"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 13 de setembro de 2011

CELSO ARNALDO ACOMPANHA O FANTÁSTICO PASSEIO DE DILMA ROUSSEFF E PATRÍCIA POETA PELO PALÁCIO DA ALVORADA

Com um mínimo de treinamento, um guia mirim de Olinda — descamisado, analfabeto, ranhoso — conduziria o visitante no Palácio da Alvorada com mais propriedade.
Mas Dilma é a guia oficial quando os convidados da casa são chefes de estado, astros de rock ou celebridades televisivas.

Em maio foi Hebe, tão bem informada sobre a anfitriã/entrevistada que não sabia, nem por ouvir dizer, de sua passagem pela luta armada e pela prisão. Hebe mereceu, portanto, entre outras respostas espantosas para uma presidente da República, a atual dona do pedaço tentando explicar a alma do Palácio da Alvorada:

“É histórico, é um, vamos dizer, símbolo do que é, eu acho, o espírito do povo brasileiro, que é um espírito moderno, mas ao mesmo tempo muito simples. Esse palácio, se ocê olhá, ele é um palácio bonito, mas ele é simples, ele é tranquilo”.

Ok, Dilma disse isso a Hebe Camargo – e, em se tratando dessa entrevistadora, tanto fazia isso quanto uma resposta situando o Palácio da Alvorada na Tríade Vitruviana.
Mas domingo era Patrícia – Poeta por sobrenome, jornalista de carreira, apresentadora de um programa que mistura variedades e jornalismo hard no horário mais nobre da maior emissora do país. Mais bonita do que bem formada, mas muito aplicada na lição de casa, PP chegou ao Palácio com um punhado de perguntas – imagine – sobre o fisiologismo do governo, para cutucar a presidente, a danadinha.

Mas, ao entrar no recinto, também se deixou trair pelo fascínio de estar em Palácio. Até seus sofás — alguns, no caso, com um estilão Silvia Design – foram objeto de questionamento na entrevista com a presidente.

Patricia: A senhora já teve tempo de sentar em todos esses sofás ou não?

Dilma: Olha, eu já, viu? Vou te dizer com sinceridade.

Patrícia: Já inaugurou todos, então.

Dilma: Porque quando é mais pessoas eu recebo do lado de cá, quando é menos eu recebo do lado de lá.

Receber do lado de cá, do lado de lá, ficou uma coisa meio “Nosso Lar”. Deve ter sido intencional. O Palácio da Alvorada é o lar de Dilma, o seu Minha Casa, Minha Vida para pronta entrega.
Patricia está diante da primeira mulher presidente. Ou da primeira presidente mulher.
De todo modo, o lado-mulher de Dilma é o primeiro a ser explorado na entrevista – mas PP ainda não sabia que, desse lado, Dilma não fotografa bem. Do outro, o de presidente, ela também não sai bem na foto. Juntando os dois lados numa mesma pergunta, é desastre natural:

Patrícia: Como é que é acordar todo dia como presidente da República?

Dilma: É como todo mundo acorda, Patrícia.

Só faltou dizer: abrindo os olhos e espreguiçando, bobinha. Mas, de mulher para mulher:

Patrícia: É ter que escolher, por exemplo, uma roupa, tem que estar sempre muito bem alinhada, tem que se preocupar com isso também.

Não, minha Poeta. Vou para o gabinete de peignoir. Mas Dilma é uma dama, à falta de uma primeira:

Dilma: Geralmente, Patricia, eu acordo cedo porque eu caminho. Ai eu volto e aí você tem de, de fato, procurar uma roupa rápido.

Enfim, uma revelação: a presidente Dilma sofre de sonambulismo. Mas ninguém tem coragem de interromper a caminhada noturna – um pouco antes do laguinho onde já caíram vários fotógrafos, ela desperta.
E então volta correndo para o quarto, a fim de não se atrasar para o batente. Outra revelação: hoje, quem, vai escolher a roupa é Patricia Poeta: “Você tem de, de fato, procurar uma roupa rápido”.

Patrícia: Tem alguém que escolhe as suas roupas, tem alguém que lhe ajuda nessa tarefa?

Dilma: Não. Não. É inviável, é pouco eficiente, você tem de dar conta das suas necessidades. Pelo fato de você ter virado presidente, você não deixa de ser uma pessoa e é bom que você seja responsável por tudo que diz respeito a você mesma.

Agora Dilma parece transferir o cargo de presidente para Patricia, mas foi só vício de linguagem. O “você” reflexivo já é quase tão popular na fala de Dilma quanto “essa questão é uma questão muito importante”. E mais um pouco, o Fantástico vira o “Tamanho Único”, do GNT:

Patrícia: É impressão minha ou a senhora tem usado mais saia, mais vestidos?

Dilma: Eu tenho usado mais saia do que antes. Eu poderia continuar usando só calça comprida, mas eu acho que pelo fato de eu ser mulher tem horas que eu tenho de afirmar essa característica feminina.

O companheiro Lula, e todos os presidentes que antecederam Dilma, pelo fato de serem homens, teve horas em que precisaram afirmar sua característica masculina usando calças. Assim é a tradição republicana, muito bem conservada por Dilma. Mas mãe morando no Palácio é a primeira vez.

Patrícia: No Palácio do Planalto é a senhora que manda. E aqui no Palácio da Alvorada, é a senhora ou sua mãe?

Dilma: Acho que nenhuma de nós mandamos. Isso funciona por si só, viu?

“Nenhuma de nós mandamos?” Deve ter mais gente ai nessa construção. Ah, a tia. O netinho Gabriel também está na casa. Além do netinho presidencial, informou PP, o palácio hospedava na entrevista outros nove “bebês” – filhotes de emas que nasceram na semana anterior.

Dilma: Tem uma chocando. É um emo que choca.

Adepta da diversidade cultural, Dilma, na surdina, abrigou um emo no Palácio da Alvorada. O rapaz, coitado, está chocado – os Dragões da Independência implicam com aquele cabelinho emplastrado para o lado. E ele chora o dia todo.
Patricia aproveita a associação de ideias – ema, galinha, galinha, ovo – para uma pergunta culinária:

Patrícia: Qual o seu prato preferido?

Dilma: Arroz, feijão, bife, batata frita e salada de tomate com alface, que era isso que eu comi com a minha infância.
Uma infância devorada, junto com um prato de arroz e feijão. É triste. Não é à toa que Dilma, ainda adolescente, foi para a luta armada. Mas prato puxa prato:

Patrícia: A senhora sabe cozinhar?

Dilma: Eu sei. Algumas coisas eu faço direito; outras, não.

Patrícia:
Eu sei uma coisa que a senhora sabe fazer.

Dilma: O quê?

Patrícia: Omelete.

Dilma: Ah, omelete. O problema meu com omelete é que ele gruda. Eu não sou boa de omelete, não. Sou boa de ovos revueltos.

(Um assessor palaciano revelaria mais tarde que, na saída, Dilma tirou satisfação com Patricia: “Você prometeu que não ia falar do omelete. Tive de mentir, para consertar sua pergunta maldosa: também não sei fazer ovos revueltos. Aliás, nem sei o que são revueltos”)

A esta altura, Dilma ficou com vontade de dizer: “Patricia, minha querida, já são quase 9 horas. Vão cortar meu dia. O Gilbertinho se faz de bobo, mas foi bedel na escola de padre e nunca mais perdeu a mania do livro de ponto”. Na verdade, disse a presidente com a ameaça de mais uma pergunta:

Dilma: Você já notou que eu comecei a ficar indócil, não é?

Patrícia: Já, reparei pela perninha, já reparei.

Dilma: Estou indócil.

Patrícia:
Está na hora de ir para o Palácio do Planalto, certo?

Dilma: Certíssimo.

Patrícia: A gente pode acompanhar a senhora até lá?

Dilma:
Com o compromisso de serem bem rápidos.

Patrícia: Está certo, temos um acordo, então.

Dilma: Temos um acordo, então.

O Palácio do Planalto seria o cenário da segunda parte da entrevista – que versaria sobre política e economia. Dizem que são os pontos fracos da presidente. Mas, em compensação, como se viu e ouviu aqui, a Dilma mulher – para os que votaram na mulher, não na desconhecida e fantasticamente despreparada candidata de Lula – é uma Poeta calada.
Nos vemos no Palácio do Planalto.

Por Augusto Nunes

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