"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 24 de setembro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (PARTE 1)


Olá amigos, a partir desta semana iniciamos um nova série que considero essencial para nos situarmos na dicotomia “Esquerda x Direita” que a cada dia torna-se mais confusa e tênue.

A nova onda vermelha

Até meados de 2008, a dicotomia “estado maior x estado menor” parecia estar definitivamente sepultada, não apenas pela derrocada do mundo comunista, mas principalmente pelo triunfo da globalização, inclusive sobre os governos que perderam o controle do processo, diga-se de passagem. Os norte-americanos que o digam.

A partir da crise de 2008, irradiada do coração do capitalismo, alguns governos de esquerda aproveitaram um momento que não ocorria desde os anos 30 para tentar ressuscitar algumas bandeiras meio esquecidas.

A principal delas, a da ampliação do papel do Estado na economia, ressurgiu como “verdade histórica”, agora com o elegante verniz do economista britânico John Maynard Keynes, elevado agora a condição de “novo expoente” das esquerdas.

Nos jornais, vários artigos foram publicados enaltecendo Keynes e até Lula, que já confessou que não lê jornais, apareceu citando o economista britânico!

O estranho disso tudo é que os conceitos da política macroeconômica keysiana não só foram usados nos principais países capitalistas ao longo do século XX, como foram também um dos expoentes da política econômica da extrema direita brasileira que governou o país no regime militar e tornou nossa economia uma das mais fechadas do mundo.
Quem tem mais de quarenta anos lembra certamente da publicidade oficial da época, exibida até nos cinemas, mostrando as maravilhas do Brasil das grandes estatais e dos mega-projetos como Itaipú, Transamazônica e Carajás, ponte Rio-Niteroi, entre outras.

Qualquer semelhança com os dias de hoje é mera coincidência. Os resultado da megalomania governista dos keysianos do regime militar, no entanto, todos conhecem: duas décadas perdidas de inflação e estagnação. Claro que há todo um contexto a ser considerado no panorama dos anos 70 que ajudam a explicar o nosso mergulho na crise, de forma que não dá para jogar toda a culpa nas políticas keysianas. No entanto, estudando outros casos onde políticas semelhantes foram adotadas, podemos jogar um pouco mais de luz sobre este antigo debate ressurgido das cinzas.

De qualquer forma, soa muito estranho ver hoje Keynes ser coroado como o “Novo Marx” das esquerdas. Da mesma forma que soa estranho ver hoje figuras conhecidas do regime militar, como o renomado economista e agora deputado Delfin Neto, por exemplo, prestando reverência a Lula por sua “contribuição a nossa economia”.
Em uma de suas palestras chegou a afirmar que “Lula é o único economista que presta no Brasil”!

Tudo bem que isso já faz algum tempo. Ultimamente ele já anda um pouco mais crítico, principalmente quanto a política de juros e aos crescentes gastos do governo. De qualquer forma, fica aqui o registro.

Mas afinal, Keynes é de direita ou de esquerda?

Para responder esta pergunta temos que voltar aos primórdios do capitalismo e falar de alguns nomes importantes que influenciaram o pensamento econômico dos séculos seguintes, dentre os quais o expoente máximo da Direita, Adam Smith, considerado ainda hoje o pai da economia moderna, e o expoente máximo da esquerda, Karl Marx, simplesmente o pai do comunismo.

Resumindo as idéias do escocês Adam Smith, ele acreditava que “a riqueza das nações resultava da atuação dos indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse, promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica”.

Smith pregava também a menor intervenção possível do Estado na economia, pois acreditava que a competição entre indivíduos e/ou empresas regulavam os preços e, consequentemente, o mercado como um todo.

Claro que ele exagerou um pouco na sua premissa, mas apesar de ter escrito dois livros clássicos da economia moderna, não precisava ir tão longe para explicar algo tão simples e que faz parte do nosso dia-a-dia.

Brincadeirinha! A coisa é bem mais complexa do que parece, tanto que vários outros expoentes do liberalismos surgiram no século XX, como Ludwig von Mises, Friedrich August von Hayek e Milton Friedman, por exemplo, que escreveram algumas centenas de páginas sobre diferentes vertentes do liberalismo.

O fato é que, três séculos depois de Adam Smith, o seu liberalismo (mesmo com algumas variações) é seguido pelas nações mais ricas do planeta, inclusive por nós em nosso melhor momento econômico das três últimas décadas, apesar do novo ímpeto estatizante do governo.

Mas, voltando aos primórdios do capitalismo, as idéias de Smith tornaram-se a bíblia da nova classe de burgueses que emergia e já começava a ameaçar a aristocracia secular formada por senhores feudais e religiosos.

Por incrível que pareça, nesta época os conceitos de Esquerda e Direita já existiam. A Direita era representada pelos apoiadores da monarquia absolutista e, claro, sentava à direita do rei. A Esquerda que contestava o estado absolutista naturalmente sentava à esquerda do rei.

Portanto, a primeira ironia da história da disputa entre esquerdistas e direitistas é que o casamento entre o liberalismo de Adam Smith e a emergente burguesia da era pré-capitalista tinha muito mais a ver com a Esquerda da época que com o conservadorismo da Direita monarquista!

Só depois da Revolução Francesa que a coisa começou a mudar. O primeiro contraponto ao liberalismo inglês surgiu, claro, na França inspirado no ideal de igualdade, liberdade e fraternidade, que inspiraram também a Revolução Francesa, sem dúvida um dos momentos mais importantes da história da humanidade.

O esquerdismo, portanto, já nascia com o charme francês. Os pioneiros do socialismo utópico, Saint-Simon, Louis Blanc e Proudhon, encantavam por imaginar uma sociedade ideal, mas pecavam por não indicar os meios para alcançá-la.

Já no século XIX surge então o alemão Karl Marx com o seu socialismo científico, que tentava viabilizar o socialismo como uma fase de transição para a verdadeira “revolução proletária”.

Marx teve como ponto de partida a crítica ao capitalismo, que dava ainda seus primeiros passos e que até então não havia trazido um progresso real a humanidade.
Ele acreditava que a lógica capitalista tinha um componente autodestrutivo que o levaria a sucessivas crises e, consequentemente, conduziria a sociedade promover uma revolução quase que natural, quando surgiria então um “novo regime sem classes”.

Claro que, com idéias tão radicais, a obra de Marx não teve muita repercussão quando em vida. Só após sua morte, e com o aprofundamento das contradições capitalistas, é que suas idéias começaram a repercutir no meio intelectual.

A esta altura já era “charmoso” ser de esquerda, pois, de fato, historicamente o pensamento esquerdista demonstrava uma maior preocupação com o bem estar dos menos favorecidos. Os liberais capitalistas, ao contrário, foram cada dia mais sendo associados à exploração, inimigos do bem geral da sociedade, um mal a ser extirpado.

Tais ideais encantaram também um nobre russo chamado Vladimir Lenin. Influenciado também por um outro russo, chamado Tchernichevski, Lenin não só liderou a primeira revolução comunista que pôs finalmente o “proletariado no poder” como acrescentou ao novo regime uma característica que se tornaria um padrão entre os partidos de esquerda: a centralização e a “regência de intelectuais de formação teórica marxista”.

O resultado deste filme todos viram na TV nas duas décadas finais do século XX, assuntos que abordaremos mais adiante e que nos ajudarão a responder a pergunta central da nossa série: afinal, Keynes é de direita ou de esquerda?

Abraço e até a próxima semana.
Amilton Aquino

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