"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

"O CHAVISMO DE TOGA"

Quando se noticiou, dias atrás, que setores da oposição venezuelana pediram que o mais alto tribunal do país se pronunciasse sobre a alegação chavista de que a presença do caudilho na Assembleia Nacional em 10 de janeiro para assumir o seu quarto mandato não passava de uma "formalidade dispensável", mais de um perplexo observador há de ter perguntado se os proponentes da manifestação do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) tinham perdido por completo a noção do que o autocrata Hugo Chávez fizera com as instituições do Estado na Venezuela, a começar do Judiciário, desde que chegou ao poder, há 14 anos.
 
Nesse período, ciente dos passos estratégicos que devia dar para assenhorear-se plenamente das instâncias estatais, ele aparelhou o TSJ, escolhendo a dedo 32 de seus integrantes, enquanto afastava os juízes que ousassem dar provas de independência diante do Palácio Miraflores, sem falar nas perseguições que levaram um deles à prisão e outro ao exílio.

Pois essa corte de cartolina fez anteontem tudo que o chavismo queria - e mais.

Torturou até que se amoldassem aos desígnios oficiais os artigos da Constituição que tratam do exercício da presidência e acrescentou uma barbaridade jurídica que seria hilária se não fosse uma pedra a mais na construção da "ditadura perfeita", como se dizia do arremedo de democracia no México de tempos idos, agora na sua encarnação bolivariana.

A Carta ordena que os presidentes venezuelanos tomem posse no décimo dia de janeiro do primeiro ano de seus mandatos, mediante juramento perante a Assembleia Nacional ou, se não puderem fazê-lo na Casa, no TSJ - na mesma data.

No entanto, para acomodar os interesses do regime, a presidente do tribunal, Luisa Estella Morales, mansamente seguida por seus pares, preferiu entender que não há prazo nem local preestabelecido para o cumprimento do rito, quando obstado de início por um "motivo imprevisto", como se o câncer que obrigou o caudilho a voltar a Havana em dezembro para uma quarta cirurgia - e possíveis complicações pós-operatórias - fosse o proverbial raio em céu azul.

Além disso, decidiu o TSJ, tendo sido Chávez reeleito, nada muda na condução do governo, com o primeiro escalão respondendo ao vice Nicolás Maduro - uma razão a menos para Luisa Estella levar em conta o que considera filigranas constitucionais.

Por fim, apenas o próprio presidente poderia pedir ao Legislativo que declarasse a sua "ausência temporária" - abrindo caminho para uma licença de 90 dias prorrogáveis por outro tanto. Só então, caso não reassumisse, seria decretada a sua "ausência absoluta", com a convocação de novas eleições (ou a investidura definitiva do vice, se o problema ocorresse nos dois anos finais do mandato).

A exigência surrealista de que a solicitação seja feita de próprio punho induziu o oposicionista Cipriano Heredia, a imaginar, ironicamente, como o presidente faria isso se tivesse sido sequestrado.

Outro opositor, Julio Borges, foi ao fundo da farsa. "O que o TSJ acabou de dizer é que o presidente pode permanecer indefinidamente em Cuba, quando está claro que, ao menos neste momento, ele não está capacitado a governar", resumiu. Ou seja, enquanto estiver vivo, em qualquer condição clínica, Chávez continuará titular do governo.

"É uma sentença típica de um Judiciário sequestrado por um partido político", diz o constitucionalista Pablo Álvarez. Ou seja, o TSJ deu ao Partido Socialista Unificado Venezuelano o tempo de que necessita diante de uma conjuntura cujo desfecho mais provável não se sabe quando virá.

O tempo é essencial também para que o vice Nicolás Maduro consolide, no aparato chavista de poder, a posição para a qual foi ungido pelo líder enfermo na sua fala de despedida de Caracas, e ainda para mobilizar os venezuelanos em torno da figura do eventual sucessor que não prima pelo carisma nem teve, sob Chávez, oportunidade de se achegar às massas. No país cujo Numero Uno falava pelos cotovelos e se esparramava pelas redes sociais, ele nem sequer tem conta no twitter.

11 de janeiro de 2013
Editorial do Estadão

3 comentários:

  1. Visito seu blog diariamente, é onde procuro entender o que acontece, mas está dificil. procurando mais informações para entender porque a OEA concordou com esse golpe, acho que entendi...
    O presidente dete órgão é um COMUNISTA, será que me informei direito?

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  2. Entenda o que Constituição venezuelana diz sobre a posse do presidente

    Governo e oposição interpretam de forma diferente artigos referentes à posse de líder eleito, cuja prorrogação indefinida foi considerada constitucional por Suprema Corte

    iG São Paulo | 09/01/2013 19:16:11- Atualizada às 09/01/2013 19:29:51

    Com o argumento de que há "continuidade administrativa" na presidência após a reeleição em outubro do presidente Hugo Chávez , desde 1999 no poder, a Suprema Corte da Venezuela decidiu nesta quarta-feira que é constitucional a prorrogação da posse do líder venezuelano .

    Suprema Corte da Venezuela: Prorrogação de posse de Chávez é legal

    Reuters
    Venezuelana passa na frente de mural com retrato do presidente Hugo Chávez em Caracas


    Votação: Assembleia Nacional aprova adiamento da data da posse de Chávez

    A decisão foi anunciada em meio a um acalorado debate entre o governo e a oposição sobre se a Constituição estabelece que o presidente da Venezuela, que está em um hospital em Havana com complicações por uma infecção pulmonar após sua quarta cirurgia relativa a um câncer, deveria tomar posse na quinta-feira, como estabelecido no texto constitucional.

    Na terça, o vice-presidente Nicolás Maduro anunciou que Chávez não poderia comparecer à posse na data prevista. Chávez foi reeleito em outubro para seu quarto mandato, o que lhe permitiria ficar no poder até 2019, quando totalizaria 20 anos na presidência.

    Saiba a seguir o que dizem quatro artigos da Constituição sobre a questão e quais são as interpretações do governo e da oposição sobre os textos:

    - ARTIGO 231 estabelece que o presidente eleito assume cargo em 10 de janeiro perante a Assembleia Nacional, com a ressalva de que líder pode também fazer seu juramento perante a Suprema Corte se não for possível comparecer ao Congresso unicameral do país.

    - ARTIGO 233 estabelece que a ausência absoluta do presidente é caracterizada por: morte; renúncia; destituição decretada pela Suprema Corte; incapacidade física ou mental permanente certificada por equipe médica designada pela Suprema Corte e aprovada pela Assembleia Nacional; abandono do cargo (declarado como tal pela Assembleia); e revogação popular do mandato.

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    Segundo esse mesmo artigo, quando houver ausência absoluta do presidente eleito antes da posse, deve ocorrer uma nova eleição nos 30 dias consecutivos seguintes. No período da eleição até a posse do novo presidente eleito, o presidente da Assembleia Nacional assume interinamente o poder.

    - ARTIGO 234 estabece que, no caso de ausência temporária do presidente, o vice-presidente exerce o poder por um período de 90 dias, que pode ser prorrogado por mais 90 dias por decisão da Assembleia Nacional. Se uma ausência temporária superar esses seis meses, a Assembleia definirá por maioria se ela deve ser caracterizada como ausência absoluta.

    - ARTIGO 235 determina que a ausência do presidente do território nacional deve ser aprovada pela Assembleia quando se prolongar por um período superior a cinco dias consecutivos.

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