O dinheiro e as barras de ouro estavam em cofres e carteiras de vítimas do tsunami no Japão. Em casas e empresas destruídas. Nas ruas, entre escombros e lixo. Ao todo, o equivalente a R$ 125 milhões. Dinheiro achado não tem dono. Certo? Para centenas ou milhares de japoneses que entregaram o que encontraram à polícia, a máxima de sua vida é outra: não fico com o que não é meu. E em quem eles confiaram? Na polícia, que localizou as pessoas em abrigos ou na casa de parentes e já conseguiu devolver 96% do dinheiro.
A reportagem foi do correspondente da TV Globo na Ásia, Roberto Kovalick. A história encantou. “Você viu o que os japoneses fizeram?” Natural a surpresa. Num país como o Brasil, onde a verba destinada às inundações na serra do Rio de Janeiro vai para o bolso de prefeitos, secretários e empresários, em vez de ajudar as vítimas que perderam tudo, esse exemplo de cidadania parece um conto de fadas. O que aconteceu em Teresópolis e Nova Friburgo não foi um mero e imoral desvio de dinheiro público. Foi covardia.
Político japonês não é santo. Mas digamos que, em alguns países, os valores da população são menos complacentes do que em nosso cordial patropi. E a impunidade não é regra. Em que instante a nossa malandragem deixa de ser folclórica e cultural e passa a ser crime de desonestidade? Por que a lei de tirar vantagem em tudo está incrustada na mente de tantos brasileiros? A tal ponto que os honestos passam a ser otários porque o mundo seria dos espertos?
A presidente Dilma Rousseff não parece fazer parte do time dos espertos. É o que tem atraído para ela um tsunami de simpatia popular. Você deve ter reparado. Ao discursar, Dilma não faz piada, não diz palavrão, nem comete analogias com o futebol. Ao contrário. Ela é a antítese do palanqueiro populista. Tem dificuldade em falar a linguagem do povão até quando coloca o chapéu das Margaridas, as trabalhadoras rurais. Promete “implantar, implementar, disponibilizar”.
Eles devolveram às vítimas do tsunami R$ 125 milhões. Precisamos – nós e a polícia – aprender a agir assim
Seu desconforto com o palco é evidente. Dilma lê. Não é bom para ela, porque os olhos baixam. A leitura torna o discurso mais frio e hesitante, porque há vírgulas. Ela tropeça nos travessões. Seu pensamento não flui. É pedir demais que ela se torne um dia uma oradora que arrebate multidões. Mas a ausência de carisma parece não importar ao brasileiro. O eleitor não aguenta mais a cambada que suga recursos de nossa Saúde, nossa Educação. Dilma parece um peixe fora do aquário de piranhas políticas. E por isso conquista.
“Quero reafirmar a importância concreta e simbólica do pacto que firmamos hoje. É o Brasil fazendo a faxina que tem que fazer, a faxina contra a miséria”, disse Dilma na sede do governo de São Paulo. Foi um discurso para calar quem tenta isolar a presidente. Ela quis mostrar que está acima das disputas palacianas e não está sozinha coisa nenhuma. O “pacto republicano” de Dilma é suprapartidário. As fotos do “flerte” com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso devem ter causado urticária ao PT. Onde está mesmo a “herança maldita”?
Leitores me pediram para encampar a campanha anticorrupção do gaúcho Pedro Simon. Esta coluna não precisa encampar nada. Simon disse: “A sociedade tem que liderar o movimento”. É patético o coro de “volta, Lula”, ensaiado pelos que comiam churrasco no Palácio da Alvorada e hoje se veem privados da picanha presidencial.
As redes sociais começam a se mobilizar. Cariocas marcaram para 20 de setembro um grande ato contra a corrupção, na Cinelândia, centro do Rio, onde 200 mil pediram em 1984 as Diretas Já. “Queremos evitar batuque, por isso não escolhemos a orla”, dizem os organizadores. Há a sensação de que o movimento precisa estar nas ruas para ganhar legitimidade.
Políticos incomodados tentam nos impingir o medo. Uma frente anticorrupção jogaria o país na anarquia ou na ditadura. Isso é conversa para brasileiro dormir. Um dia, todos precisaremos aprender que não se coloca no bolso, na bolsa, nas meias e nas cuecas um dinheiro que não nos pertence. É roubo.
Ruth de Aquino, colunista de Época
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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