E agora, Europa? Boa pergunta.
Sim, o "projeto europeu" era uma ideia nobre. Foram duas guerras mundiais, 75 milhões de mortos, o descrédito civilizacional do Velho Continente.
Em 1950, chegava a hora de sentar as nações da Europa na mesma mesa. Partilhar interesses, contribuir para a prosperidade geral.
Mas eis que surgiu a tentação utópica: e se a Europa desejasse ser mais que isso? Não apenas um grande mercado comum - mas uns Estados Unidos da Europa, capazes de rivalizar com os originais Estados Unidos da América?
Acenderam-se luzes vermelhas entre os mais céticos. E alguns lunáticos, entre os quais me incluo, lembravam com alarme que a Europa não era os EUA. A Europa surgia marcada por uma diversidade de identidades nacionais (e nacionalistas) que não poderiam ser submergidas por um único diretório político.
A história era o melhor retrato dessa evidência: as tentativas de uniformização política do continente, pelo menos desde Carlos Magno, tinham gerado a exata conflitualidade que pretendiam suplantar.
Os federalistas moderaram a ambição. Passaram para o plano B. E o plano B não era defender abertamente a opção federalista. Era introduzir na "construção europeia" elementos criptofederalistas que, cedo ou tarde, acabariam por conduzir a Europa ao seu destino prometido. A moeda comum foi apenas o instrumento mais ambicioso.
Pergunta fatal: mas seria possível que diferentes países, com diferentes estruturas econômicas, pudessem partilhar uma moeda comum? Nada na história autorizava esse otimismo.
Só que considerações econômicas nunca entraram na cabeça dos arquitetos do euro, que até acreditaram ser possível a existência de uma moeda comum sem um Tesouro central.
Para eles, o euro não era uma moeda; era o passaporte para a última etapa do projeto federal. E, se rolasse alguma crise, melhor ainda: como dizia Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia, as "crises benéficas" seriam a alavanca da "construção europeia".
A crise acabou por chegar. Pena não ser benéfica. Nem poderia. O euro, ao permitir baixas taxas de juro e facilidades inéditas no acesso ao crédito, era um convite para o endividamento ruinoso dos países do sul. Países sem disciplina orçamental ou crescimento econômico visível.
Para agravar a espiral de endividamento, a crise financeira de 2008 obrigou os Estados a um esforço suplementar para salvar a economia real. Quando chegou a conta, não havia como a pagar. Pior: no passado, quando os países deficitários da Europa ainda tinham moeda própria, era sempre possível desvalorizá-la, reganhando competitividade. Uma moeda comum impedia agora esse velho expediente.
Vieram os pacotes de resgate para Grécia, Irlanda e Portugal. E, com eles, medidas de austeridade. Simplificando, a ideia era despejar dinheiro sobre países insolventes, obrigando-os também a amputar, com aumentos brutais de impostos, qualquer possibilidade de crescimento econômico.
Não vale a pena perder tempo com a lógica da coisa. Exceto para dizer que, por ora, a economia grega está liquidada; e Atenas só tem dinheiro até outubro. E agora, Europa?
Os "líderes" europeus, se merecem esse nome, reuniram-se na Polônia para decidirem nada decidir. Há quem os critique pela paralisia evidente. Eu compreendo essa paralisia. Ela faz lembrar a fábula do burro que está no meio da ponte, incapaz de optar por qualquer um dos pedaços de feno que estão nas duas extremidades.
Eis os "líderes" da Europa: burros no meio da ponte. De um lado, a opção federalista. Uma opção que os eleitorados -do norte e do sul- rejeitam por diferentes motivos. Os do norte, por não quererem assumir, agora e sempre, as dívidas dos do sul; e os do sul, por não quererem a alienação da sua soberania, agora e sempre, para os do norte.
Do outro lado da ponte, um calote grego, a possível saída do euro e a desagregação da União Europeia. Com consequências -políticas, econômicas- imprevisíveis.
Na fábula, o burro fica no meio da ponte e, indeciso, morre de fome. Talvez essa seja a estratégia dos burros da Europa. Morrer. Mas de vergonha.
Para quem quiser se aprofundar um pouco mais, explico em 16 minutos as causas da crise do euro, bem na linha descrita por Coutinho acima.
João Pereira Coutinho, Folha de SP
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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