, procurou o presidente para propor uma parceria para a construção de cisternas de alvenaria no sertão nordestino. Seus interlocutores eram Frei Betto e Oded Grajew, então no governo. Assinalado pela sua origem de retirante, de menino pobre do semiárido que migrou com a mãe e os irmãos de Caetés, em Pernambuco, para São Paulo, Lula acolheu a ideia. Ele conhecia bem a aridez geográfica e a imutabilidade dos desmandos políticos que faziam da sua terra um lugar brutal. O resultado deste esforço entre governo federal e sociedade civil organizada foram 371 mil cisternas de cimento, envolvendo 12 mil pedreiros e pedreiras das comunidades e beneficiando mais de 2 milhões de brasileiros em 1.076 municípios. Algo grande, muito grande, para quem acompanha a história do Nordeste brasileiro. Basta andar pelo semiárido para ver que, quando há vontade política, é possível fazer milagres de gente. A presença da água, com a implantação coletiva de uma simples cisterna, tem mudado não apenas a economia, mas a autoestima do povo que vê florescer a vida e também a possibilidade de reescrever sua história – desta vez como autor, e não mais como personagem.
Tudo ia muito bem até este mês de dezembro, quando a coordenação da ASA foi informada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que suspenderia o pagamento dos recursos para o “Programa Um Milhão de Cisternas”. O governo anunciou que pretendia mudar os arranjos para o Plano Brasil Sem Miséria e ampliaria os convênios com os estados – sinalizando o afastamento das organizações não governamentais do processo. A ASA foi aconselhada a negociar com os estados e municípios.
O que isso significa? Muito.
A ASA fará uma manifestação em Petrolina (PE) na manhã desta terça-feira, 20/12, para protestar contra a ameaça ao Programa Um Milhão de Cisternas e para denunciar que a sociedade civil organizada está sendo excluída do governo de Dilma Rousseff.
Milhares de sertanejos partirão de diferentes estados nordestinos para se reunir em Petrolina e alertar o país para uma possível volta às velhas práticas do passado, quando a indústria da seca era a única coisa que vicejava no semiárido brasileiro e qualquer arremedo de solução era usado como moeda eleitoral.
O rompimento da parceria com a ASA é anunciado no momento em que a opinião pública está predisposta a considerar qualquer ONG fraudulenta. Como foram denunciados muitos “malfeitos” nos convênios entre algumas organizações não governamentais e ministros demitidos, como Orlando Silva e Carlos Lupi, não há melhor hora para romper com a sociedade civil organizada. E fazer parecer que as ações são um esforço de moralização dos recursos públicos. Esquece-se – talvez por conveniência – que o surgimento das ONGs é resultado direto da redemocratização do país. E também que uma parcela significativa delas não apenas é honesta, como tem operado uma grande transformação nas relações e nos resultados em várias áreas cruciais.
A sociedade civil organizada tem – e para parte dos políticos é aí que mora o incômodo – impedido que as verbas públicas sejam interceptadas e manipuladas por grupos instalados em setores estratégicos. E assim, impedido governos, em todos os níveis, de agradar aliados com a possibilidade de administrar uma parcela polpuda das verbas públicas. É claro que há ONGs corruptas, que se aliaram a políticos corruptos, para lucrar com o dinheiro do povo. Mas demonizar todas elas é uma esperteza de quem está doido para voltar ao modelo antigo – e é também má fé e desrespeito com o avanço conquistado pela sociedade brasileira nas últimas décadas.
Em novembro, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, afirmou que o governo separaria “o joio do trigo”. Disse mais: “As organizações sérias não têm nada a temer”. Pesquisei, então, em que lugar se situa a ASA na paisagem da sociedade civil organizada. Descobri que, na opinião do governo federal, a ASA é “trigo” da melhor qualidade.
Pela seriedade e competência da sua atuação, a rede já recebeu uma dezena de prêmios. Entre eles, o Prêmio de Direitos Humanos do governo federal, na categoria “Enfrentamento da Pobreza”, entregue pelo próprio Lula no final de 2010. E também um prêmio da ONU, que a considerou “uma referência de gestão e inclusão social no campo do acesso à água e do direito à segurança alimentar e nutricional das famílias carentes do semiárido”. Em entrevista à TV Brasil, em novembro, Luiz Navarro, secretário-executivo da Controladoria Geral da União (CGU), disse que algumas organizações não governamentais apresentavam mais condições de realizar determinadas ações do que o Estado. Entre os exemplos, afirmou que haviam acabado de avaliar o Programa Um milhão de cisternas, da ASA: “Nossa avaliação é extremamente positiva. Não sei se o Estado teria o mesmo dinamismo para fazer o que essas ONGs têm feito”.
Sendo esta a opinião do próprio governo federal e de seus órgãos de fiscalização, por que o governo decidiu suspender a parceria com a ASA?
“O governo rompeu a parceria com a ASA. Mas os ladrões não estão no nosso meio”, afirma Naidison Baptista, coordenador da rede. “Nós não somos construtores de cisternas apenas, nós somos uma rede de organizações da sociedade civil que influencia na política para o semiárido como parte do processo democrático. Temos orgulho de ter pautado o governo federal para a construção de cisternas e de políticas de convivência. Se você voar hoje sobre o semiárido, vai ver os pontinhos brancos. São as cisternas. As pessoas não entram mais na fila da água em troca de voto. Cortamos a raiz do coronelismo do Nordeste. Então perguntamos: por quê?”.
A ASA atua usando o conhecimento da comunidade e estimulando que as pessoas se apropriem coletivamente do processo de construção de cada cisterna. É a comunidade que decide em conjunto quem vai receber a cisterna primeiro, a partir de critérios como pobreza, número de crianças e de idosos, se a mulher é a chefe de família etc. Cada família participa da construção da cisterna, que dura cerca de cinco ou seis dias, e fornece a água para a vizinha enquanto não chegar a vez dela. Para a construção é usada a mão de obra da cidade ou povoado e o material das lojas dos pequenos comerciantes, movimentando a economia local. É também a agricultura produzida em cada região que fornece a alimentação. Para a ASA, a implantação de uma cisterna é mais do que uma obra: é a construção de um espaço social de onde tem emergido novas lideranças e uma juventude ativa. Mudança socioeconômica e política importante em uma região historicamente dominada por oligarquias em que sempre coube aos sertanejos ou se submeter a algum “painho” – ainda que com pinta de moderno – ou migrar para o centro-sul. “A água estava concentrada na mão de poucos”, resume Baptista. “Com as cisternas, a água foi repartida.”
Na tecnologia social da ASA, a implantação das cisternas não é vista como favor do governo, mas como direito. Não é assistencialismo, mas política pública. As pessoas são estimuladas a exercer a cidadania e a tomar suas próprias decisões, coletivamente – tornando o voto de cabresto cada vez mais difícil.
Bem diferente, portanto, de um modelo assistencialista/populista que forma gerações de eleitores agradecidos a um pai ou mãe magnânimos. Seria isso que estaria incomodando o governo federal e seu amplo e heterogêneo espectro de aliados às vésperas das eleições municipais de 2012? Espero – sinceramente – que não.
No mesmo período em que a ASA foi informada de que não receberia os recursos para os próximos meses, o Ministério da Integração Nacional anunciou e comemorou a instalação da primeira de 300 mil cisternas de polietileno, em meio a campanhas de protesto das comunidades do semiárido que rejeitam o equipamento de plástico.
O governo alega que as cisternas de polietileno podem ser produzidas em grande escala e assim atingir um número maior de famílias com mais rapidez. Segundo o governo, não se trata de substituição de uma tecnologia por outra, mas de complementação.
A ASA apresenta argumentos convincentes para condenar as cisternas de plástico.
“Elas custam mais do que o dobro do valor das cisternas de alvenaria. Enquanto a nossa custa R$ 2.080, a de plástico custa R$ 5.000. Ou seja: se fosse só o dobro, com o mesmo valor as empresas fazem 300 de plástico – e nós construiríamos 600”, diz Baptista. Pelos cálculos da ASA, para cada 10 mil cisternas de alvenaria instaladas, há uma injeção de R$ 20 milhões na economia local. Com as de plástico, a maior parte dos recursos públicos ficará nas mãos dos empresários. Na mesma lógica, a população se tornará para sempre dependente das empresas para a manutenção e a reposição, já que não dominará a técnica. Quando existe qualquer problema com as cisternas de alvenaria, o pedreiro da comunidade resolve de forma simples.
“Em vez de construir, as pessoas vão receber as cisternas de presente. Das mãos de quem? É o que vamos ver. E a gente sabe que, como simples beneficiárias, do meio para o fim do processo as famílias não cuidam mais. Temos vários exemplos de cisternas que foram entregues prontas e que hoje não funcionam mais porque as comunidades não se envolveram em sua construção, não tem o sentido do pertencimento”, diz o coordenador da rede. “É a volta da indústria da seca, com grandes obras nas quais a população fica à margem, e o dinheiro na mão de grupos.”
É possível ter uma ideia de quem vai ganhar com a mudança. Mas, por quê?
Por que um trabalho que funcionava tão bem, a ponto de ser elogiado e premiado pelo governo federal, está sendo descartado pelo governo federal? Se funciona bem, por que mudar? Seria porque funciona bem demais? Espero, sinceramente, que não.
A seguir, reproduzo parte da nota divulgada pela ASA:
“Após oito anos de parceria com o Governo Lula, a decisão do governo federal, expressa pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), de não mais renovar os Termos de Parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), pode levar ao fim uma das ações mais consistentes de garantia de água para as famílias do meio rural semiárido: o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Sem dúvida, o maior programa com apoio governamental de distribuição de água e de cidadania, em uma região onde antes só existia fome, miséria e a indústria da seca. (...)
A argumentação é de que a partir de agora o governo federal vai priorizar a execução do Programa, que integra o Plano Brasil Sem Miséria, apenas via municípios e estados, excluindo a sociedade civil organizada.
A sugestão dada pelo MDS é que a ASA negocie sua ação em cada um dos estados contemplados. Para além da parceria com estados e municípios, o governo também anuncia a compra de milhares de cisternas de plástico/PVC de empresas que começam a se instalar na região.
Ou seja, o governo não apenas rompe com a ASA, mas amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas. Consideramos isso um retrocesso, o que pode gerar um retorno claro e nítido a velhas práticas da indústria da seca, onde as famílias são colocadas novamente como reféns de políticos e empresas, tirando-lhes o direito de construírem sua história”.
Reproduzo também a nota divulgada pela Assessoria de Comunicação do MDS diante das primeiras manifestações de surpresa e protesto contra a decisão governamental. O título da nota é: “O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) reafirma que não existe ruptura na parceria estabelecida com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) para a construção de cisternas”. Mas o texto não diz isso. Reproduzo-o na íntegra para que algum leitor possa encontrar o que eu não encontrei.
O texto refere-se apenas – e de forma pouco clara – à “reavaliação e ampliação do arranjo institucional” e à “importância de todos os parceiros”. Com relação à ASA, limita-se a reconhecer e elogiar o trabalho já realizado:
“Uma das prioridades do Governo Federal é garantir que os brasileiros das áreas rurais tenham acesso à água para consumo e para a produção de alimentos. No Plano Brasil Sem Miséria, o programa Água Para Todos definiu a ambiciosa meta de atender 750 mil famílias rurais com água para beber no semiárido, até 2013, e de assegurar água para a produção agrícola de outros milhares de famílias. Atingir este objetivo exige a reavaliação e a ampliação do arranjo institucional vigente até então, incluindo a formação de novas parcerias estratégicas entre diversos ministérios, órgãos públicos, estados, municípios e organizações da sociedade civil. O MDS reafirma a importância de todos os parceiros no sucesso desta agenda, visando ao atendimento integral das famílias que hoje não têm acesso à água de qualidade para manutenção de sua condição de vida. O MDS está empenhado na preparação das condições de atuação para o próximo exercício, no menor prazo possível, dentro das novas regras que orientam a atuação de todas as unidades do Governo Federal no próximo exercício. Em relação à AP1MC/ASA, o MDS reconhece e valoriza os resultados alcançados na construção de mais de 300 mil cisternas, numa parceria exitosa ao longo dos últimos nove anos”.
Para terminar, reproduzo também o texto escrito por um integrante da Comissão Pastoral da Terra sobre o presente natalino de Dilma Rousseff aos nordestinos. A ironia do texto, como se verá, não é opcional. Quem fala agora é Roberto Malvezzi, o Gogó:
“O presente da presidente Dilma ao povo do semiárido neste Natal já está decidido: uma cisterna de plástico. A presidente é uma excelente gerente, pessoa íntegra e acima de qualquer suspeita. Quando criou o ‘Água para Todos’ nos encheu de alegria. Afinal, agora iríamos acelerar a construção das cisternas para beber e produzir. Mas a presidente preferiu doar centenas de milhares de cisternas de plástico para os nordestinos. Descartou o trabalho histórico da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e vai trabalhar exclusivamente com os estados e municípios. Claro que essa decisão está acima de qualquer interesse eleitoreiro, ou dos coronéis do sertão, ou dos 10% das empresas fabricantes do reservatório. Dilma é uma mulher honrada. Claro que os empresários enviarão junto com as cisternas pedagogos, exímios conhecedores do semiárido, que farão a educação contextualizada realizada a duras penas por milhares de educadores da ASA. Esses pedagogos evidentemente conhecem o semiárido, o regime das chuvas, a pluviosidade de cada região, como se deve cuidar dos telhados, das calhas. Irão pelo sertão, pelas serras, pelos brejos, gastarão dias de suas vidas em meio às populações para realizar com um cuidado sacerdotal as tarefas que a questão exige. Claro que os políticos farão, antes de entregar as cisternas, uma crítica ao coronelismo nordestino, ao uso da água como moeda eleitoral, afinal, já superamos os períodos mais aberrantes da política nordestina. Quando a cisterna quebrar, os pedreiros capacitados saberão reparar os estragos, sem depender da empresa, e as cisternas de plástico não virarão um amontoado de lixo no sertão. As empresas também enviarão agrônomos para dialogar com as comunidades como se faz uma horta com a água de cisterna para produção, uma mandala, uma barragem subterrânea, uma irrigação simples por gotejamento. Claro, o interesse das empresas e dos políticos é continuar o trabalho pedagógico da ASA tão premiado no Brasil e em outros lugares do mundo. Não temos, portanto, nada a protestar. A presidente e a ministra (Tereza) Campello são exímias conhecedoras do Nordeste, mesmo tendo nascido no Sul e Sudeste. Conhecem cada palmo da região, dessa cultura, cada um de seus costumes. Claro que não nos enviarão mais sapatos furados, roupas rasgadas em tempos de seca, como acontecia antigamente. Até porque o trabalho da ASA eliminou as grandes migrações, a sede, a fome, as frentes de emergência e os saques. Mesmo não sendo nordestinas, nem jamais tendo vivido aqui, conhecem a região melhor que o povo que aqui nasceu ou aqui habita. Portanto, gratos por tanta generosidade. Vamos conversar com os milhões de beneficiados envolvidos na convivência com o semiárido. Eles vão entender as razões da presidente e da ministra e vão retribuir com a generosidade que lhes é peculiar. O povo do semiárido jamais esquecerá que, no Natal de 2011, ganhou como presente da presidente Dilma Roussef uma cisterna de plástico”.
De minha parte, chego ao fim deste ano perplexa. Cresci ouvindo que o Brasil era o país do futuro, mas não podia acreditar porque passei a infância e a adolescência numa ditadura que torturava gente como a então jovem Dilma Rousseff.
Participei dos comícios das “Diretas Já” e cobri como jornalista as primeiras eleições da redemocratização. Muito mais tarde, testemunhei e escrevi sobre a eleição de Lula e o comício da vitória, em 2002.
Nos últimos anos, já madura, ouço que o futuro chegou. E estava começando a acreditar, pelo menos em alguns aspectos. E não é que agora, às vésperas de 2012, anunciam com eufemismos que podemos estar voltando ao passado também no sertão nordestino? Não há de ser por saudades da literatura de Graciliano Ramos e de João Cabral de Melo Neto, porque esta é a única que com certeza não voltará.
Eliane Brum escreve às segundas-feiras.
ELIANE BRUM Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
domingo, 25 de dezembro de 2011
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, 15-1-1928
(Heterônimo de Fernando Pessoa)
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, 15-1-1928
(Heterônimo de Fernando Pessoa)
UM ANO PARA SER ESQUECIDO
O governo Dilma Rousseff é absolutamente previsível. Não passa um mês sem uma crise no ministério. Dilma obteve um triste feito: é a administração que mais colecionou denúncias de corrupção no seu primeiro ano de gestão. Passou semanas e semanas escondendo os "malfeitos" dos seus ministros. Perdeu um tempo precioso tentando a todo custo sustentar no governo os acusados de corrupção. Nunca tomou a iniciativa de apurar um escândalo – e foram tantos. Muito menos de demitir imediatamente um ministro corrupto. Pelo contrário, defendeu o quanto pôde os acusados e só demitiu quando não era mais possível mantê-los nos cargos.
A história – até o momento – não deve reservar à presidente Dilma um bom lugar. É um governo anódino, sem identidade própria, que sempre anuncia que vai, finalmente, iniciar, para logo esquecer a promessa. Não há registro de nenhuma realização administrativa de monta.
Desde d. Pedro I, é possível afirmar, sem medo de errar, que formou um dos piores ministérios da história.
O leitor teria coragem de discutir algum assunto de energia com o ministro Lobão?
É um governo sem agenda. Administra o varejo. Vê o futuro do Brasil, no máximo, até o mês seguinte. Não consegue planejar nada, mesmo tendo um Ministério do Planejamento e uma Secretaria de Assuntos Estratégicos. Inexiste uma política industrial. Ignora que o agronegócio dá demonstrações evidentes de que o modelo montado nos últimos 20 anos precisa ser remodelado. Proclama que a crise internacional não atingirá o Brasil. Em suma: é um governo sem ideias, irresponsável e que não pensa. Ou melhor, tem um só pensamento: manter-se, a qualquer custo, indefinidamente no poder.
Até agora, o crescimento econômico, mesmo com taxas muito inferiores às nossas possibilidades, deu ao governo apoio popular. Contudo, esse ciclo está terminando. Basta ver os péssimos resultados do último trimestre. Na inexistência de um projeto para o País, a solução foi a adoção de medidas pontuais que só devem agravar, no futuro, os problemas econômicos.
Em outras palavras: o governo (entenda-se, as presidências Lula-Dilma) não soube aproveitar os ventos favoráveis da economia internacional e realizar as reformas e os investimentos necessários para uma nova etapa de crescimento.
Se a economia não vai bem, a política vai ainda pior. Excetuando o esforço solitário de alguns deputados e senadores – não mais que uma dúzia - o governo age como se o Congresso fosse uma extensão do Palácio do Planalto. Aprova o que quer. Desde projetos de pouca relevância, até questões importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU). A maioria congressual age como no regime militar. A base governamental é uma versão moderna da Arena. Não é acidental que, hoje, a figura mais expressiva é o senador José Sarney, o mesmo que presidiu o partido do regime militar.
Nenhuma discussão relevante prospera no Parlamento. As grandes questões nacionais, a crise econômica internacional, o papel do Brasil no mundo. Nada. Silêncio absoluto no plenário e nas comissões. A desmoralização do Congresso chegou ao ponto de não podermos sequer confiar nas atas das suas reuniões.
Daqui a meio século, um historiador, ao consultar a documentação sobre a sessão do último dia 6, lá não encontrará a altercação entre os senadores José Sarney e Demóstenes Torres. Tudo porque Sarney determinou, sem consultar nenhum dos seus pares, que a expressão "torpe" fosse retirada dos anais.
Ou seja, alterou a ata como mudou o seu próprio nome, sem nenhum pudor. Desta forma, naquela Casa, até as atas são falsas.
Para demonstrar o alheamento do Congresso dos temas nacionais, basta recordar as recentes reportagens do Estadão sobre a paralisação das obras da transposição das águas do Rio São Francisco.
O Nordeste tem 27 senadores e mais de uma centena de deputados federais. Nenhum deles, antes das reportagens, tinha denunciado o abandono e o desperdício de milhões de reais. Inclusive o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, que representa o Estado de Pernambuco. Guerra, presumo, deve estar preocupado com questões mais importantes. Quais?
Falando em oposição, vale destacar o PSDB. Governou o Brasil por oito anos vencendo por duas vezes a eleição presidencial no primeiro turno. Nas últimas três eleições chegou ao segundo turno. Hoje governa importantes Estados. Porém, o partido inexiste.
Inexiste como partido, no sentido moderno. O PSDB é um agrupamento, quase um ajuntamento. Não se sabe o que pensa sobre absolutamente nada. Um ou outro líder emite uma opinião crítica – mas não é secundado pelos companheiros.
Bem, chamar de companheiros é um tremendo exagero. Mas, deixando de lado a pequena política, o que interessa é que o partido passou o ano inteiro sem ter uma oposição firme, clara, propositiva sobre os rumos do Brasil. E não pode ser dito que o governo Dilma tenha obtido tal êxito, que não deixou espaço para a ação oposicionista. Muito pelo contrário.
A paralisia do PSDB é de tal ordem que o Conselho Político – que deveria pautar o partido no debate nacional – simplesmente sumiu.
Ninguém sabe onde está. Fez uma reunião e ponto final. Morreu. Alguém reclamou? A grande realização da direção nacional foi organizar um seminário sobre economia num hotel cinco estrelas do Rio de Janeiro, algo bem popular, diga-se. E de um dia. Afinal, discutir as alternativas para o nosso país deve ser algo muito cansativo.
Para o Brasil, 2011 é um ano para ser esquecido. Foi marcado pela irrelevância no debate dos grandes temas, pela desmoralização das instituições republicanas e por uma absoluta incapacidade governamental para gerir o presente, pensar e construir o futuro do País.
Marco Antônio Villa – O Estado de S.Paulo
Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar)
ATAQUE À IMPRENSA
As duas ações recentes do governo da Argentina contra o grupo jornalístico Clarín, o maior do país, fazem parte de uma já longa disputa pelo controle da informação pelo governo de Cristina Kirchner, prosseguindo o projeto que foi iniciado no governo de seu falecido marido, Nestor Kirchner.
Uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa que é jogada em todos os níveis, empresariais e jornalísticos, auxiliada pela já tristemente famosa “Ley dos Medios”, que pretende limitar a atuação dos grupos independentes.
A sede da TV a cabo do grupo, a Cablevisión, foi invadida por militares, que davam cobertura à ação da Justiça devido a uma denúncia do Grupo Vila-Manzano, proprietário do Supercanal, concorrente do Clarín na TV a cabo e aliado de Cristina Kirchner.
Ao mesmo tempo, o governo argentino aprovou na Câmara um projeto que desapropria a fábrica Papel Prensa, que pertence ao Clarín (49%) e ao La Nacion (22,5%), declarando o papel para jornal “um bem de interesse público”.
Além da parte de mídia impressa, eles são fortes na TV a cabo, com mais de 3,5 milhões de assinantes. O “Clarín” (com 600 mil exemplares de circulação aos domingos, e 320 mil de segunda a sábado) é o maior diário de língua espanhola. O grupo tem também 1,2 milhão de assinantes do serviço de banda larga (internet), cuja licença também foi cassada e é outro assunto levado à Justiça.
Na Argentina não há cadeias de TV como aqui, só pode haver redes de emissoras próprias. As redes são formadas por emissoras do mesmo grupo: o Clarín tem 4 canais (Buenos Aires, Baía Blanca, Córdoba e Bariloche).
A outra rede é a Telefé, da Telefónica (Espanha), canal 9. Também ao contrário do Brasil, o mercado de TV aberta na Argentina é muito pequeno, e a TV a cabo se desenvolveu mais, por isso o ataque à Cablevisión.
O canal a cabo do Clarín Todo Notícias, emissora all-news, é líder de audiência, mas o sinal não trafega no sistema público. No último dia do governo de Néstor Kirchner, ele aprovou a compra que o grupo CIarín fez da Cablevisión, para fundir com sua própria empresa de cabo, mas agora a Casa Rosada tenta desfazer a operação, de maneira ilegítima.
A TV pública, a única que tem rede nacional, é usada para ataques diretos à mídia independente, a seus diretores e jornalistas.
O governo está montando uma rede digital terrestre cujo sinal será dado gratuitamente às famílias de baixa renda. Além disso, criou três jornais, lança rádios e TV a cabo, sustenta tudo com publicidade oficial.
Há recursos transferidos até de verbas secretas da agência nacional de segurança (equivalente à Abin brasileira), um grande aparato oficial e paraoficial.
No avanço sobre o Clarin, o governo impediu que o grupo continuasse a transmitir o campeonato de futebol. O contrato que havia com a Associação de Futebol Argentino (AFA) foi revogado, e o governo abriu o sinal para quem quiser.
A fábrica Papel Prensa tem uma produção anual em torno de 170 mil toneladas, que representa 75% da demanda, abastecendo 130 meios de comunicação impressos.
O grupo Clarín comprou a fábrica do controvertido banqueiro David Gravier, que foi, entre outras coisas, banqueiro dos Tupamaros, que, com ele, aplicavam dinheiro obtido em sequstros.
O Grupo Clarín negociou a compra da fábrica com o irmão de Gravier depois que o banqueiro morreu em um acidente aéreo. A Casa Rosada reescreveu a história da operação, criando a versão de que Gravier foi pressionado pelos militares a vender a fábrica, o que o próprio irmão do banqueiro nega.
Como se trata da única produtora de papel de imprensa da Argentina, a Casa Rosada subjugaria os dois grupos independentes.
Sindicatos, aliados do grupo Kirchner, já paralisaram a fábrica por 12 dias, algo inédito na história da Papel Prensa (uma paralisação isolada, sem ser numa greve geral).
Um vídeo produzido pelo grupo impressiona pela escalada de violência. Mostra, entre outras, cenas de discursos duros e agressivos de Néstor Kirchner e Cristina contra o Clarín e seus executivos .
Há passagens de coletivas em que repórteres do jornal são espezinhados, registros de militantes kirchenistas/peronistas atacando o grupo (como a líder das Mães da Praça de Myo, Hebe de Bonafini), e assim por diante.
As madres se transformaram num braço da Casa Rosada. Exemplo gritante é o caso dos filhos adotivos da acionista e herdeira do Clarin Ernestina de Noble, outro flanco pelo qual o governo ataca, no caso, para atingir moralmente os acionistas do Clarin.
Surgiu uma família dizendo que os filhos adotivos de Ernestina (um casal hoje na faixa dos 34 anos) seriam seus netos, filhos de presos políticos desaparecidos. Ou seja, militares teriam repassado as crianças a Ernestina.
O casal aceitou fazer o teste de DNA. O congresso anterior, sob controle dos Kirchner, aprovou então uma lei passando o banco nacional genético argentino para controle direto do Executivo.
E mais: proibindo a realização de contraprovas. Os Noble, então, dispuseram-se a fazer o teste, mas apenas com o corpo médico forense.
Um dia, depois de o casal atender a uma convocação da Justiça, foi apanhado na rua pela polícia, levado à força para casa e lá teve as roupas que usava confiscadas. O objetivo era colher material para o teste de DNA.
Como até hoje o governo nada fala, supõe-se que ele deu negativo, contra os interesses da Casa Rosada.
Fonte: O Globo, 22/12/2011
23 de dezembro de 2011
Merval Pereira
Uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa que é jogada em todos os níveis, empresariais e jornalísticos, auxiliada pela já tristemente famosa “Ley dos Medios”, que pretende limitar a atuação dos grupos independentes.
A sede da TV a cabo do grupo, a Cablevisión, foi invadida por militares, que davam cobertura à ação da Justiça devido a uma denúncia do Grupo Vila-Manzano, proprietário do Supercanal, concorrente do Clarín na TV a cabo e aliado de Cristina Kirchner.
Ao mesmo tempo, o governo argentino aprovou na Câmara um projeto que desapropria a fábrica Papel Prensa, que pertence ao Clarín (49%) e ao La Nacion (22,5%), declarando o papel para jornal “um bem de interesse público”.
Além da parte de mídia impressa, eles são fortes na TV a cabo, com mais de 3,5 milhões de assinantes. O “Clarín” (com 600 mil exemplares de circulação aos domingos, e 320 mil de segunda a sábado) é o maior diário de língua espanhola. O grupo tem também 1,2 milhão de assinantes do serviço de banda larga (internet), cuja licença também foi cassada e é outro assunto levado à Justiça.
Na Argentina não há cadeias de TV como aqui, só pode haver redes de emissoras próprias. As redes são formadas por emissoras do mesmo grupo: o Clarín tem 4 canais (Buenos Aires, Baía Blanca, Córdoba e Bariloche).
A outra rede é a Telefé, da Telefónica (Espanha), canal 9. Também ao contrário do Brasil, o mercado de TV aberta na Argentina é muito pequeno, e a TV a cabo se desenvolveu mais, por isso o ataque à Cablevisión.
O canal a cabo do Clarín Todo Notícias, emissora all-news, é líder de audiência, mas o sinal não trafega no sistema público. No último dia do governo de Néstor Kirchner, ele aprovou a compra que o grupo CIarín fez da Cablevisión, para fundir com sua própria empresa de cabo, mas agora a Casa Rosada tenta desfazer a operação, de maneira ilegítima.
A TV pública, a única que tem rede nacional, é usada para ataques diretos à mídia independente, a seus diretores e jornalistas.
O governo está montando uma rede digital terrestre cujo sinal será dado gratuitamente às famílias de baixa renda. Além disso, criou três jornais, lança rádios e TV a cabo, sustenta tudo com publicidade oficial.
Há recursos transferidos até de verbas secretas da agência nacional de segurança (equivalente à Abin brasileira), um grande aparato oficial e paraoficial.
No avanço sobre o Clarin, o governo impediu que o grupo continuasse a transmitir o campeonato de futebol. O contrato que havia com a Associação de Futebol Argentino (AFA) foi revogado, e o governo abriu o sinal para quem quiser.
A fábrica Papel Prensa tem uma produção anual em torno de 170 mil toneladas, que representa 75% da demanda, abastecendo 130 meios de comunicação impressos.
O grupo Clarín comprou a fábrica do controvertido banqueiro David Gravier, que foi, entre outras coisas, banqueiro dos Tupamaros, que, com ele, aplicavam dinheiro obtido em sequstros.
O Grupo Clarín negociou a compra da fábrica com o irmão de Gravier depois que o banqueiro morreu em um acidente aéreo. A Casa Rosada reescreveu a história da operação, criando a versão de que Gravier foi pressionado pelos militares a vender a fábrica, o que o próprio irmão do banqueiro nega.
Como se trata da única produtora de papel de imprensa da Argentina, a Casa Rosada subjugaria os dois grupos independentes.
Sindicatos, aliados do grupo Kirchner, já paralisaram a fábrica por 12 dias, algo inédito na história da Papel Prensa (uma paralisação isolada, sem ser numa greve geral).
Um vídeo produzido pelo grupo impressiona pela escalada de violência. Mostra, entre outras, cenas de discursos duros e agressivos de Néstor Kirchner e Cristina contra o Clarín e seus executivos .
Há passagens de coletivas em que repórteres do jornal são espezinhados, registros de militantes kirchenistas/peronistas atacando o grupo (como a líder das Mães da Praça de Myo, Hebe de Bonafini), e assim por diante.
As madres se transformaram num braço da Casa Rosada. Exemplo gritante é o caso dos filhos adotivos da acionista e herdeira do Clarin Ernestina de Noble, outro flanco pelo qual o governo ataca, no caso, para atingir moralmente os acionistas do Clarin.
Surgiu uma família dizendo que os filhos adotivos de Ernestina (um casal hoje na faixa dos 34 anos) seriam seus netos, filhos de presos políticos desaparecidos. Ou seja, militares teriam repassado as crianças a Ernestina.
O casal aceitou fazer o teste de DNA. O congresso anterior, sob controle dos Kirchner, aprovou então uma lei passando o banco nacional genético argentino para controle direto do Executivo.
E mais: proibindo a realização de contraprovas. Os Noble, então, dispuseram-se a fazer o teste, mas apenas com o corpo médico forense.
Um dia, depois de o casal atender a uma convocação da Justiça, foi apanhado na rua pela polícia, levado à força para casa e lá teve as roupas que usava confiscadas. O objetivo era colher material para o teste de DNA.
Como até hoje o governo nada fala, supõe-se que ele deu negativo, contra os interesses da Casa Rosada.
Fonte: O Globo, 22/12/2011
23 de dezembro de 2011
Merval Pereira
O POVO NÃO É BOBO
“Sim, eu sei o que fazem os editores, eles separam o joio do trigo e publicam o joio.”
A frase clássica de Adlai Stevenson, político americano do pós-guerra, revela muitos aspectos do jornalismo. É verdade, por exemplo, que jornalistas passam o tempo todo separando o que é notícia do que não é. A quantidade de informações que chegam ao conhecimento de uma redação é muitas vezes maior que o espaço disponível nos jornais, tevês, rádios e mesmo na internet. São duas escolhas, portanto. A primeira, sobre o que se vai apurar. A segunda, depois da apuração, se vale a pena veicular. Muito trabalho e muito dinheiro empregados na busca de uma informação acabam na lata de lixo.
Segundo Stevenson, é lá, na lata, que estão as verdadeiras notícias. Mas verdadeiras para quem? Políticos e membros do governo não fazem parte do público, digamos, normal. Leitores, ouvintes e espectadores não constituem fonte de notícias. Eles sabem do que se passa pela imprensa.
Já políticos e membros do governo sabem do que está acontecendo em suas áreas e entregam informações aos jornalistas. Claro que, por isso, têm uma expectativa em relação ao que será veiculado. Não é a mesma expectativa de repórteres e editores.
“Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto é propaganda” – já se dizia na redação do “Times”, de Londres, 200 anos atrás. Se aplicado de maneira universal, o lema é exagerado. Há notícias que todo mundo quer ver publicadas, como a descoberta de um novo medicamento.
No mundo da política e do governo, porém, o princípio do “Times” funciona muito bem. De certo modo, é o oposto da frase de Stevenson. Uma declaração do governante, nesta acepção, é o joio. O trigo é quando o repórter descobre aquilo que a autoridade classifica como mentira.
Aqui no Brasil, chamamos de chapa-branca essa imprensa que publica o joio, a versão oficial, a declaração do porta-voz ou a versão da força política dominante – e dá o serviço por encerrado.
Mas há aí um problema para a imprensa independente. A versão oficial é parte da história. Não sempre, mas muitas vezes. É preciso contar o que o governo e a oposição pensam disto e daquilo. É correto divulgar o anúncio de planos da administração.
E isso nos leva ao outro lado do jornalismo – a relação direta com o público que não é fonte de informações. O homem público sabe o que gostaria de ver publicado. O jornalista sabe o que ele, político, não quer ver na imprensa.
E o público, o que gostaria de saber? Uma declaração do presidente da República é sempre uma notícia?
Jornalistas sugeriram uma regra bem interessante para testar a força e o interesse geral de uma declaração. Inverta a frase; se ela ficar melhor, como notícia, esqueça a original.
Por exemplo: “Presidente declara que não vai tolerar malfeitos em seu governo.” Ou, pelo outro lado: “Líder da oposição denuncia governo.” É claro que o contrário é mais notícia, logo…
Muito simples? Mas funciona. Claro, não se pode esperar que o governante dê uma declaração defendendo os seus corruptos. É preciso considerar o contexto. Ainda recentemente, por exemplo, a presidente Dilma mandou dizer que as denúncias envolvendo o ministro Pimentel não afetam o governo e, assim, não dão motivos para demissão, pois os atos apontados como irregulares aconteceram antes da formação do governo.
Isso teve ampla veiculação, mas de modos diferentes. Veículos do governo e chapa-branca publicaram como resposta a denúncias. Já a imprensa independente elaborou: o que quer dizer isso? Que o malfeito desaparece quando o político se torna ministro? Que só não pode roubar quando já está no governo?
Também foi forte a repercussão de outra declaração da presidente, quando afirmou que seu governo é intolerante com a corrupção e com o loteamento de cargos. De novo, a imprensa independente especulou: depois de tantos ministros caídos? E num ambiente em que os partidos da base disputam cargos abertamente e se metem em fogo amigo, como essa brigalhada entre PT e PMDB na Caixa?
Eis uma boa combinação: notícias que muita gente não queria ver publicadas, mas a regra da inversão aplicada implicitamente. Na verdade, essa regra é bastante ampla. Quando um juiz declara que a categoria tem férias de mais, isso é mais notícia do que o contrário. Quando um jornalista ligado ao PT publica um livro denunciando ações dos tucanos … é só fazer as inversões para se fixar o alcance limitado da coisa.
O público, mesmo sem elaborar, sabe identificar as notícias. Por que a televisão do governo não dá audiência? Por que a imprensa chapa-branca só interessa à sua turma?
O público sabe que dali só vem o joio, propaganda e notícia invertida para o lado errado. O que mostra, aliás, o tamanho do desperdício de dinheiro do contribuinte com essas imprensas.
Fon23 de dezembro de 2011
Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo, 22/12/2011
A frase clássica de Adlai Stevenson, político americano do pós-guerra, revela muitos aspectos do jornalismo. É verdade, por exemplo, que jornalistas passam o tempo todo separando o que é notícia do que não é. A quantidade de informações que chegam ao conhecimento de uma redação é muitas vezes maior que o espaço disponível nos jornais, tevês, rádios e mesmo na internet. São duas escolhas, portanto. A primeira, sobre o que se vai apurar. A segunda, depois da apuração, se vale a pena veicular. Muito trabalho e muito dinheiro empregados na busca de uma informação acabam na lata de lixo.
Segundo Stevenson, é lá, na lata, que estão as verdadeiras notícias. Mas verdadeiras para quem? Políticos e membros do governo não fazem parte do público, digamos, normal. Leitores, ouvintes e espectadores não constituem fonte de notícias. Eles sabem do que se passa pela imprensa.
Já políticos e membros do governo sabem do que está acontecendo em suas áreas e entregam informações aos jornalistas. Claro que, por isso, têm uma expectativa em relação ao que será veiculado. Não é a mesma expectativa de repórteres e editores.
“Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto é propaganda” – já se dizia na redação do “Times”, de Londres, 200 anos atrás. Se aplicado de maneira universal, o lema é exagerado. Há notícias que todo mundo quer ver publicadas, como a descoberta de um novo medicamento.
No mundo da política e do governo, porém, o princípio do “Times” funciona muito bem. De certo modo, é o oposto da frase de Stevenson. Uma declaração do governante, nesta acepção, é o joio. O trigo é quando o repórter descobre aquilo que a autoridade classifica como mentira.
Aqui no Brasil, chamamos de chapa-branca essa imprensa que publica o joio, a versão oficial, a declaração do porta-voz ou a versão da força política dominante – e dá o serviço por encerrado.
Mas há aí um problema para a imprensa independente. A versão oficial é parte da história. Não sempre, mas muitas vezes. É preciso contar o que o governo e a oposição pensam disto e daquilo. É correto divulgar o anúncio de planos da administração.
E isso nos leva ao outro lado do jornalismo – a relação direta com o público que não é fonte de informações. O homem público sabe o que gostaria de ver publicado. O jornalista sabe o que ele, político, não quer ver na imprensa.
E o público, o que gostaria de saber? Uma declaração do presidente da República é sempre uma notícia?
Jornalistas sugeriram uma regra bem interessante para testar a força e o interesse geral de uma declaração. Inverta a frase; se ela ficar melhor, como notícia, esqueça a original.
Por exemplo: “Presidente declara que não vai tolerar malfeitos em seu governo.” Ou, pelo outro lado: “Líder da oposição denuncia governo.” É claro que o contrário é mais notícia, logo…
Muito simples? Mas funciona. Claro, não se pode esperar que o governante dê uma declaração defendendo os seus corruptos. É preciso considerar o contexto. Ainda recentemente, por exemplo, a presidente Dilma mandou dizer que as denúncias envolvendo o ministro Pimentel não afetam o governo e, assim, não dão motivos para demissão, pois os atos apontados como irregulares aconteceram antes da formação do governo.
Isso teve ampla veiculação, mas de modos diferentes. Veículos do governo e chapa-branca publicaram como resposta a denúncias. Já a imprensa independente elaborou: o que quer dizer isso? Que o malfeito desaparece quando o político se torna ministro? Que só não pode roubar quando já está no governo?
Também foi forte a repercussão de outra declaração da presidente, quando afirmou que seu governo é intolerante com a corrupção e com o loteamento de cargos. De novo, a imprensa independente especulou: depois de tantos ministros caídos? E num ambiente em que os partidos da base disputam cargos abertamente e se metem em fogo amigo, como essa brigalhada entre PT e PMDB na Caixa?
Eis uma boa combinação: notícias que muita gente não queria ver publicadas, mas a regra da inversão aplicada implicitamente. Na verdade, essa regra é bastante ampla. Quando um juiz declara que a categoria tem férias de mais, isso é mais notícia do que o contrário. Quando um jornalista ligado ao PT publica um livro denunciando ações dos tucanos … é só fazer as inversões para se fixar o alcance limitado da coisa.
O público, mesmo sem elaborar, sabe identificar as notícias. Por que a televisão do governo não dá audiência? Por que a imprensa chapa-branca só interessa à sua turma?
O público sabe que dali só vem o joio, propaganda e notícia invertida para o lado errado. O que mostra, aliás, o tamanho do desperdício de dinheiro do contribuinte com essas imprensas.
Fon23 de dezembro de 2011
Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo, 22/12/2011
A INJUSTIÇA E A REVOLTA
Barack Obama não se revelou um presidente notável, mas é um mestre na arte de interpretar o estado de espírito das pessoas e traduzi-lo na linguagem de uma campanha política. Semanas atrás, ele viajou até uma cidadezinha perdida no Kansas e, perante uma pequena audiência, numa escola secundária, definiu o rumo de seu discurso na aventura incerta da reeleição. Ele prometeu um “contrato justo” para a classe média, assumindo o papel do campeão dos pequenos cujos sonhos se dissolvem no ácido da injustiça e da desigualdade.
O presidente falou com o presente ecoando vozes de uma linhagem política venerável na história dos EUA. O “contrato justo” (square deal) é uma citação direta, proposital, de um discurso marcante do republicano Theodore Roosevelt, pronunciado em 1910 na mesma cidade. O tema da revolta de Main Street contra Wall Street – isto é, dos homens comuns contra os ricos e poderosos – percorre a política americana desde os tempos de Thomas Jefferson, o fundador do Partido Democrático-Republicano, ancestral dos dois grandes partidos atuais. “Ocupar Wall Street!” – Obama não disse essa frase, mas apostou tudo no sentimento que o movimento minoritário de protesto evoca numa classe média vergada sob o peso do endividamento familiar e do estreitamento das oportunidades de emprego.
A revista “Time” rompeu a tradição e não selecionou um indivíduo como a “pessoa do ano” de 2011, optando por celebrar “o manifestante”: uma figuração genérica na qual se podem inscrever o tunisiano Aziz Bouazizi, cuja autoimolação detonou a Primavera Árabe; o egípcio da Praça Tahrir; o combatente civil líbio; o rebelde sírio; o russo que clama pelo fim do reinado de Vladimir Putin; o grego ou o espanhol em revolta contra o ritual sacrificial no altar do euro; o americano ocupante de Wall Street. Não há equivalência entre os incontáveis protestos que imprimiram suas marcas no último ano – e, obviamente, cada um deles solicita narrativas analíticas singulares. Contudo, uma teia única de significados interliga a série inteira.
O que há de comum nos protestos, revoltas, rebeliões, levantes e revoluções sintetizados na figura sem rosto da capa da Time? Antes de tudo, toda a série compartilha uma característica negativa. Os homens e mulheres nas praças não seguem um partido, uma doutrina ou uma ideologia. É sempre fútil qualificar movimentos sociais com o adjetivo “espontâneo”, pois atrás de cada um deles existem, invariavelmente, organizações políticas, sindicais ou associativas. Nem é o caso de aderir à moda simplificadora que atribui o protesto à força mobilizadora das tecnologias da informação. Entretanto, os movimentos de 2011 não se enquadram nos rótulos políticos ou de classe habituais. Na Praça Tahrir, reuniram-se jovens profissionais laicos e seguidores da Irmandade Muçulmana. Em Madri e Atenas, trabalhadores organizados se misturaram a multidões de jovens desempregados, profissionais liberais e aposentados. Na Rússia, nacionalistas e liberais protestaram juntos pela primeira vez desde os turbulentos meses da implosão da URSS. Obama não tenta se conectar com uma classe social específica, mas com a infinitude de indivíduos que interpretam o sistema político americano como uma trapaça destinada a preservar os interesses dos privilegiados.
A série multifacetada de protestos compartilha, ainda, uma característica positiva, que o presidente americano procura traduzir por meio da noção abrangente e imprecisa de “justiça”. Nos EUA, o colapso da roda das finanças descerrou o véu que ocultava um cortejo de iniquidades acumuladas há décadas. Na Europa, a salvação do castelo do euro parece depender da supressão das redes de proteção social tecidas pelo Estado de bem-estar. Na Rússia, à sombra da estagnação econômica, os cidadãos começam a visualizar os contornos de um Estado mafioso controlado por uma claque de burocratas oriunda dos serviços soviéticos de inteligência.
Em todos os lugares, sob as formas mais distintas, colocou-se um mesmo problema, que é o dos direitos das pessoas comuns. Os árabes não desafiaram os tiranos em nome do Corão ou da sharia, mas da equidade – ou seja, da ideia básica de que todos têm direitos políticos e sociais inalienáveis. No Egito, a Irmandade Muçulmana criou um partido batizado com os substantivos justiça e liberdade. Ao contrário daquilo que repetem sem parar os arautos do “choque de civilizações”, o segredo do sucesso eleitoral do partido egípcio está na subordinação de sua doutrina política particular a um interesse geral sintetizado nessas duas palavras. Muitas das mulheres que protestam no Cairo contra a violência policial sufragaram o partido da Irmandade – e, certas ou erradas, não enxergam contradição entre seus atos e seu voto.
“O que está vivo e o que está morto na social-democracia?” – esse é o título da conferência pronunciada em 2009 pelo historiador britânico Tony Judt na Universidade de Nova York. O seu tema foi a “fascinação por um vocabulário econômico estiolado” e a “propensão a evitar considerações morais” no debate político, uma inclinação que nada tem de natural, mas “é um gosto adquirido”. Diante de determinada iniciativa, explicou o conferencista, não mais tendemos a perguntar se ela é boa ou ruim, limitando-nos a indagar sobre a sua suposta eficiência econômica. Judt sofria de uma cruel doença degenerativa e sabia que falava em público pela última vez. Se vivesse o suficiente para acompanhar as pequenas e grandes revoltas do ano que se encerra, ele provavelmente reconheceria nelas uma nota comum de indignação moral contra o privilégio, a corrupção e o abuso do poder.
O “contrato justo” de Obama pode não ser nada além de uma linha genial no marketing político de um presidente que decepcionou seus eleitores. Mas é precisamente o que pedem em tantas línguas os manifestantes de 2011.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/12/2011
23 de dezembro de 2011
Demétrio Magnoli
O presidente falou com o presente ecoando vozes de uma linhagem política venerável na história dos EUA. O “contrato justo” (square deal) é uma citação direta, proposital, de um discurso marcante do republicano Theodore Roosevelt, pronunciado em 1910 na mesma cidade. O tema da revolta de Main Street contra Wall Street – isto é, dos homens comuns contra os ricos e poderosos – percorre a política americana desde os tempos de Thomas Jefferson, o fundador do Partido Democrático-Republicano, ancestral dos dois grandes partidos atuais. “Ocupar Wall Street!” – Obama não disse essa frase, mas apostou tudo no sentimento que o movimento minoritário de protesto evoca numa classe média vergada sob o peso do endividamento familiar e do estreitamento das oportunidades de emprego.
A revista “Time” rompeu a tradição e não selecionou um indivíduo como a “pessoa do ano” de 2011, optando por celebrar “o manifestante”: uma figuração genérica na qual se podem inscrever o tunisiano Aziz Bouazizi, cuja autoimolação detonou a Primavera Árabe; o egípcio da Praça Tahrir; o combatente civil líbio; o rebelde sírio; o russo que clama pelo fim do reinado de Vladimir Putin; o grego ou o espanhol em revolta contra o ritual sacrificial no altar do euro; o americano ocupante de Wall Street. Não há equivalência entre os incontáveis protestos que imprimiram suas marcas no último ano – e, obviamente, cada um deles solicita narrativas analíticas singulares. Contudo, uma teia única de significados interliga a série inteira.
O que há de comum nos protestos, revoltas, rebeliões, levantes e revoluções sintetizados na figura sem rosto da capa da Time? Antes de tudo, toda a série compartilha uma característica negativa. Os homens e mulheres nas praças não seguem um partido, uma doutrina ou uma ideologia. É sempre fútil qualificar movimentos sociais com o adjetivo “espontâneo”, pois atrás de cada um deles existem, invariavelmente, organizações políticas, sindicais ou associativas. Nem é o caso de aderir à moda simplificadora que atribui o protesto à força mobilizadora das tecnologias da informação. Entretanto, os movimentos de 2011 não se enquadram nos rótulos políticos ou de classe habituais. Na Praça Tahrir, reuniram-se jovens profissionais laicos e seguidores da Irmandade Muçulmana. Em Madri e Atenas, trabalhadores organizados se misturaram a multidões de jovens desempregados, profissionais liberais e aposentados. Na Rússia, nacionalistas e liberais protestaram juntos pela primeira vez desde os turbulentos meses da implosão da URSS. Obama não tenta se conectar com uma classe social específica, mas com a infinitude de indivíduos que interpretam o sistema político americano como uma trapaça destinada a preservar os interesses dos privilegiados.
A série multifacetada de protestos compartilha, ainda, uma característica positiva, que o presidente americano procura traduzir por meio da noção abrangente e imprecisa de “justiça”. Nos EUA, o colapso da roda das finanças descerrou o véu que ocultava um cortejo de iniquidades acumuladas há décadas. Na Europa, a salvação do castelo do euro parece depender da supressão das redes de proteção social tecidas pelo Estado de bem-estar. Na Rússia, à sombra da estagnação econômica, os cidadãos começam a visualizar os contornos de um Estado mafioso controlado por uma claque de burocratas oriunda dos serviços soviéticos de inteligência.
Em todos os lugares, sob as formas mais distintas, colocou-se um mesmo problema, que é o dos direitos das pessoas comuns. Os árabes não desafiaram os tiranos em nome do Corão ou da sharia, mas da equidade – ou seja, da ideia básica de que todos têm direitos políticos e sociais inalienáveis. No Egito, a Irmandade Muçulmana criou um partido batizado com os substantivos justiça e liberdade. Ao contrário daquilo que repetem sem parar os arautos do “choque de civilizações”, o segredo do sucesso eleitoral do partido egípcio está na subordinação de sua doutrina política particular a um interesse geral sintetizado nessas duas palavras. Muitas das mulheres que protestam no Cairo contra a violência policial sufragaram o partido da Irmandade – e, certas ou erradas, não enxergam contradição entre seus atos e seu voto.
“O que está vivo e o que está morto na social-democracia?” – esse é o título da conferência pronunciada em 2009 pelo historiador britânico Tony Judt na Universidade de Nova York. O seu tema foi a “fascinação por um vocabulário econômico estiolado” e a “propensão a evitar considerações morais” no debate político, uma inclinação que nada tem de natural, mas “é um gosto adquirido”. Diante de determinada iniciativa, explicou o conferencista, não mais tendemos a perguntar se ela é boa ou ruim, limitando-nos a indagar sobre a sua suposta eficiência econômica. Judt sofria de uma cruel doença degenerativa e sabia que falava em público pela última vez. Se vivesse o suficiente para acompanhar as pequenas e grandes revoltas do ano que se encerra, ele provavelmente reconheceria nelas uma nota comum de indignação moral contra o privilégio, a corrupção e o abuso do poder.
O “contrato justo” de Obama pode não ser nada além de uma linha genial no marketing político de um presidente que decepcionou seus eleitores. Mas é precisamente o que pedem em tantas línguas os manifestantes de 2011.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/12/2011
23 de dezembro de 2011
Demétrio Magnoli
BRASIL x EUA: AFASTAMENTO GRADUAL
Tomando por base a taxa anual de convergência com os Estados Unidos nas votações realizadas na Assembleia Geral da ONU, em mais de seis décadas e 18 mandatos presidenciais, o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, apresenta um interessante panorama do processo histórico que moldou nossa política externa, levando-a a um progressivo distanciamento em relação aos Estados Unidos.
O método estatístico que utilizou pioneiramente para uma avaliação da política externa parte do princípio de que ela é uma “política pública”, que pode ser mensurada, embora sem nunca esquecer que o lado preponderante será sempre o qualitativo.
“Apesar da aridez da linguagem matemática, os números também podem oferecer uma narrativa histórica”, afirma o autor. Manter o que chama de “diálogo intenso” entre as duas vertentes é um dos objetivos do livro “De Dutra a Lula, a condução e os determinantes da política externa”, da editora Elsevier, com apoio da Fundação Konrad Adenauer.
O trabalho de Octavio Amorim Neto demonstra que, “a partir da segunda metade do século XX, à medida que crescia e se industrializava a economia brasileira, se expandia a população, se urbanizava a sociedade, e aumentavam os gastos militares e o tamanho das Forças Armadas, o país foi se sentindo em condições de, passo a passo, se distanciar daquele que havia sido seu grande aliado na primeira metade do século passado”.
De 1946, ano que o autor considera “um dos grandes marcos na História brasileira”, quando foi promulgada uma Constituição que representa “genuíno esforço de democratização da vida política do país”, dando amplos poderes ao Legislativo, e também foi criado o Instituto Rio Branco, até 2008, o país passou do alinhamento, em variados graus de automatismo, com os Estados Unidos a um revisionismo moderado da ordem internacional unipolar vigente a partir do fim da Guerra Fria.
Um padrão de afastamento, explica o autor, de longo prazo e relativamente bem controlado, pois jamais chegou à ruptura ou à inimizade. “Uma chancelaria profissional soube traduzir, racionalmente, as crescentes capacidades nacionais do Brasil em um incremental e cauteloso distanciamento diplomático em relação aos Estados Unidos.”
Da mesma forma, explica Amorim Neto, que soube se reaproximar de Washington durante a década de 1990, quando viu congelada ou ameaçada a posição internacional do país por conta da desorganização monetária e da semiestagnação por que vinha passando a economia brasileira desde a década de 1980.
A análise do cientista político toma o lugar da estatística para destacar que nesse período houve três regimes de delegação de autoridade do Ministério das Relações Exteriores.
O regime democrático de 1946 a 1964 destaca-se por uma extensa delegação ao Itamaraty, com poucas viagens internacionais dos presidentes e um corpo de embaixadores influentes.
Já o regime militar, mesmo com todos os chanceleres vindos da carreira, pode ser associado a um período de redução de autonomia decisória do ministério, especialmente durante o governo Geisel.
O regime democrático instalado em 1985 se caracteriza por uma maioria de chanceleres de carreira diplomática, mas um crescimento quase exponencial da chamada “diplomacia presidencial”, sobretudo a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
Octavio Amorim Neto relaciona os governos que foram mais longe no distanciamento dos Estados Unidos no período: Jânio Quadros, João Goulart, Ernesto Geisel e Lula.
E os que mais se aproximaram dos Estados Unidos: Eurico Dutra, Juscelino Kubitschek, Castelo Branco e Fernando Henrique Cardoso.
As variações correspondem, segundo o autor, a fatores domésticos: a força ministerial dos partidos de esquerda e a força ministerial da direita militar.
Os momentos de pico da força ministerial de esquerda coincidem com os momentos de maior longevidade dos dois regimes democráticos, o governo Goulart e os governos Lula.
Octavio Amorim Neto classifica como “momento de projeção internacional sem precedentes na sua História” a atuação do presidente Lula e do chanceler Celso Amorim na assinatura de um acordo com o Irã e a Turquia sobre o programa nuclear iraniano, o que causou um estranhamento entre o Brasil e os Estados Unidos.
O autor admite, no entanto, que essa atuação foi “controversa e com resultados duvidosos”.
Embora não pretenda neste livro discutir se a política externa brasileira durante o governo Lula foi ou não excessivamente ideológica, Octavio Amorim Neto destaca que “uma razão para os supostos excessos da diplomacia praticada entre 2003 e 2010 pode encontrar-se na falta de freios domésticos à ação do Executivo”.
O autor vê um “precário lugar” do Congresso em matéria internacional, mesmo que o Legislativo exerça influência indireta sobre a política externa.
“Os parlamentares brasileiros escudam-se na noção segundo a qual questões internacionais não têm relevância eleitoral no país.”
As Forças Armadas, por seu turno, foram fator importante na definição da política externa brasileira no período 1946- 2008.
A ascensão e a queda do poder político dos militares tiveram, segundo Amorim Neto, um efeito considerável nos temas políticos e de segurança, afastando-nos dos Estados Unidos.
No fim do livro, Octavio Amorim Neto adverte que o modelo de análise centrado na relação com os Estados Unidos como principal vetor da diplomacia brasileira “está se esgotando”.
Por conta do sucesso da universalização das relações internacionais do Brasil, de sua ascensão recente à condição de ator global, da emergência da China como principal parceiro comercial do país, do declínio imperial dos Estados Unidos e da multiplicação de atores envolvidos no processo decisório doméstico, “é muito provável que, a partir da presente década, sejam outros os principais determinantes da política externa brasileira”.
Fonte: O Globo
24 de dezembro de 2011
Merval Pereira
O método estatístico que utilizou pioneiramente para uma avaliação da política externa parte do princípio de que ela é uma “política pública”, que pode ser mensurada, embora sem nunca esquecer que o lado preponderante será sempre o qualitativo.
“Apesar da aridez da linguagem matemática, os números também podem oferecer uma narrativa histórica”, afirma o autor. Manter o que chama de “diálogo intenso” entre as duas vertentes é um dos objetivos do livro “De Dutra a Lula, a condução e os determinantes da política externa”, da editora Elsevier, com apoio da Fundação Konrad Adenauer.
O trabalho de Octavio Amorim Neto demonstra que, “a partir da segunda metade do século XX, à medida que crescia e se industrializava a economia brasileira, se expandia a população, se urbanizava a sociedade, e aumentavam os gastos militares e o tamanho das Forças Armadas, o país foi se sentindo em condições de, passo a passo, se distanciar daquele que havia sido seu grande aliado na primeira metade do século passado”.
De 1946, ano que o autor considera “um dos grandes marcos na História brasileira”, quando foi promulgada uma Constituição que representa “genuíno esforço de democratização da vida política do país”, dando amplos poderes ao Legislativo, e também foi criado o Instituto Rio Branco, até 2008, o país passou do alinhamento, em variados graus de automatismo, com os Estados Unidos a um revisionismo moderado da ordem internacional unipolar vigente a partir do fim da Guerra Fria.
Um padrão de afastamento, explica o autor, de longo prazo e relativamente bem controlado, pois jamais chegou à ruptura ou à inimizade. “Uma chancelaria profissional soube traduzir, racionalmente, as crescentes capacidades nacionais do Brasil em um incremental e cauteloso distanciamento diplomático em relação aos Estados Unidos.”
Da mesma forma, explica Amorim Neto, que soube se reaproximar de Washington durante a década de 1990, quando viu congelada ou ameaçada a posição internacional do país por conta da desorganização monetária e da semiestagnação por que vinha passando a economia brasileira desde a década de 1980.
A análise do cientista político toma o lugar da estatística para destacar que nesse período houve três regimes de delegação de autoridade do Ministério das Relações Exteriores.
O regime democrático de 1946 a 1964 destaca-se por uma extensa delegação ao Itamaraty, com poucas viagens internacionais dos presidentes e um corpo de embaixadores influentes.
Já o regime militar, mesmo com todos os chanceleres vindos da carreira, pode ser associado a um período de redução de autonomia decisória do ministério, especialmente durante o governo Geisel.
O regime democrático instalado em 1985 se caracteriza por uma maioria de chanceleres de carreira diplomática, mas um crescimento quase exponencial da chamada “diplomacia presidencial”, sobretudo a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
Octavio Amorim Neto relaciona os governos que foram mais longe no distanciamento dos Estados Unidos no período: Jânio Quadros, João Goulart, Ernesto Geisel e Lula.
E os que mais se aproximaram dos Estados Unidos: Eurico Dutra, Juscelino Kubitschek, Castelo Branco e Fernando Henrique Cardoso.
As variações correspondem, segundo o autor, a fatores domésticos: a força ministerial dos partidos de esquerda e a força ministerial da direita militar.
Os momentos de pico da força ministerial de esquerda coincidem com os momentos de maior longevidade dos dois regimes democráticos, o governo Goulart e os governos Lula.
Octavio Amorim Neto classifica como “momento de projeção internacional sem precedentes na sua História” a atuação do presidente Lula e do chanceler Celso Amorim na assinatura de um acordo com o Irã e a Turquia sobre o programa nuclear iraniano, o que causou um estranhamento entre o Brasil e os Estados Unidos.
O autor admite, no entanto, que essa atuação foi “controversa e com resultados duvidosos”.
Embora não pretenda neste livro discutir se a política externa brasileira durante o governo Lula foi ou não excessivamente ideológica, Octavio Amorim Neto destaca que “uma razão para os supostos excessos da diplomacia praticada entre 2003 e 2010 pode encontrar-se na falta de freios domésticos à ação do Executivo”.
O autor vê um “precário lugar” do Congresso em matéria internacional, mesmo que o Legislativo exerça influência indireta sobre a política externa.
“Os parlamentares brasileiros escudam-se na noção segundo a qual questões internacionais não têm relevância eleitoral no país.”
As Forças Armadas, por seu turno, foram fator importante na definição da política externa brasileira no período 1946- 2008.
A ascensão e a queda do poder político dos militares tiveram, segundo Amorim Neto, um efeito considerável nos temas políticos e de segurança, afastando-nos dos Estados Unidos.
No fim do livro, Octavio Amorim Neto adverte que o modelo de análise centrado na relação com os Estados Unidos como principal vetor da diplomacia brasileira “está se esgotando”.
Por conta do sucesso da universalização das relações internacionais do Brasil, de sua ascensão recente à condição de ator global, da emergência da China como principal parceiro comercial do país, do declínio imperial dos Estados Unidos e da multiplicação de atores envolvidos no processo decisório doméstico, “é muito provável que, a partir da presente década, sejam outros os principais determinantes da política externa brasileira”.
Fonte: O Globo
24 de dezembro de 2011
Merval Pereira
A MORTE DO BLOGUEIRO
Reproduzido do blog Nota de Rodapé http://www.notaderodape.com.br/
Amilton Alexandre, conhecido como Mosquito, o blogueiro mais polêmico de Santa Catarina, foi encontrado morto em sua casa na quarta-feira (13/12). Segundo a versão da polícia e de alguns amigos, os indícios apontam para suicídio. Ele estava em depressão, respondia a dezenas de processos na Justiça por causa de suas denúncias e enfrentava sérios problemas financeiros.
O blog Tijoladas do Mosquito era um fenômeno de audiência. Para se ter ideia, chegou a ter 70 mil acessos num só dia. Os poderosos do Estado, acostumados com um jornalismo medroso, jornalismo puxa-saco, falsamente equilibrado e independente, viram-se na mira de alguém que, acima de tudo, dizia tudo o que tinha para dizer sem medo e sem nenhuma censura.
Exasperado com a maldade e a corrupção, cometeu erros, “passou dos limites”, como ele mesmo reconheceu em seu último post. Seus métodos jornalísticos e seu estilo são passíveis de muitas críticas, mas ninguém pode acusá-lo de covarde. Mosquito era um homem corajoso e levou às últimas consequências a sua missão de denunciar aquilo que considerava errado. Ele não se escondia. Esteve sempre na linha de frente.
Durante a ditadura, como líder estudantil, foi um dos protagonistas da Novembrada, revolta popular ocorrida em Florianópolis, em 1979, contra a visita do então presidente João Batista Figueiredo. Mosquito foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e preso.
Quarto do poder
Curioso ele ter morrido exatamente 43 anos depois da entrada em vigor do AI-5, o ato institucional que, entre outras coisas, acabou com o que ainda restava de liberdade de expressão no Brasil. Curioso porque a luta por uma sociedade verdadeiramente democrática foi sua maior bandeira. E, contrariando as estatísticas, ele não mudou de lado, não se acomodou em cargos públicos, não se vendeu.
Como se sabe, mas sempre se esquece, não existe democracia sem pluralidade de ideias. E não existe pluralidade de ideias quando se tem um monopólio da comunicação. Em Santa Catarina, a luta de Mosquito era urgente e necessária. A Rede Brasil Sul (RBS), afiliada da Rede Globo, possui 20 emissoras de tevê, 24 emissoras de rádio, oito jornais, além de mais de uma dezena de produtos de plataforma digital.
Diante disso, o jornalismo catarinense não é um quarto poder, mas um quarto do poder. A cumplicidade entre imprensa e poder político, entre poder econômico e imprensa é tão intensa, tão explícita, que chega a parecer normal. Mas Mosquito não achava normal a hipocrisia, a falta de escrúpulos, a corrupção, a impunidade e este monopólio criminoso.
Ameaças e retaliações
Um dos grandes legados deixado pelo blogueiro foi ter escancarado a falência do jornalismo “sério” da grande mídia. A audiência de seu blog provinha, essencialmente, da quantidade de informação de interesse público que ele dava com exclusividade. Interesse público, compromisso social, é um negócio completamente fora de moda no jornalismo praticado pela grande mídia.
Ouvi alguns jornalistas, todos desta imprensa “séria”, lamentando a morte, mas dizendo: “o que ele fazia não era jornalismo”. Tudo bem, mas qual nome se dá ao trabalho realizado por esses jornalistas sérios e responsáveis?
No seu último post, escrito sete dias antes da sua morte, ele disse: “Não tenho mais como enfrentar as ameaças e retaliações. É sensato dar um tempo”. Ele estava acuado. Assumiu, sozinho, uma briga que deveria ser coletiva.
Com esta morte trágica, os corruptos de todas as espécies e de todos os poderes podem estar se sentindo mais aliviados, mas não esqueçam que ele, o Mosquito, – mesmo involuntariamente – assentou vários tijolinhos ao longo de sua militância e desses tijolinhos, quem sabe, um dia, se construa uma imprensa mais indignada, menos hipócrita e mais comprometida com os interesses da maioria da população.
***
Fernando Evangelista é jornalista, colunista do Nota de Rodapé
Reproduzido do blog Nota de Rodapé
Amilton Alexandre, conhecido como Mosquito, o blogueiro mais polêmico de Santa Catarina, foi encontrado morto em sua casa na quarta-feira (13/12). Segundo a versão da polícia e de alguns amigos, os indícios apontam para suicídio. Ele estava em depressão, respondia a dezenas de processos na Justiça por causa de suas denúncias e enfrentava sérios problemas financeiros.
O blog Tijoladas do Mosquito era um fenômeno de audiência. Para se ter ideia, chegou a ter 70 mil acessos num só dia. Os poderosos do Estado, acostumados com um jornalismo medroso, jornalismo puxa-saco, falsamente equilibrado e independente, viram-se na mira de alguém que, acima de tudo, dizia tudo o que tinha para dizer sem medo e sem nenhuma censura.
Exasperado com a maldade e a corrupção, cometeu erros, “passou dos limites”, como ele mesmo reconheceu em seu último post. Seus métodos jornalísticos e seu estilo são passíveis de muitas críticas, mas ninguém pode acusá-lo de covarde. Mosquito era um homem corajoso e levou às últimas consequências a sua missão de denunciar aquilo que considerava errado. Ele não se escondia. Esteve sempre na linha de frente.
Durante a ditadura, como líder estudantil, foi um dos protagonistas da Novembrada, revolta popular ocorrida em Florianópolis, em 1979, contra a visita do então presidente João Batista Figueiredo. Mosquito foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e preso.
Quarto do poder
Curioso ele ter morrido exatamente 43 anos depois da entrada em vigor do AI-5, o ato institucional que, entre outras coisas, acabou com o que ainda restava de liberdade de expressão no Brasil. Curioso porque a luta por uma sociedade verdadeiramente democrática foi sua maior bandeira. E, contrariando as estatísticas, ele não mudou de lado, não se acomodou em cargos públicos, não se vendeu.
Como se sabe, mas sempre se esquece, não existe democracia sem pluralidade de ideias. E não existe pluralidade de ideias quando se tem um monopólio da comunicação. Em Santa Catarina, a luta de Mosquito era urgente e necessária. A Rede Brasil Sul (RBS), afiliada da Rede Globo, possui 20 emissoras de tevê, 24 emissoras de rádio, oito jornais, além de mais de uma dezena de produtos de plataforma digital.
Diante disso, o jornalismo catarinense não é um quarto poder, mas um quarto do poder. A cumplicidade entre imprensa e poder político, entre poder econômico e imprensa é tão intensa, tão explícita, que chega a parecer normal. Mas Mosquito não achava normal a hipocrisia, a falta de escrúpulos, a corrupção, a impunidade e este monopólio criminoso.
Ameaças e retaliações
Um dos grandes legados deixado pelo blogueiro foi ter escancarado a falência do jornalismo “sério” da grande mídia. A audiência de seu blog provinha, essencialmente, da quantidade de informação de interesse público que ele dava com exclusividade. Interesse público, compromisso social, é um negócio completamente fora de moda no jornalismo praticado pela grande mídia.
Ouvi alguns jornalistas, todos desta imprensa “séria”, lamentando a morte, mas dizendo: “o que ele fazia não era jornalismo”. Tudo bem, mas qual nome se dá ao trabalho realizado por esses jornalistas sérios e responsáveis?
No seu último post, escrito sete dias antes da sua morte, ele disse: “Não tenho mais como enfrentar as ameaças e retaliações. É sensato dar um tempo”. Ele estava acuado. Assumiu, sozinho, uma briga que deveria ser coletiva.
Com esta morte trágica, os corruptos de todas as espécies e de todos os poderes podem estar se sentindo mais aliviados, mas não esqueçam que ele, o Mosquito, – mesmo involuntariamente – assentou vários tijolinhos ao longo de sua militância e desses tijolinhos, quem sabe, um dia, se construa uma imprensa mais indignada, menos hipócrita e mais comprometida com os interesses da maioria da população.
***
Fernando Evangelista é jornalista, colunista do Nota de Rodapé
Reproduzido do blog Nota de Rodapé
O REVEILLON DAS TOGAS ILUMINADAS
Se 2011 entrou para a história carimbado com o nome de Dilma Rousseff, o ano seguinte, 2012, deverá repetir a dose com outra mulher, Eliana Calmon Alves. De qualquer forma, o cidadão brasileiro já garantiu sua quota na magnífica prenda de Natal oferecida pelo imbróglio entre a destemida corregedora nacional de Justiça e as entidades que representam os magistrados.
A bateria de holofotes acesa pela juíza desde setembro, quando assumiu o cargo, é tão luminosa e promissora como a galáxia de esperanças acesa pelos fogos de artifício nos festejos do início de cada ano novo. Pela primeira vez em seus 511 anos de história e 189 de vida institucional, a nação brasileira tem a oportunidade de assistir à espetacular tomografia do edifício de privilégios e regalias no qual vivemos, construído em grande parte com a argamassa da injustiça.
Observação crítica
O confronto de Eliana Calmon com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) transcende às questões clássicas identificadas por antropólogos e sociólogos do “sabe com quem está falando?” e “quem manda aqui sou eu”. Sua quixotesca investida é contra o corporativismo e o clientelismo que tanto desfiguram o conceito prevalecente do Estado de Direito.
A guerreira baiana não está apenas enfrentando o autoritarismo enrustido em instituições e entidades anquilosadas pelo tempo, está garantindo a produção e sobrevivência dos indispensáveis contrapoderes (caso do CNJ, Conselho Nacional de Justiça) sem os quais nossa democracia será formal, retórica e claudicante.
Sua desassombrada cruzada dirige-se na realidade contra um sistema de abafamentos e silêncios herdados da colonização ibérica e o surpreendente apoio que vem recebendo de setores expressivos da nossa imprensa recoloca esta imprensa em posições de vanguarda que há muito não frequenta.
Este talvez seja o grande mérito da polêmica acionada pela corregedora nacional de Justiça. Ao retirar da penumbra dos tribunais e do hermetismo das sentenças questões fundamentais da vivência democrática é possível alterá-las sem necessariamente recorrer a intervenções drásticas.
Em outras palavras: a mera observação – ou exposição – de um fenômeno constitui uma forma de atuar sobre ele. A humanidade só avança quando percebe que há avanços a fazer. A consumação do processo é consequente, natural, mesmo quando não imediata.
Para as retrospectivas
Eliana Calmon tirou o trombone da estante, tocou-o e, magicamente, do ruído fez-se a luz. Mesmo solitária, sua indignação espalhou-se porque ao examinar posturas e procedimentos de alguns magistrados, movimentou os desconfortos engolidos e tormentos camuflados na alma de milhões de brasileiros que o dia inteiro resmungam e remoem queixas contra a impunidade de malfeitores e prevaricadores.
As retrospectivas do ano não contemplaram a façanha da ouvidora das nossa mágoas, ombudsman do judiciário. Ainda há tempo.
Por Alberto Dines, 25/12/2011
Reproduzido do Diário de S.Paulo
A bateria de holofotes acesa pela juíza desde setembro, quando assumiu o cargo, é tão luminosa e promissora como a galáxia de esperanças acesa pelos fogos de artifício nos festejos do início de cada ano novo. Pela primeira vez em seus 511 anos de história e 189 de vida institucional, a nação brasileira tem a oportunidade de assistir à espetacular tomografia do edifício de privilégios e regalias no qual vivemos, construído em grande parte com a argamassa da injustiça.
Observação crítica
O confronto de Eliana Calmon com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) transcende às questões clássicas identificadas por antropólogos e sociólogos do “sabe com quem está falando?” e “quem manda aqui sou eu”. Sua quixotesca investida é contra o corporativismo e o clientelismo que tanto desfiguram o conceito prevalecente do Estado de Direito.
A guerreira baiana não está apenas enfrentando o autoritarismo enrustido em instituições e entidades anquilosadas pelo tempo, está garantindo a produção e sobrevivência dos indispensáveis contrapoderes (caso do CNJ, Conselho Nacional de Justiça) sem os quais nossa democracia será formal, retórica e claudicante.
Sua desassombrada cruzada dirige-se na realidade contra um sistema de abafamentos e silêncios herdados da colonização ibérica e o surpreendente apoio que vem recebendo de setores expressivos da nossa imprensa recoloca esta imprensa em posições de vanguarda que há muito não frequenta.
Este talvez seja o grande mérito da polêmica acionada pela corregedora nacional de Justiça. Ao retirar da penumbra dos tribunais e do hermetismo das sentenças questões fundamentais da vivência democrática é possível alterá-las sem necessariamente recorrer a intervenções drásticas.
Em outras palavras: a mera observação – ou exposição – de um fenômeno constitui uma forma de atuar sobre ele. A humanidade só avança quando percebe que há avanços a fazer. A consumação do processo é consequente, natural, mesmo quando não imediata.
Para as retrospectivas
Eliana Calmon tirou o trombone da estante, tocou-o e, magicamente, do ruído fez-se a luz. Mesmo solitária, sua indignação espalhou-se porque ao examinar posturas e procedimentos de alguns magistrados, movimentou os desconfortos engolidos e tormentos camuflados na alma de milhões de brasileiros que o dia inteiro resmungam e remoem queixas contra a impunidade de malfeitores e prevaricadores.
As retrospectivas do ano não contemplaram a façanha da ouvidora das nossa mágoas, ombudsman do judiciário. Ainda há tempo.
Por Alberto Dines, 25/12/2011
Reproduzido do Diário de S.Paulo
SUPREMO VÊ CRISE ATUAL COMO A MAIS GRAVE DO JUDICIÁRIO DESDE 1999
Provocado pelos magistrados, Supremo até agora se posicionou contra investigações nos tribunais e acabou se colocando no centro da polêmica que ameaça sua credibilidade
A crise do Judiciário brasileiro, escancarada na semana passada pela liminar do ministro Ricardo Lewandowski que paralisou as investigações da Corregedoria Nacional de Justiça, já é reconhecida nos bastidores desse Poder como uma das maiores da história, pelos efeitos que terá na vida do Supremo Tribunal Federal (STF). Estudiosos veem nela, também, um divisor de águas.
Ela expõe a magistratura, daqui para a frente, ao risco de consolidar a imagem de instituição avessa à transparência e defensora de privilégios.
Ministros do STF ouvidos pelo Estado dizem não se lembrar de uma situação tão grave desde a instalação da CPI do Judiciário, em 1999. Mas agora há também suspeitas pairando sobre integrantes do Supremo, que teriam recebido altas quantias por atrasados.
“Pode-se dizer que chegamos a um ponto de ruptura, porque muitos no Supremo se sentem incomodados”, resume o jurista Carlos Ari Sundfeld.
Na outra ponta do cabo de guerra em que se transformou o Judiciário, Eliana Calmon, a corregedora nacional de Justiça, resume o cenário: “Meu trabalho é importante porque estou certa de que é a partir da transparência que vamos ser mais respeitados pelo povo.”
O que tirou do sossego o Poder Judiciário foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de mexer na “caixa preta” dos tribunais, ao inspecionar as folhas de pagamento e declarações de bens de juízes, em especial os de São Paulo.
A forte reação dos investigados leva o advogado e professor de Direito Constitucional Luiz Tarcísio Ferreira, da PUC-SP, a perguntar:
“Se há uma rigorosa vigilância da sociedade sobre o Executivo e o Legislativo, por que o Judiciário ficaria fora disso? Se esse Poder nada deve, o que estaria temendo?” Ferreira arremata:
“Os juízes sabem que quem paga os seus salários é o povo.”
Interpretações. O ponto nervoso do episódio, para o jurista Carlos Sundfeld, são as vantagens remuneratórias desses magistrados.
“Antes do CNJ, esse assunto sempre ficou a cargo dos tribunais e eles foram construindo suas interpretações da lei. Montou-se então um sistema vulnerável. A atual rebelião nasce dessas circunstâncias - o medo dos juízes, que são conscientes dessa vulnerabilidade.”
Ao longo da semana, a temperatura da crise cresceu com novos episódios, como a concessão de liminares para suspender investigações do CNJ e a revelação de que ministros do STF poderiam estar entre os investigados por supostamente terem recebido altos valores relativos a passivos trabalhistas.
Um duelo de notas de ministros e associações de juízes se seguiu e integrantes do Supremo se dividiram entre o CNJ e seus críticos.
Integrantes e ex-integrantes do CNJ observaram que esse tipo de inspeção do Judiciário não é novidade, mas ganhou intensidade porque desta vez está voltada para o maior e mais poderoso Tribunal de Justiça do País, o de São Paulo.
Dizendo-se indignada “em relação às matérias jornalísticas” que implicavam o ministro Lewandowski, a Associação Paulista de Magistrados contra-atacou no ato, avisando: “A direção do TJ-SP franqueou à equipe do CNJ todas as informações pertinentes”.
Eliana Calmon ressalva que o temor de muitos magistrados pode resultar de um desconhecimento da situação.
“O Judiciário, como um todo, desconhece a gravidade da situação (de corrupção).
Quem conhece?
A corregedoria, porque a ela são encaminhados todos os males.
Tanto que os corregedores (locais) estão, em sua grande maioria, ao meu lado e sabem que existem denúncias muito graves. A magistratura desconhece. Por quê? Porque a gente não fala. As investigações são todas sigilosas.”
Maior tribunal do País, TJ-SP sempre foi desafio do CNJ
Com mais de 60% dos processos da Justiça brasileira, mais de 45 mil servidores e dois mil juízes, segundo números divulgados pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, o tribunal de São Paulo era tido no CNJ como um desafio já em administrações anteriores, quando o presidente do órgão não era Cezar Peluso, ex-integrante do TJ paulista.
“As investigações patrimoniais começaram na época do ministro Dipp (Gilson Dipp, ex-corregedor) e o problema só surgiu quando chegou a São Paulo”, resumiu Eliana Calmon na quinta-feira.
Segundo ela, o mesmo trabalho foi realizado em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Amapá sem que houvesse estardalhaço.
“As inspeções são uma rotina”, acrescentou um ex-integrante do CNJ.
A inspeção do CNJ em São Paulo começou após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter informado a existência de 150 transações atípicas, superiores a R$ 250 mil anuais. / M.G
Mariângela Galluci, BRASÍLIA,
Gabriel Manzano e Lucas de Abreu Maia, SÃO PAULO
A crise do Judiciário brasileiro, escancarada na semana passada pela liminar do ministro Ricardo Lewandowski que paralisou as investigações da Corregedoria Nacional de Justiça, já é reconhecida nos bastidores desse Poder como uma das maiores da história, pelos efeitos que terá na vida do Supremo Tribunal Federal (STF). Estudiosos veem nela, também, um divisor de águas.
Ela expõe a magistratura, daqui para a frente, ao risco de consolidar a imagem de instituição avessa à transparência e defensora de privilégios.
Ministros do STF ouvidos pelo Estado dizem não se lembrar de uma situação tão grave desde a instalação da CPI do Judiciário, em 1999. Mas agora há também suspeitas pairando sobre integrantes do Supremo, que teriam recebido altas quantias por atrasados.
“Pode-se dizer que chegamos a um ponto de ruptura, porque muitos no Supremo se sentem incomodados”, resume o jurista Carlos Ari Sundfeld.
Na outra ponta do cabo de guerra em que se transformou o Judiciário, Eliana Calmon, a corregedora nacional de Justiça, resume o cenário: “Meu trabalho é importante porque estou certa de que é a partir da transparência que vamos ser mais respeitados pelo povo.”
O que tirou do sossego o Poder Judiciário foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de mexer na “caixa preta” dos tribunais, ao inspecionar as folhas de pagamento e declarações de bens de juízes, em especial os de São Paulo.
A forte reação dos investigados leva o advogado e professor de Direito Constitucional Luiz Tarcísio Ferreira, da PUC-SP, a perguntar:
“Se há uma rigorosa vigilância da sociedade sobre o Executivo e o Legislativo, por que o Judiciário ficaria fora disso? Se esse Poder nada deve, o que estaria temendo?” Ferreira arremata:
“Os juízes sabem que quem paga os seus salários é o povo.”
Interpretações. O ponto nervoso do episódio, para o jurista Carlos Sundfeld, são as vantagens remuneratórias desses magistrados.
“Antes do CNJ, esse assunto sempre ficou a cargo dos tribunais e eles foram construindo suas interpretações da lei. Montou-se então um sistema vulnerável. A atual rebelião nasce dessas circunstâncias - o medo dos juízes, que são conscientes dessa vulnerabilidade.”
Ao longo da semana, a temperatura da crise cresceu com novos episódios, como a concessão de liminares para suspender investigações do CNJ e a revelação de que ministros do STF poderiam estar entre os investigados por supostamente terem recebido altos valores relativos a passivos trabalhistas.
Um duelo de notas de ministros e associações de juízes se seguiu e integrantes do Supremo se dividiram entre o CNJ e seus críticos.
Integrantes e ex-integrantes do CNJ observaram que esse tipo de inspeção do Judiciário não é novidade, mas ganhou intensidade porque desta vez está voltada para o maior e mais poderoso Tribunal de Justiça do País, o de São Paulo.
Dizendo-se indignada “em relação às matérias jornalísticas” que implicavam o ministro Lewandowski, a Associação Paulista de Magistrados contra-atacou no ato, avisando: “A direção do TJ-SP franqueou à equipe do CNJ todas as informações pertinentes”.
Eliana Calmon ressalva que o temor de muitos magistrados pode resultar de um desconhecimento da situação.
“O Judiciário, como um todo, desconhece a gravidade da situação (de corrupção).
Quem conhece?
A corregedoria, porque a ela são encaminhados todos os males.
Tanto que os corregedores (locais) estão, em sua grande maioria, ao meu lado e sabem que existem denúncias muito graves. A magistratura desconhece. Por quê? Porque a gente não fala. As investigações são todas sigilosas.”
Maior tribunal do País, TJ-SP sempre foi desafio do CNJ
Com mais de 60% dos processos da Justiça brasileira, mais de 45 mil servidores e dois mil juízes, segundo números divulgados pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, o tribunal de São Paulo era tido no CNJ como um desafio já em administrações anteriores, quando o presidente do órgão não era Cezar Peluso, ex-integrante do TJ paulista.
“As investigações patrimoniais começaram na época do ministro Dipp (Gilson Dipp, ex-corregedor) e o problema só surgiu quando chegou a São Paulo”, resumiu Eliana Calmon na quinta-feira.
Segundo ela, o mesmo trabalho foi realizado em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Amapá sem que houvesse estardalhaço.
“As inspeções são uma rotina”, acrescentou um ex-integrante do CNJ.
A inspeção do CNJ em São Paulo começou após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter informado a existência de 150 transações atípicas, superiores a R$ 250 mil anuais. / M.G
Mariângela Galluci, BRASÍLIA,
Gabriel Manzano e Lucas de Abreu Maia, SÃO PAULO
STF TIRA DE REGISTRO PROCESSOS CONTRA AUTORIDADES DESDE 1990
O Supremo Tribunal Federal (STF) apagou de seus registros de processos 89 das cerca de 330 ações penais propostas contra autoridades desde 1990.
O expurgo no sistema de acompanhamento processual foi determinado pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso, sob a justificativa de impedir a violação da intimidade dos réus.
Foram retirados casos que deram em absolvição; ações que demoraram a ir a julgamento e o crime prescreveu; e até ações que foram remetidas a outras instâncias do Judiciário porque o réu perdeu o direito a foro privilegiado.
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Para descobrir a lacuna, O GLOBO fez um levantamento de todas as ações penais abertas de 1990 até dezembro deste ano. Alguns números que identificam os processos não apareciam.
São casos que já passaram pela Corte. As ações que ainda tramitam no Supremo permanecem disponíveis para consulta.
Esta não é primeira restrição imposta na gestão de Peluso. Ele já implantou a regra de só identificar pelas iniciais os investigados em inquéritos no STF. No caso das ações penais, adotou uma nova interpretação da resolução 356, editada ainda na gestão da ministra Ellen Gracie na presidência da Corte.
A resolução criou regras para emissão de certidões de antecedentes e informações eletrônicas do STF. Pela norma, uma pessoa que já foi absolvida, teve o inquérito contra si arquivado ou a ação penal trancada, ou ainda foi condenada apenas a pagamento de multa, tem direito a uma certidão de "nada consta" do STF.
A partir de julho de 2010, depois de analisar e atender a um pedido administrativo para retirar do site um inquérito já arquivado, o STF passou a adotar o entendimento para os demais processos criminais.
Ou seja, o "nada consta" das certidões, previsto na resolução 356, passou a valer como um "nada a constar" no site da Corte. Sequer o número do processo aparece no sistema público de acompanhamento do STF.
Com isso, não é mais possível procurar a ação no sistema onde são informados os nome dos réus e toda a tramitação da ação até a última decisão proferida pela Corte. Todos são processos públicos.
A lista dos casos retirados foi enviada ao STF pelo GLOBO, indagando os motivos do sumiço. Após a consulta, a assessoria de imprensa do STF reconheceu que, em função de um erro de interpretação da resolução 356, parte das ações tinha sido excluída indevidamente.
Tribunal alega evitar violação de intimidade
Após o Supremo Tribunal Federal (STF) receber do GLOBO a lista da ações desaparecidas, e admitir que houve erro de interpretação da resolução, 31 das 89 ações expurgadas voltaram a aparecer no site do tribunal para consulta.
A maioria era de ações que deixaram de tramitar no STF porque o acusado não era mais ocupante do cargo público que tinha dado direito ao foro privilegiado. Outras tinham sido novamente autuadas como inquérito.
Mas 58 ações penais continuam sem constar no sistema de registro de processos do STF. A assessoria de imprensa do tribunal informou que elas não aparecem justamente por conta da interpretação que foi feita da resolução 356.
"Não é razoável que as consultas por meio eletrônico revelem dados que nem sequer por certidão se poderia obter. Haveria, de outro modo, violação à intimidade. Como se vê, a impossibilidade de visualização de processos na internet, nesses casos, decorre de interpretação lógica, pois não há sentido em que sejam disponibilizados dados que o STF não está autorizado a fornecer oficialmente, porque não passíveis de valoração jurídica", informou a assessoria, em resposta a perguntas enviadas pelo jornal.
- Lutamos por transparência e o Supremo vai na contramão. Assim fica mais difícil exercer o controle social - contestou Jovita Rosa, uma das dirigentes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que idealizou a Lei da Ficha Limpa.
Ação contra deputado permanece de fora
Para Jovita, esses processos envolvem pessoas públicas e, portanto, o registro deles não pode ser suprimido. A direção do STF alega que pessoas inocentadas poderiam ser prejudicadas pelo uso indevido da informação de que já foram processadas.
Na lista dos casos que permanecem de fora está, por exemplo, a AP 527. Motivo: o réu, um deputado federal, foi absolvido e o registro desta ação não é mais passível de consulta pública pelo sistema de acompanhamento processual.
Na presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - instância à qual o STF não está subordinado -, Cezar Peluso editou no ano passado uma outra resolução, a 121, que estabelece regra diferente.
Processos que deram em absolvição devem, sim, estar disponíveis para consulta pública. Mas essa consulta só pode ser feita pelo número da ação.
No caso da AP 527, nem isso é possível.
A assessoria do STF informou que Peluso pretende discutir com os demais ministros uma adequação entre as resoluções do CNJ e do Supremo, e que as duas instâncias são colegiados diferentes, com atribuições diferentes.
O Globo
ELIANA CALMON: UMA MINISTRA DE VERDADE!!!
Criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, o CNJ é um órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília/DF e atuação em todo o território nacional, que visa, mediante ações de planejamento, à coordenação, ao controle administrativo e ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça.
O texto acima está na página principal do portal do CNJ.
Em outras palavras o CNJ foi criado para fiscalizar e dar transparência na justiça brasileira e por consequencia dar lisura aos atos praticados pela magistratura.
Bem, entre todas as sandices que o EX presidente o enfermo Defuntus Sebentus vomitava durante as inúmeras campanhas eleitorais em que esteve envolvido até chegar ao poder, uma delas era que o Brasil precisava ter o controle externo do judiciário.
O Sebento ainda candidato acreditava que o judiciário brasileiro tinha liberdades demais e controles de menos. Bateu nesse tema por alguns anos até ser eleito. Após a sua eleição levou em banho maria e acabou criando o CNJ, que não é um controle externo do judiciário, mas já é alguma coisa.
Mas a sanha pelo poder e pela roubalheira e bandalheira desenfreada desenvolvida pelas Ratazanas Vermelhas nos últimos 9 anos obrigou o EX presidente a aparelhar o STF com a única função de que o supremo se tornasse o braço legal da bandalheira promovida pelas Ratazanas.
E o resultado ai está. O STF é inerte quando tem que punir algum "cumpanhêru" e vota nos casos como o do Cesare Battisti de acordo com os interesses ideológicos dos que estão no poder. Entre outras coisas.
Agora apareceu uma juíza do CNJ que deve estar de saco cheio de ver a bandalheira corroendo nosso país e resolveu botar para quebrar. Mexeu no vespeiro que são os privilégios da CASTA da magistratura brasileira, expôs alguns magistrados à opinião pública, mostrou ao mundo que no Brasil de hoje nem a justiça é séria.
Conseguiu abalar as estruturas do corporativismo mambembe que só dá privilégios aos senhores da toga e mostrou que em muitos casos tem juiz que é mais bandido do que os que ele coloca na cadeia.
Agora estamos vendo uma queda de braço entre as instituições corroídas pela bandalheira e pelo corporativismo contra a transparência e honestidade no judiciário brasileiro. Certo que algumas associações de juízes e muitos juristas e até juízes realmente honestos e comprometidos coma justiça estão apoiando os movimentos da ministra Calmon.
Só que uma parcela da magistratura, os que realmente tem alguns rabos a esconder e a imensa maioria dos espertalhões da toga que não querem perder os privilégios absurdos que conseguiram durante as décadas da falta de tudo neste país, estão gritando mais que criança com fome.
E é essa camarilha que irá arrebentar com a Eliana Calmon. Justamente por ela ter tido culhões em mostrar a bandalheira e a safadeza que acontecem nos gabinetes do judiciário brasileiro e pelo corporativismo a que estão entregues a grande maioria dos magistrados.
E é pela falta de apoio da população e da opinião pública, fazendo com que a ministra continue seu trabalho pelo bem da justiça brasileira, é que ela irá acabar perdendo essa guerra e consequentemente mantendo o povo nas mãos de uma justiça inoperante, cara e imoralmente demorada, onde nem sempre o que é legal é moral e onde o aparelhamento irá prostrar ainda mais o povo brasileiro diante dos poderosos.
Ela mexeu com o podre da magistratura e não conta com o apoio da grande massa ignóbil do país que nem sabe o que está acontecendo. E os brasileiros pensantes e honestos da pocilga são tão poucos que por mais pressão que façam não conseguirão fazer com que a ministra continue seu trabalho e é liquido e certo que ela irá levar um sonoro cala boca, irá perder prestígio, será execrada e desacreditada, acusada injustamente, e acabará sendo exonerada do cargo a bem do DESserviço público.
É esperar para ver.
E a justiça irá continuar cara, sofrível, com julgamentos duvidosos, servindo de apoio aos poderosos, e punindo sempre os três "Ps".
E o povo....
O MASCATE
O texto acima está na página principal do portal do CNJ.
Em outras palavras o CNJ foi criado para fiscalizar e dar transparência na justiça brasileira e por consequencia dar lisura aos atos praticados pela magistratura.
Bem, entre todas as sandices que o EX presidente o enfermo Defuntus Sebentus vomitava durante as inúmeras campanhas eleitorais em que esteve envolvido até chegar ao poder, uma delas era que o Brasil precisava ter o controle externo do judiciário.
O Sebento ainda candidato acreditava que o judiciário brasileiro tinha liberdades demais e controles de menos. Bateu nesse tema por alguns anos até ser eleito. Após a sua eleição levou em banho maria e acabou criando o CNJ, que não é um controle externo do judiciário, mas já é alguma coisa.
Mas a sanha pelo poder e pela roubalheira e bandalheira desenfreada desenvolvida pelas Ratazanas Vermelhas nos últimos 9 anos obrigou o EX presidente a aparelhar o STF com a única função de que o supremo se tornasse o braço legal da bandalheira promovida pelas Ratazanas.
E o resultado ai está. O STF é inerte quando tem que punir algum "cumpanhêru" e vota nos casos como o do Cesare Battisti de acordo com os interesses ideológicos dos que estão no poder. Entre outras coisas.
Agora apareceu uma juíza do CNJ que deve estar de saco cheio de ver a bandalheira corroendo nosso país e resolveu botar para quebrar. Mexeu no vespeiro que são os privilégios da CASTA da magistratura brasileira, expôs alguns magistrados à opinião pública, mostrou ao mundo que no Brasil de hoje nem a justiça é séria.
Conseguiu abalar as estruturas do corporativismo mambembe que só dá privilégios aos senhores da toga e mostrou que em muitos casos tem juiz que é mais bandido do que os que ele coloca na cadeia.
Agora estamos vendo uma queda de braço entre as instituições corroídas pela bandalheira e pelo corporativismo contra a transparência e honestidade no judiciário brasileiro. Certo que algumas associações de juízes e muitos juristas e até juízes realmente honestos e comprometidos coma justiça estão apoiando os movimentos da ministra Calmon.
Só que uma parcela da magistratura, os que realmente tem alguns rabos a esconder e a imensa maioria dos espertalhões da toga que não querem perder os privilégios absurdos que conseguiram durante as décadas da falta de tudo neste país, estão gritando mais que criança com fome.
E é essa camarilha que irá arrebentar com a Eliana Calmon. Justamente por ela ter tido culhões em mostrar a bandalheira e a safadeza que acontecem nos gabinetes do judiciário brasileiro e pelo corporativismo a que estão entregues a grande maioria dos magistrados.
E é pela falta de apoio da população e da opinião pública, fazendo com que a ministra continue seu trabalho pelo bem da justiça brasileira, é que ela irá acabar perdendo essa guerra e consequentemente mantendo o povo nas mãos de uma justiça inoperante, cara e imoralmente demorada, onde nem sempre o que é legal é moral e onde o aparelhamento irá prostrar ainda mais o povo brasileiro diante dos poderosos.
Ela mexeu com o podre da magistratura e não conta com o apoio da grande massa ignóbil do país que nem sabe o que está acontecendo. E os brasileiros pensantes e honestos da pocilga são tão poucos que por mais pressão que façam não conseguirão fazer com que a ministra continue seu trabalho e é liquido e certo que ela irá levar um sonoro cala boca, irá perder prestígio, será execrada e desacreditada, acusada injustamente, e acabará sendo exonerada do cargo a bem do DESserviço público.
É esperar para ver.
E a justiça irá continuar cara, sofrível, com julgamentos duvidosos, servindo de apoio aos poderosos, e punindo sempre os três "Ps".
E o povo....
O MASCATE
GOVERNO CAMISINHA...
SEM SURPRESAS! NA "GESTÃO" DA 'NADA E COISA NENHUMA':
O GOVERNO "CAMISINHA" E UM ANO PARA SER ESQUECIDO.
A camisinha permite inflação,
impede produção,
destrói a próxima geração,
protege um bando de porras
e ainda transmite um sentimento de segurança...
Enquanto, na verdade, alguém está sendo f*dido !!!
*********
O governo Dilma Rousseff é absolutamente previsível.
Não passa um mês sem uma crise no ministério. Dilma obteve um triste feito:
é a administração que mais colecionou denúncias de corrupção no seu primeiro ano de gestão.
Passou semanas e semanas escondendo os "malfeitos" dos seus ministros.
Perdeu um tempo precioso tentado a todo custo sustentar no governo os acusados de corrupção.
Nunca tomou a iniciativa de apurar um escândalo - e foram tantos. Muito menos de demitir imediatamente um ministro corrupto. Pelo contrário, defendeu o quanto pôde os acusados e só demitiu quando não era mais possível mantê-los nos cargos.
A história - até o momento - não deve reservar à presidente Dilma um bom lugar. É um governo anódino, sem identidade própria, que sempre anuncia que vai, finalmente, iniciar, para logo esquecer a promessa.
Não há registro de nenhuma realização administrativa de monta.
Desde d. Pedro I, é possível afirmar, sem medo de errar, que formou um dos piores ministérios da história. O leitor teria coragem de discutir algum assunto de energia com o ministro Lobão?
É um governo sem agenda. Administra o varejo. Vê o futuro do Brasil, no máximo, até o mês seguinte. Não consegue planejar nada, mesmo tendo um Ministério do Planejamento e uma Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Inexiste uma política industrial. Ignora que o agronegócio dá demostrações evidentes de que o modelo montado nos últimos 20 anos precisa ser remodelado. Proclama que a crise internacional não atingirá o Brasil.
Em suma:
é um governo sem ideias, irresponsável e que não pensa. Ou melhor, tem um só pensamento: manter-se, a qualquer custo, indefinidamente no poder.
Até agora, o crescimento econômico, mesmo com taxas muito inferiores às nossas possibilidades, deu ao governo apoio popular. Contudo, esse ciclo está terminando. Basta ver os péssimos resultados do último trimestre.
Na inexistência de um projeto para o País, a solução foi a adoção de medidas pontuais que só devem agravar, no futuro, os problemas econômicos.
Em outras palavras:
o governo (entenda-se, as presidências Lula-Dilma) não soube aproveitar os ventos favoráveis da economia internacional e realizar as reformas e os investimentos necessários para uma nova etapa de crescimento.
Se a economia não vai bem, a política vai ainda pior. Excetuando o esforço solitário de alguns deputados e senadores - não mais que uma dúzia -, o governo age como se o Congresso fosse uma extensão do Palácio do Planalto.
Aprova o que quer.
Desde projetos de pouca relevância, até questões importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A maioria congressual age como no regime militar. A base governamental é uma versão moderna da Arena. Não é acidental que, hoje, a figura mais expressiva é o senador José Sarney, o mesmo que presidiu o partido do regime militar.
Nenhuma discussão relevante prospera no Parlamento. As grandes questões nacionais, a crise econômica internacional, o papel do Brasil no mundo. Nada. Silêncio absoluto no plenário e nas comissões.
A desmoralização do Congresso chegou ao ponto de não podermos sequer confiar nas atas das suas reuniões. Daqui a meio século, um historiador, ao consultar a documentação sobre a sessão do último dia 6, lá não encontrará a altercação entre os senadores José Sarney e Demóstenes Torres.
Tudo porque Sarney determinou, sem consultar nenhum dos seus pares, que a expressão "torpe" fosse retirada dos anais. Ou seja, alterou a ata como mudou o seu próprio nome, sem nenhum pudor. Desta forma, naquela Casa, até as atas são falsas.
Para demonstrar o alheamento do Congresso dos temas nacionais, basta recordar as recentes reportagens do Estadão sobre a paralisação das obras da transposição das águas do Rio São Francisco. O Nordeste tem 27 senadores e mais de uma centena de deputados federais.
Nenhum deles, antes das reportagens, tinha denunciado o abandono e o desperdício de milhões de reais. Inclusive o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, que representa o Estado de Pernambuco. Guerra, presumo, deve estar preocupado com questões mais importantes. Quais?
Falando em oposição, vale destacar o PSDB. Governou o Brasil por oito anos vencendo por duas vezes a eleição presidencial no primeiro turno.
Nas últimas três eleições chegou ao segundo turno. Hoje governa importantes Estados. Porém, o partido inexiste. Inexiste como partido, no sentido moderno. O PSDB é um agrupamento, quase um ajuntamento. Não se sabe o que pensa sobre absolutamente nada.
Um ou outro líder emite uma opinião crítica - mas não é secundado pelos companheiros. Bem, chamar de companheiros é um tremendo exagero. Mas, deixando de lado a pequena política, o que interessa é que o partido passou o ano inteiro sem ter uma oposição firme, clara, propositiva sobre os rumos do Brasil.
E não pode ser dito que o governo Dilma tenha obtido tal êxito, que não deixou espaço para a ação oposicionista. Muito pelo contrário.
A paralisia do PSDB é de tal ordem que o Conselho Político - que deveria pautar o partido no debate nacional - simplesmente sumiu. Ninguém sabe onde está.
Fez uma reunião e ponto final.
Morreu. Alguém reclamou?
A grande realização da direção nacional foi organizar um seminário sobre economia num hotel cinco estrelas do Rio de Janeiro, algo bem popular, diga-se.
E de um dia. Afinal, discutir as alternativas para o nosso país deve ser algo muito cansativo.
Para o Brasil, 2011 é um ano para ser esquecido. Foi marcado pela irrelevância no debate dos grandes temas, pela desmoralização das instituições republicanas e por uma absoluta incapacidade governamental para gerir o presente, pensar e construir o futuro do País.
Um ano para ser esquecido
Marco Antônio Villa - O Estado de S.Paulo
Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar)
O GOVERNO "CAMISINHA" E UM ANO PARA SER ESQUECIDO.
A camisinha permite inflação,
impede produção,
destrói a próxima geração,
protege um bando de porras
e ainda transmite um sentimento de segurança...
Enquanto, na verdade, alguém está sendo f*dido !!!
*********
O governo Dilma Rousseff é absolutamente previsível.
Não passa um mês sem uma crise no ministério. Dilma obteve um triste feito:
é a administração que mais colecionou denúncias de corrupção no seu primeiro ano de gestão.
Passou semanas e semanas escondendo os "malfeitos" dos seus ministros.
Perdeu um tempo precioso tentado a todo custo sustentar no governo os acusados de corrupção.
Nunca tomou a iniciativa de apurar um escândalo - e foram tantos. Muito menos de demitir imediatamente um ministro corrupto. Pelo contrário, defendeu o quanto pôde os acusados e só demitiu quando não era mais possível mantê-los nos cargos.
A história - até o momento - não deve reservar à presidente Dilma um bom lugar. É um governo anódino, sem identidade própria, que sempre anuncia que vai, finalmente, iniciar, para logo esquecer a promessa.
Não há registro de nenhuma realização administrativa de monta.
Desde d. Pedro I, é possível afirmar, sem medo de errar, que formou um dos piores ministérios da história. O leitor teria coragem de discutir algum assunto de energia com o ministro Lobão?
É um governo sem agenda. Administra o varejo. Vê o futuro do Brasil, no máximo, até o mês seguinte. Não consegue planejar nada, mesmo tendo um Ministério do Planejamento e uma Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Inexiste uma política industrial. Ignora que o agronegócio dá demostrações evidentes de que o modelo montado nos últimos 20 anos precisa ser remodelado. Proclama que a crise internacional não atingirá o Brasil.
Em suma:
é um governo sem ideias, irresponsável e que não pensa. Ou melhor, tem um só pensamento: manter-se, a qualquer custo, indefinidamente no poder.
Até agora, o crescimento econômico, mesmo com taxas muito inferiores às nossas possibilidades, deu ao governo apoio popular. Contudo, esse ciclo está terminando. Basta ver os péssimos resultados do último trimestre.
Na inexistência de um projeto para o País, a solução foi a adoção de medidas pontuais que só devem agravar, no futuro, os problemas econômicos.
Em outras palavras:
o governo (entenda-se, as presidências Lula-Dilma) não soube aproveitar os ventos favoráveis da economia internacional e realizar as reformas e os investimentos necessários para uma nova etapa de crescimento.
Se a economia não vai bem, a política vai ainda pior. Excetuando o esforço solitário de alguns deputados e senadores - não mais que uma dúzia -, o governo age como se o Congresso fosse uma extensão do Palácio do Planalto.
Aprova o que quer.
Desde projetos de pouca relevância, até questões importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A maioria congressual age como no regime militar. A base governamental é uma versão moderna da Arena. Não é acidental que, hoje, a figura mais expressiva é o senador José Sarney, o mesmo que presidiu o partido do regime militar.
Nenhuma discussão relevante prospera no Parlamento. As grandes questões nacionais, a crise econômica internacional, o papel do Brasil no mundo. Nada. Silêncio absoluto no plenário e nas comissões.
A desmoralização do Congresso chegou ao ponto de não podermos sequer confiar nas atas das suas reuniões. Daqui a meio século, um historiador, ao consultar a documentação sobre a sessão do último dia 6, lá não encontrará a altercação entre os senadores José Sarney e Demóstenes Torres.
Tudo porque Sarney determinou, sem consultar nenhum dos seus pares, que a expressão "torpe" fosse retirada dos anais. Ou seja, alterou a ata como mudou o seu próprio nome, sem nenhum pudor. Desta forma, naquela Casa, até as atas são falsas.
Para demonstrar o alheamento do Congresso dos temas nacionais, basta recordar as recentes reportagens do Estadão sobre a paralisação das obras da transposição das águas do Rio São Francisco. O Nordeste tem 27 senadores e mais de uma centena de deputados federais.
Nenhum deles, antes das reportagens, tinha denunciado o abandono e o desperdício de milhões de reais. Inclusive o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, que representa o Estado de Pernambuco. Guerra, presumo, deve estar preocupado com questões mais importantes. Quais?
Falando em oposição, vale destacar o PSDB. Governou o Brasil por oito anos vencendo por duas vezes a eleição presidencial no primeiro turno.
Nas últimas três eleições chegou ao segundo turno. Hoje governa importantes Estados. Porém, o partido inexiste. Inexiste como partido, no sentido moderno. O PSDB é um agrupamento, quase um ajuntamento. Não se sabe o que pensa sobre absolutamente nada.
Um ou outro líder emite uma opinião crítica - mas não é secundado pelos companheiros. Bem, chamar de companheiros é um tremendo exagero. Mas, deixando de lado a pequena política, o que interessa é que o partido passou o ano inteiro sem ter uma oposição firme, clara, propositiva sobre os rumos do Brasil.
E não pode ser dito que o governo Dilma tenha obtido tal êxito, que não deixou espaço para a ação oposicionista. Muito pelo contrário.
A paralisia do PSDB é de tal ordem que o Conselho Político - que deveria pautar o partido no debate nacional - simplesmente sumiu. Ninguém sabe onde está.
Fez uma reunião e ponto final.
Morreu. Alguém reclamou?
A grande realização da direção nacional foi organizar um seminário sobre economia num hotel cinco estrelas do Rio de Janeiro, algo bem popular, diga-se.
E de um dia. Afinal, discutir as alternativas para o nosso país deve ser algo muito cansativo.
Para o Brasil, 2011 é um ano para ser esquecido. Foi marcado pela irrelevância no debate dos grandes temas, pela desmoralização das instituições republicanas e por uma absoluta incapacidade governamental para gerir o presente, pensar e construir o futuro do País.
Um ano para ser esquecido
Marco Antônio Villa - O Estado de S.Paulo
Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar)
JUÍZES DEFENDEM CORREGEDORA DO CNJ E EXPÕEM RACHA DE CATEGORIA
Um grupo de juízes federais começou a coletar ontem assinaturas para um manifesto público condenando as críticas feitas pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) à atuação da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.
"Entendemos que a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistatura federal. Em princípio, os juízes federais não são contrários a investigações, promovidas pela corregedora.
Se eventual abuso investigatório ocorrer é questão a ser analisada concretamente", afirma o manifesto, para realçar que "não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da corregedoria".
STJ também pagou benefício investigado por conselho
Corregedora do CNJ reclama de corporativismo de associações
Varredura em 217 mil nomes motivou guerra no Judiciário
Em nota, ministro do STF nega ter sido beneficiado por decisão
Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção
Adriano Vizoni - 17.out.2011/Folhapress
No auditório da Folha, Corregedora do CNJ, Eliana Calmon, durante debate sobre poder de investigação do conselho
A ideia surgiu em lista de discussão de magistrados federais na internet. Foi proposta pelo juiz federal Rogério Polezze, de São Paulo.
Ganhou adesões após a manifestação do juiz Sergio Moro, do Paraná, especializado em casos de lavagem de dinheiro, não convencido de que houve quebra de sigilo de 200 mil juízes.
"Não estou de acordo com as ações propostas no STF nem com as desastradas declarações e notas na imprensa", disse Moro. "É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra."
"Não me sinto representado pela Ajufe, apesar de filiado", afirmou o juiz federal Jeferson Schneider, do Paraná, em mensagem na lista de discussão dos juízes. Marcello Enes Figueira disse que "assinava em baixo do que afirmou o colega Sergio Moro".
O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), também aderiu, afirmando que "entregar" a ministra era um "absurdo" que a Ajufe cometia. "A atitude da Ajufe, em represália à ministra é inaceitável", diz o juiz Eduardo Cubas, de Goiás.
O juiz Roberto Wanderley Nogueira, de Pernambuco, criticou as manifestações das entidades. E disse que "a ministra não merece ser censurada, e tanto menos execrada pelos seus iguais, pois seu único pecado foi ser implacável contra a corrupção".
O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, atribuiu a iniciativa à proximidade das eleições para renovação da diretoria da Ajufe, em fevereiro. "É um número bastante pequeno, diante de 2.000 juízes federais", disse. "São manifestações democráticas e respeitamos o direito de crítica."
A Ajufe e outras duas associações de juízes entraram ontem com representação na Procuradoria-Geral da República contra Calmon, para que seja investigada sua conduta na investigação sobre pagamentos atípicos a magistrados e servidores.
Para os juízes, a ministra quebrou o sigilo fiscal dos investigados, ao pedir que os tribunais encaminhassem as declarações de imposto de renda dos juízes.
"Não se pode determinar ou promover a 'inspeção' das 'declarações de bens e valores' dessas pessoas, porque tais declarações são sigilosas e não poderiam ser objeto de qualquer exame por parte da corregedora nacional de Justiça", diz a representação.
Calmon não comentou a representação dos juízes. Anteontem, a ministra disse que os magistrados e servidores são obrigados a entregar aos tribunais todo ano a declaração de Imposto de Renda.
Segundo Calmon, os dados são entregues aos tribunais justamente para que a corregedoria tenha acesso, e não para "ficarem dentro de arquivos".
O objetivo da corregedora é cruzar as informações com levantamento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontou 3.438 juízes e servidores com movimentações atípicas.
A polêmica começou quando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski mandou parar a investigação no Tribunal de Justiça de São Paulo, primeiro alvo da corregedoria do CNJ.
Os juízes então passaram a acusar a ministra Eliana Calmon de quebrar o sigilo de todos os magistrados e servidores que foram alvo da varredura do Coaf, um total de mais 200 mil pessoas.
A ministra rebateu e disse que as acusações são uma maneira de tirar o foco da investigação do CNJ.
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO - Folha.com
FILIPE COUTINHO, DE BRASÍLIA
"Entendemos que a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistatura federal. Em princípio, os juízes federais não são contrários a investigações, promovidas pela corregedora.
Se eventual abuso investigatório ocorrer é questão a ser analisada concretamente", afirma o manifesto, para realçar que "não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da corregedoria".
STJ também pagou benefício investigado por conselho
Corregedora do CNJ reclama de corporativismo de associações
Varredura em 217 mil nomes motivou guerra no Judiciário
Em nota, ministro do STF nega ter sido beneficiado por decisão
Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção
Adriano Vizoni - 17.out.2011/Folhapress
No auditório da Folha, Corregedora do CNJ, Eliana Calmon, durante debate sobre poder de investigação do conselho
A ideia surgiu em lista de discussão de magistrados federais na internet. Foi proposta pelo juiz federal Rogério Polezze, de São Paulo.
Ganhou adesões após a manifestação do juiz Sergio Moro, do Paraná, especializado em casos de lavagem de dinheiro, não convencido de que houve quebra de sigilo de 200 mil juízes.
"Não estou de acordo com as ações propostas no STF nem com as desastradas declarações e notas na imprensa", disse Moro. "É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra."
"Não me sinto representado pela Ajufe, apesar de filiado", afirmou o juiz federal Jeferson Schneider, do Paraná, em mensagem na lista de discussão dos juízes. Marcello Enes Figueira disse que "assinava em baixo do que afirmou o colega Sergio Moro".
O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), também aderiu, afirmando que "entregar" a ministra era um "absurdo" que a Ajufe cometia. "A atitude da Ajufe, em represália à ministra é inaceitável", diz o juiz Eduardo Cubas, de Goiás.
O juiz Roberto Wanderley Nogueira, de Pernambuco, criticou as manifestações das entidades. E disse que "a ministra não merece ser censurada, e tanto menos execrada pelos seus iguais, pois seu único pecado foi ser implacável contra a corrupção".
O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, atribuiu a iniciativa à proximidade das eleições para renovação da diretoria da Ajufe, em fevereiro. "É um número bastante pequeno, diante de 2.000 juízes federais", disse. "São manifestações democráticas e respeitamos o direito de crítica."
A Ajufe e outras duas associações de juízes entraram ontem com representação na Procuradoria-Geral da República contra Calmon, para que seja investigada sua conduta na investigação sobre pagamentos atípicos a magistrados e servidores.
Para os juízes, a ministra quebrou o sigilo fiscal dos investigados, ao pedir que os tribunais encaminhassem as declarações de imposto de renda dos juízes.
"Não se pode determinar ou promover a 'inspeção' das 'declarações de bens e valores' dessas pessoas, porque tais declarações são sigilosas e não poderiam ser objeto de qualquer exame por parte da corregedora nacional de Justiça", diz a representação.
Calmon não comentou a representação dos juízes. Anteontem, a ministra disse que os magistrados e servidores são obrigados a entregar aos tribunais todo ano a declaração de Imposto de Renda.
Segundo Calmon, os dados são entregues aos tribunais justamente para que a corregedoria tenha acesso, e não para "ficarem dentro de arquivos".
O objetivo da corregedora é cruzar as informações com levantamento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontou 3.438 juízes e servidores com movimentações atípicas.
A polêmica começou quando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski mandou parar a investigação no Tribunal de Justiça de São Paulo, primeiro alvo da corregedoria do CNJ.
Os juízes então passaram a acusar a ministra Eliana Calmon de quebrar o sigilo de todos os magistrados e servidores que foram alvo da varredura do Coaf, um total de mais 200 mil pessoas.
A ministra rebateu e disse que as acusações são uma maneira de tirar o foco da investigação do CNJ.
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO - Folha.com
FILIPE COUTINHO, DE BRASÍLIA
SOBRE O ESTATUTO DA JUVENTUDE
O Senado Federal vai examinar no próximo ano o projeto do Estatuto da Juventude, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados.
A leitura do projeto deu-me a impressão de que estamos legislando sobre problemas que não existem, enquanto deixamos de discutir e de enfrentar as questões que realmente importam.
A proliferação desses estatutos baseados em identidades e que se destinam a criar direitos privativos a determinadas classes de cidadãos é, em minha opinião, um retrocesso republicano.
A República é um sistema que procura considerar as pessoas numa unidade geral, assegurando a todos o mesmo tratamento. Sempre que se decompõe esse todo em identidades particulares para a atribuição de direitos exclusivos estamos abrindo uma porta que talvez depois não saibamos como fechar.
A única exceção que se impõe é o tratamento especial para os mais pobres. Todas as demais são divisivas e desintegradoras.
Esse projeto em particular contém alguns equívocos. Vou me deter em apenas dois.
Considerar, como o projeto considera, que um homem ou mulher de até 29 anos é ainda um jovem a merecer proteção especial do Estado e da sociedade é uma ridícula extravagância.
Como para nossas redes de proteção os brasileiros a partir de 60 anos já são considerados idosos, apesar de todas as mudanças demográficas que estão em curso, os brasileiros entre 30 e 60 anos podem, com razão, se considerar uma categoria de excluídos.
Quanto mais particularizarmos a distribuição de benefícios legais, menos República seremos. Parece inesgotável nossa capacidade de imaginar e de declarar direitos, mas não podemos nos esquecer de que a vida republicana é um balanço entre direitos e deveres.
Um aspecto claramente equivocado, embora não o único, desse Estatuto é a determinação, por lei federal, do privilégio de meia-entrada para eventos artísticos e esportivos. Esse assunto só pode ser de competência local, do município onde se der o evento. Se até essas minúcias do cotidiano local passam para a esfera federal, já é hora de abolirmos a ficção de um Estado federal, onde mais nada é da competência de municípios e de Estados. Além disso, legislar sobre como companhias privadas e indivíduos podem cobrar ingressos sobre performances artísticas ou esportivas é uma invasão totalitária da esfera privada, uma completa confusão entre os domínios do indivíduo e do Estado.
Se desejamos continuar vivendo na liberdade da economia de mercado, não podemos tolerar que o Estado crie privilégios econômicos, sem pagar diretamente por eles. Um espetáculo teatral ou uma audiência musical são empreendimentos puramente privados, que envolvem riscos privados e são o resultado do trabalho de numerosas pessoas, a maioria das quais trabalhadores de renda média ou baixa, que extraem dessa atividade a renda e o salário para sustentar suas vidas. Que esse novo jovem de 27 ou 28 anos, geralmente de classe de renda alta, pois pobres não podem chegar a essa idade sem trabalhar, possa desfrutar do trabalho dessa comunidade de trabalhadores da arte e da cultura, pagando apenas a metade, é uma patética injustiça. Se a cultura, como é dito, é um direito básico e isso justifica a meia-entrada até para essa juventude tardia, o que se fará em relação a outros direitos muito mais básicos, como a alimentação, os medicamentos, o abrigo, a vestimenta e outros mais? Vamos criar o meio-preço também para essas utilidades? E o custo, vai recair sobre industriais e comerciantes?
Nunca devemos nos esquecer de que os êxitos brasileiros na cultura e nos esportes são fruto da iniciativa e do esforço individual de artistas e esportistas, e não o resultado de políticas governamentais decisivas. Vamos deixar que essas pessoas tão importantes para o país quanto os jovens recolham o benefício do seu talento e do seu trabalho. Se não pudermos fazer alguma coisa por eles, vamos deixá-los em paz, longe das lógicas sinuosas da política.
KÁTIA ABREU, 49, senadora (PSD-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados, a cada 14 dias, na Folha de São Paulo.
A leitura do projeto deu-me a impressão de que estamos legislando sobre problemas que não existem, enquanto deixamos de discutir e de enfrentar as questões que realmente importam.
A proliferação desses estatutos baseados em identidades e que se destinam a criar direitos privativos a determinadas classes de cidadãos é, em minha opinião, um retrocesso republicano.
A República é um sistema que procura considerar as pessoas numa unidade geral, assegurando a todos o mesmo tratamento. Sempre que se decompõe esse todo em identidades particulares para a atribuição de direitos exclusivos estamos abrindo uma porta que talvez depois não saibamos como fechar.
A única exceção que se impõe é o tratamento especial para os mais pobres. Todas as demais são divisivas e desintegradoras.
Esse projeto em particular contém alguns equívocos. Vou me deter em apenas dois.
Considerar, como o projeto considera, que um homem ou mulher de até 29 anos é ainda um jovem a merecer proteção especial do Estado e da sociedade é uma ridícula extravagância.
Como para nossas redes de proteção os brasileiros a partir de 60 anos já são considerados idosos, apesar de todas as mudanças demográficas que estão em curso, os brasileiros entre 30 e 60 anos podem, com razão, se considerar uma categoria de excluídos.
Quanto mais particularizarmos a distribuição de benefícios legais, menos República seremos. Parece inesgotável nossa capacidade de imaginar e de declarar direitos, mas não podemos nos esquecer de que a vida republicana é um balanço entre direitos e deveres.
Um aspecto claramente equivocado, embora não o único, desse Estatuto é a determinação, por lei federal, do privilégio de meia-entrada para eventos artísticos e esportivos. Esse assunto só pode ser de competência local, do município onde se der o evento. Se até essas minúcias do cotidiano local passam para a esfera federal, já é hora de abolirmos a ficção de um Estado federal, onde mais nada é da competência de municípios e de Estados. Além disso, legislar sobre como companhias privadas e indivíduos podem cobrar ingressos sobre performances artísticas ou esportivas é uma invasão totalitária da esfera privada, uma completa confusão entre os domínios do indivíduo e do Estado.
Se desejamos continuar vivendo na liberdade da economia de mercado, não podemos tolerar que o Estado crie privilégios econômicos, sem pagar diretamente por eles. Um espetáculo teatral ou uma audiência musical são empreendimentos puramente privados, que envolvem riscos privados e são o resultado do trabalho de numerosas pessoas, a maioria das quais trabalhadores de renda média ou baixa, que extraem dessa atividade a renda e o salário para sustentar suas vidas. Que esse novo jovem de 27 ou 28 anos, geralmente de classe de renda alta, pois pobres não podem chegar a essa idade sem trabalhar, possa desfrutar do trabalho dessa comunidade de trabalhadores da arte e da cultura, pagando apenas a metade, é uma patética injustiça. Se a cultura, como é dito, é um direito básico e isso justifica a meia-entrada até para essa juventude tardia, o que se fará em relação a outros direitos muito mais básicos, como a alimentação, os medicamentos, o abrigo, a vestimenta e outros mais? Vamos criar o meio-preço também para essas utilidades? E o custo, vai recair sobre industriais e comerciantes?
Nunca devemos nos esquecer de que os êxitos brasileiros na cultura e nos esportes são fruto da iniciativa e do esforço individual de artistas e esportistas, e não o resultado de políticas governamentais decisivas. Vamos deixar que essas pessoas tão importantes para o país quanto os jovens recolham o benefício do seu talento e do seu trabalho. Se não pudermos fazer alguma coisa por eles, vamos deixá-los em paz, longe das lógicas sinuosas da política.
KÁTIA ABREU, 49, senadora (PSD-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados, a cada 14 dias, na Folha de São Paulo.
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