'Comunismo mundial'
O general Otávio Costa era comandante da 6ª Região Militar, na Bahia. Estava em Sergipe, no fim de semana, visitando a cidade histórica de Laranjeiras, terra dos dois também históricos jornalistas Paulo e Joel Silveira. Sábado, recebeu um telefonema urgente de Brasília. Era o general Medeiros, chefe do SNI do governo Figueiredo, que acabava de assumir seu posto no Palácio do Planalto:
– General, segunda-feira o professor Abdias do Nascimento, líder negro, que está chegando dos Estados Unidos, vai fazer uma palestra no Centro Cultural Brasil-Alemanha, em Salvador, e lançar o Movimento de Libertação da Raça Negra. A ordem é melar.
O general Otávio Costa já estava há dois anos na Bahia. Sabia que o Centro Cultural Brasil-Alemanha ficava em um local pequeno, apertado, movimentado. Tentar melar seria exatamente promover. Ligou para Salvador, mandou para o local um sargento negro, do Serviço Secreto, com a ordem de telefonar urgente, se necessário.
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ABDIAS
Segunda-feira, 10 da manhã, Abdias do Nascimento abriu sua conferência no Centro Cultural Brasil-Alemanha apinhado de escritores, professores, lideres sindicais estudantes, intelectuais de todos os setores. Todos brancos. Lá no fundo, de pé, um senhor negro. Abdias se levantou.
– Quero começar prestando uma homenagem a meus irmãos de cor. Convido meu irmão negro, que está lá ao fundo, a presidir esta solenidade.
O sargento, irmão de cor, presidiu com toda competência. Sem melar.
Se estivéssemos hoje em 1964, as autoridades brasileiras, civis e militares, não deixariam o negro Barack Obama, com seu discurso de libertação da raça negra, presidir aquela solenidade.
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OSÓRIO
Osório Vilas-Boas foi vereador, presidente da Câmara Municipal de Salvador, candidato a prefeito, deputado do MDB e acabou cassado pelo AI-5, em 69. Durante anos, foi presidente do Esporte Clube Bahia, então o maior do Estado. Em maio de 64, ia viajar para os EUA com seu time, para um torneio em Nova York. Pediu um visto. Recebeu ofício do consulado:
Prezado senhor, este escritório lamenta informar que está impossibilitado de dar um visto a V. Sa., porque se verificou que V. Sa. é inelegível (sic) para visto, sob a seguinte seção da Lei de Imigração e Nacionalidade:
– Seção 212 (a) (28) (3), a qual proíbe a concessão de vistos a qualquer pessoa que advogue ou pertença ou seja filiada a grupos que advoguem a doutrina do comunismo mundial. No entanto, poderemos dar maior consideração ao seu requerimento para visto se V. Sa obtiver e apresentar a este escritório os seguintes documentos: atestado assinado pela polícia e pelas autoridades militares em como V. Sa não advogou ou foi filiado a grupos que advoguem a doutrina do comunismo mundial.
“Atenciosamente, pelo cônsul, Roberto E. Service – vice-cônsul americano”.
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OBAMA
Osório conseguiu o atestado, deixou de ser inelegível (sic) para visto, foi para os Estados Unidos e o Bahia ganhou o torneio. Em 69, depois do AI-5 e da cassação, possivelmente não lhe dariam mais.
Se Osório fosse o Barack Obama, certamente não teria conseguido o atestado e não teria viajado para os Estados Unidos. O discurso universalista e pacifista de Obama, contra a guerra do Iraque, é mais parecido com a doutrina do “comunismo mundial” do que era o de Osório.
Sebastião Nery
17 de março de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
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