Ao fazer a defesa do direito de resistência e comparar o assalto ao
poder pelas esquerdas no Brasil nos anos 60 – e bem antes de 64, é bom salientar
– à resistência francesa, escreve o stalinista de plantão da Folha de São
Paulo:
- "Toda violação dos direitos humanos será investigada." Com
essa frase, Gilson Dipp, um dos integrantes da Comissão da Verdade, procurou
constranger setores da esquerda que procuram levar a cabo as exigências de
punição aos crimes da ditadura militar. Trata-se de pressupor que tanto o
aparato estatal da ditadura militar quanto os membros da luta armada foram
responsáveis por violações dos direitos humanos. É como se a verdadeira função
da Comissão da Verdade fosse referendar a versão oficial de que todos os lados
cometeram excessos equivalentes, por isso o melhor é não punir nada.
Os
mentores da dita Comissão da Verdade reiteram a toda hora que sua finalidade é o
reestabelecimento dos fatos, e não a punição dos envolvidos. Vladimir Safatle se
trai ao afirmar que, segundo a Comissão, o melhor seria não punir nada. No
fundo, vê como alvo da Comissão a punição dos envolvidos. Mas atenção: apenas
dos militares. A guerrilha, que matou gente que nada tinha a ver com o peixe, e
inclusive executou militantes, não pode ser punida.
Esta postura das
esquerdas está longe de ser nova. Em 2008, Dilma Rousseff, Tarso Genro, Paulo
Vanucchi, então ministros de Lula, levantaram a tese de que tortura é crime
imprescritível e portanto seus autores devem ser punidos. Para sustentar a
exótica idéia, alegaram que tortura é crime comum, não é crime político, e
portanto não está coberta pela Lei da Anistia. Ora, salta aos olhos que a
tortura, na ocasião, teve razões políticas. Tortura como crime comum é esta
tortura praticada cotidianamente em praticamente todas as prisões do país e que
não merece a preocupação de ninguém. Aliás, a preocupação com a tortura só
surgiu no Brasil quando os meninos da classe média entraram no pau. Quando só os
pobres eram torturados, não víamos ninguém falar em direitos humanos.
Ao
que tudo indica, os ilustres celerados, no afã do revanchismo, esqueceram de
examinar com mais cuidado a Constituição, que reza em seu artigo XLIII:
- a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
E no
XLIV:
- constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático.
Foi preciso que o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Gilmar Mendes, refrescasse a memória dos sedentos ministros de
Lula. "Essa discussão sobre imprescritibilidade tem dupla face. O texto
constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível", disse
Mendes. E emendou: "Tenho uma posição muito clara em relação a isso. Repudio
qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente casos de direitos
humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é
possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação
política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique
claro".
Tarso Genro, ministro da Justiça, apressou-se em pôr o bigodinho
stalinista de molho. Em declaração à Folha de São Paulo, afirmou que os
grupos de esquerda que adotaram a luta armada contra a ditadura militar "não
podem ser classificados como terroristas". Haja malabarismo verbal para provar
que seqüestros de diplomatas, assassinatos de pessoas inocentes, assaltos a
bancos e execuções sumárias de colegas de armas não constituem terrorismo.
Para sustentar sua tese esdrúxula, Tarso afirmou na época que "o
terrorismo é sempre uma ação bélica que atinge uma comunidade indeterminada de
inocentes que estão fora do conflito". O ministro dizia aceitar as leis
internacionais e a Constituição, que "tornam o crime de terrorismo perfeitamente
enquadrável" como imprescritível. Mas reiterava que as organizações de esquerda
contrárias à ditadura não se guiaram por esse princípio. "Houve atos isolados."
Quantos atos isolados? Se os militares mataram 376 pessoas, os gentis
militantes das esquerdas mataram 116. Não são atos tão isolados assim. Sem falar
que a guerrilha não foi uma resposta à ditadura. A ditadura é que foi, isto sim,
uma resposta à guerrilha. O palavroso ministro pareceu esquecer que antes de 64
Francisco Julião já montava a guerrilha comunista, com armas recebidas de seu
bom amigo Fidel Castro.
Para as esquerdas, anistia tem um lado só. É
perdão de seus crimes, jamais dos crimes dos adversários. Para começar, anistia
nada tem a ver com perdão. Anistia é esquecimento. É como se as partes em
conflito decidissem: em nome do bom entendimento da nação, esqueçamos as
barbaridades do passado. Nenhum crime será perdoado. Mas será esquecido. Eu
esqueço teus crimes, tu esqueces os meus. E vamos em frente. As esquerdas jamais
aceitaram a dupla mão da instituição.
Continua o stalinista de plantão
da Folha de São Paulo:
- Os resistentes franceses também fizeram
atos violentos contra colaboradores do Exército alemão durante a Segunda Guerra,
e nem por isso alguém teve a ideia estúpida de criminalizar suas ações.
Safatle não nasceu ontem. É de supor-se que saiba ler. Portanto deve
saber muito bem que raros foram os colaboradores executados e dezenas de
milhares foram os franceses que colaboraram com o invasor sem que tivessem sido
punidos. Pelo contrário, o mundo literário e artístico francês conviveu
amigavelmente com os ocupantes, a ponto de imprimir programas de ópera em
alemão, para conforto dos invasores amantes do bel canto. Durante a ocupação, os
parisienses continuaram cantando e dançando junto com o inimigo. Mitterrand, por
exemplo, esse ícone das esquerdas, foi condecorado com a medalha Francisque pelo
governo de Pétain. Se alguns franceses reagiram com violência, estavam reagindo
contra um inimigo definido, declarado.
Não foi o caso das esquerdas no
Brasil, que estabeleceram um dogma para uso próprio: estavam lutando contra a
ditadura. Para começar, negam, contra a evidência dos fatos, que estivessem
preparando um assalto ao poder antes da ditadura. No início dos 60, já havia
guerrilheiros sendo treinados na União Soviética e Cuba. Moscou preparava uma
reedição da fracassada Intentona de 35. Os militares reagiram, instauraram um
regime de exceção e o que era luta para instalar um regime comunista virou, de
repente, luta contra a ditadura. Ora, a luta era bem outra. A guerrilha toda foi
de inspiração marxista. Quando, na história, alguém viu um marxista lutando por
democracia?
Continua Safatle:
- Àqueles que se levantam para
afirmar que "a guerrilha matou tal soldado, tal financiador da Operação
Bandeirantes", devemos dizer: "Tais ações não podem ser julgadas como crimes,
pois elas eram ações de resistência contra um Estado criminoso e ditatorial".
O mesmo poderia ser dito a favor dos militares. Que mataram lutando
contra uma filosofia criminosa e ditatorial. Agiram com mão pesada? Deveriam
então ser punidos. Ocorre que foram anistiados. Como também os guerrilheiros.
Mas Safatle tem uma visão diferente:
- Como se não bastasse, integrantes
da Comissão da Verdade que dizem querer investigar ações dos grupos de
resistência "esquecem" que os membros da luta armada julgados por crimes de
sangue não foram anistiados. Eles apenas receberam uma diminuição das penas. Ou
seja, os únicos anistiados foram os militares, graças a uma lei que eles mesmos
fizeram, sem negociação alguma com a sociedade civil.
Há uma imprecisão
em sua afirmação. Melhor diria se afirmasse que os únicos apenas anistiados
foram os militares. Os demais membros da guerrilha foram não só anistiados como
também regiamente recompensados. Mais ainda, sobraram benesses para vigaristas
que sequer pegaram em armas e alegaram ser vítimas da ditadura, como Ziraldo e
Carlos Heitor Cony. Em 2010, segundo o Estadão, pelo menos R$ 4 bilhões
de indenizações aos ditos perseguidos políticos já haviam sido pagas ou
aprovadas pela Comissão da Anistia.
Safatle, como bom stalinista,
defende o sagrado direito de celerados lutarem por ditaduras, desde que
comunistas. Lutar contra os que lutam por ditaduras é que é crime.
23 de maio de 2012
janer cristaldo