Gaúcho de sangue quente e língua sem travas, Leonel de Moura Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, faz falta na atual conjuntura brasileira pelo menos por um motivo. Ele era um mestre do fraseado e comparações críticas: armas ferinas, arrasadoras politicamente, às vezes capazes de produzir reflexões em momentos críticos e de baita confusão e tempo de geleia geral como este que o País experimenta em relação aos políticos e ao governo Dilma Rousseff, apenas oito meses depois de seu início.
Nessa arte, arma fundamental das oposições - qualquer oposição - o trabalhista Brizola era praticamente imbatível. Comparável em seu tempo apenas ao udenista Carlos Lacerda, também um demolidor nesse terreno movediço no qual o combatente caminha sempre na ponta da faca que separa a glória de uma frase de mestre e o ridículo de mero falastrão.
Tenho imaginado nestes últimos dias, o que diriam se vivos estivessem, esses autênticos gigantes do fraseado nacional, a propósito de pelo menos duas questões atuais nesta quadra confusa e complicada da política e da administração do País.
Dilma Rousseff, por exemplo, só está no poder desde janeiro deste ano, mas nos partidos governistas e de oposição praticamente não se pensa nem se fala de outra coisa além da sucessão presidencial em 2014.
Até mesmo um dos partidos da chamada "base de apoio do governo", o PR, finge entrega de cargos e recusa de favores oficiais, ao anunciar esta semana que está abandonando o atual barco do poder - os desafios da navegação mal começaram -, para dedicar-se livremente ao jogo de barganhas e busca de mais vantagens com especulações no mercado futuro em relação ao governo que vem.
O que pensaria Brizola diante da indicação pelo PMDB do novo ministro da Agricultura (um conterrâneo para substituir o paulista antigo que sai sob saraivada de denúncias de corrupção em sua pasta e desvios éticos de comportamento pessoal). Mas que em suas primeiras declarações públicas após a indicação faz questão de deixar claro, além dos apadrinhamentos, que mal conhece a diferença entre um limão e um alface?
Talvez o político gaúcho repetisse: "Essa reforma ministerial é um balaio de caranguejos. Uns caranguejos entrando, outros saindo." E o que diria Lacerda sobre o deputado federal Mendes Ribeiro (PMDB-RS) - figura aparentemente saída direto do poema "O Gaúcho", do genial Ascenso Ferreira -, para o Ministério da Agricultura do Brasil, que ele assume na segunda-feira? Responda quem souber e conhecer melhor o pensamento do falecido udenista carioca.
Os tucanos, atualmente, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tentam ocupar o espaço vazio de herdeiros de uma das melhores tradições da política brasileira, que tem entre seus patronos a figura do baiano Octávio Mangabeira, autor de frases e pensamentos políticos antológicos. O mais imortal deles: "Pense em um absurdo, o maior de todos, e na Bahia tem precedente". Vale agora também para o País.
Olhando e comparando bem, é fácil constatar: FHC, bom frasista, e seus companheiros tucanos (ou aliados do DEM, herdeiros de Carlos Lacerda) se utilizam bastante desta preciosa arma de combate oposicionista, mas são fichinhas diante de gigantes do gênero no passado recente. Saudosismos à parte e a bem da verdade factual, todos eles juntos perdem feio para Lula (o "sapo barbudo" na histórica comparação de Brizola).
No particular, apesar da fama de língua presa, o ex-presidente da República e do PT demonstra claramente sua preferência pelo fraseado inspirado na escola ex-governador gaúcho. Quando vivo, nos famosos bafafás com Luiz Inácio e seus companheiros, Brizola alfinetava: "O PT é a UDN de tamanco e macacão".
Antes do ponto final nestas linhas, breve pausa para recordar experiência pessoal e profissional marcante: um dia que entrou madrugada adentro, nos anos 70, então repórter do Jornal do Brasil na sucursal da Bahia, de passagem pelo Uruguai, fui parar na estância de Brizola no povoado de Carmen, província de Durazno.
Isso pouco antes dele ser expulso do exílio uruguaio e buscar abrigo em New York, no governo do democrata Jimmy Carter.
A longa conversa (possível graças à interferência do bravo e incorruptível coronel Dagoberto Rodrigues, chefe dos Correios e Telégrafos no governo Jango, e do jornalista e querido amigo Paulo Cavalcante Valente, ambos no exílio em Montevidéu), se deu quando já rondava a Operação Condor que uniu chefes de ditaduras em vários países da América Latina para eliminar adversários como Allende, Jango e o próprio Brizola.
Foi uma aula de história do continente e da arte da prosa política. Guardei na memória algumas pérolas do rico fraseado, outras se esfumaçaram infelizmente, pois o autor não permitiu anotá-las.
Não esqueço da última, na despedida: "Baiano, tu vais ver: Portugal se livrará em menos de 30 anos das marcas de meio século do regime de Salazar. O Brasil levará mais de 50 para livrar-se do entulho deixado pela ditadura de 64."
Pelo visto nestes dias de agosto de 2011, quem duvida?
Vitor Hugo Soares é jornalista.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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