"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 12 de fevereiro de 2012

NO IBIRAPUERA, MENINOS SE TORNAM MICHÊS PARA CONSEGUIR DROGAS

Corpos franzinos se misturam aos ‘profissionais’ nos pontos de prostituição

SÃO PAULO - J. tomava cerveja enquanto ensaiava passos de dança com alguns colegas no chamado Autorama, estacionamento do Parque Ibirapuera, em São Paulo, onde gays e lésbicas se divertem ao mesmo tempo em que garotos — muitos menores de idade — se prostituem nas barbas da polícia. Corpo franzino, camiseta jogada no ombro, sorriso malicioso e um rosto marcado pelas espinhas denunciam que o menino começou precocemente, “só por diversão”, a ganhar uns trocados fazendo programa sexual.

J. tem só 15 anos, assim como outros dois colegas que, na madrugada da última sexta-feira, o acompanhavam na balada. Era ao som de Rihana e Beyoncé, disparado das caixas de som do porta-malas de um Fiat Uno caindo aos pedaços, que o garoto se colocava à disposição de homens em busca de sexo pago.

De família evangélica, morador da Vila Industrial, a 40 quilômetros dali, aluno do ensino médio, J. não se vê como os garotos de programa “profissionais” do Autorama. Acredita que tem “outra postura em relação à vida”.

— Eu venho aqui para me divertir, dançar e ver “as colegas”. Agora, se alguém quiser dar uma graninha para o bebê aqui, por que eu não vou aceitar? — indaga.

Filho único de pai motorista de ônibus e mãe dona de casa, J. diz que nunca pensou em ganhar a vida como os garotos que dizem faturar até R$ 150 pelo programa. Mas, sem perceber, a oportunidade tem feito dele um michê como os outros.

Madrugada adentro, a circulação de carros pelas ruas demarcadas dentro do estacionamento (o vaivém de veículos em zigue-zague deu o apelido ao local) começa a crescer. A exposição de corpos mais franzinos do que sarados ganha evidência. Também por ali, C. já deixou a adolescência há tempos. Aos 29 anos, conta que a presença de menores naquela área é mais comum do que se imagina.

— São meninos que parecem ter saído de casa escondidos dos pais. Eles querem um dinheirinho para comprar droga. Assim que conseguem, vão embora. Mas sempre voltam — diz C. Ao GLOBO, os guardas municipais admitem dificuldade para afastar os menores do local.

— Muitos desses meninos têm 14, 15, 16 anos, só que são sarados, grandes, nem parecem menores de idade. E quando a gente aborda, eles dizem que estão sem documento ou que está na bolsa de uma amiga, enfim... — disse um dos policiais que na sexta-feira fazia par com um colega na vigilância do Autorama.

Mais uma hora no Autorama e um Land Rover se aproxima de J. Com quase meio corpo para dentro do carro, o garoto parece negociar o programa tranquilamente, entre gargalhadas. Ele entra no carro, e logo o veículo atravessa a guarita (sem guarda) na saída do estacionamento.

fonte: O Globo
Flávio Freire, 11/02/12

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