A gente fica pensando quantos Carlinhos Cachoeira andam soltos por aí, apesar de o próprio estar momentaneamente atrás das grades. Porque virou rotina o relacionamento entre bandidos, políticos e governantes.
Virou é modo de dizer, porque esse conluio vem de tempos imemoriais. Apenas ficou mais exposto, agora, por ação da mídia, da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Evidência de que, apesar de tudo, o país vai melhorando.
O bicheiro tinha ligações espúrias em Brasília, Goiás, Tocantins e alhures. Deixou-se inebriar pela impressão de ser influente, manobrista de cordéis que convergiam para suas atividades ilícitas e algumas até lícitas. Talvez tenha ficado megalômano, já que dava sugestões e até ordens para seus cúmplices chegassem aos detentores do poder.
Queria, por exemplo, que o senador Demóstenes Torres trocasse o DEM pelo PMDB e se aproximasse até da presidente Dilma. Imaginando, no seu desvario, que poderia valer-se de favores do palácio do Planalto.
Não parece difícil identificar esses personagens, sempre evoluindo em torno de políticos de expressão, tanto faz se falsa ou verdadeira. Para esses políticos, a tentação é grande, a ponto de muitos buscarem a simbiose, ou seja, transformarem-se também em bandidos. Como no terceiro ângulo do triângulo, dos governantes, encontramos da mesma forma indivíduos propensos a lambanças, completa-se a trindade que nada tem de santíssima: três pessoas numa só unidade e com um único objetivo, no caso, de enriquecer fraudulentamente.
Em maioria, os governantes são honestos. Os políticos, também. Os bandidos é que atravessam o samba, alguns empenhados em acabar com os intermediários, tornando-se políticos e governantes. Essa geléia só se desfará pela ação da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário e da mídia. Só que essas instituições também podem ser contaminadas pelos bandidos…
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EXEMPLO A SER SEGUIDO
Vai uma historinha capaz de demonstrar que ainda honestidade e malícia às vezes se acoplam. Nos primórdios do governo Castello Branco, convidada para primeira presidente do hoje extinto Banco Nacional de Habitação, a deputada Sandra Cavalcanti cumpria à risca as finalidades do novo órgão.
O BNH foi criado para gerir os imensos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço,
mecanismo que substituiu a proibição de ser demitido todo trabalhador que completasse dez anos na mesma empresa.
O objetivo era usar aquela fábula de dinheiro para a construção de casas populares, para operários. Logo o todo-poderoso Roberto Campos, ministro do Planejamento, implicou com dona Sandra, sustentando que o FGTS também deveria ser usado para financiar residências para todo mundo, da classe média aos milionários. E começou a sabotar o Banco Nacional de Habitação.
Sandra percebeu onde mr. Bob Fields queria chegar, precursor do neoliberalismo exacerbado, e pediu uma reunião com o presidente Castello Branco e seu ministro. Contava com muita graça que esmerou-se no visual. Naquele tempo as mulheres usavam luvas e chapéus.
No palácio das Laranjeiras, teve a palavra e começou a discorrer sobre o sentido social do BNH e até citou os livros de um economista alemão, Von Brauskki, que defendia investimentos maciços para residências do menos favorecidos. Naquele momento foi interrompida pelo sarcasmo de Roberto Campos, que disse ao presidente estar ultrapassada aquela corrente econômica voltada para o social, em nome da livre concorrência. E acrescentou já haver lido toda a obra do economista alemão, superado pela escola americana.
Diante de um Castello Branco sempre deslumbrado pela cultura e a inteligência de Campos, Sandra levantou-se, calçou as luvas e pediu demissão irrevogável da presidência do BNH. O presidente, surpreendido, quis saber porque, e a deputada respondeu que aquele economista alemão não existia, que ela o tinha inventado na hora, mas o ministro do Planejamento já tinha lido toda a sua obra…
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