“Temos uma obsessão com a história”, diz Oppenheimer
O jornalista argentino diz que o passadismo da América Latina se reflete no atraso na educação
Por Humberto Maia Junior
O presidente Venezuelano Hugo Chávez, criou em 2008 uma comissão para investigar, “histórica e cientificamente”, a morte do herói da independência da América Latina, Simón Bolívar. Para o jornalista argentino Andrés Oppenheimer, o episódio ilustra bem como a América Latina, uma região com tanta desigualdade e pobreza, insiste em perder tempo discutindo assuntos que não vão ajudar em nada nos desafios do que ele chama de “era do conhecimento”. Sua indignação é o mote do livro “Basta de histórias! – A obsessão latino-americana com o passado e as 12 chaves para o futuro” (Objetiva, 392 páginas, R$ 49,90), que acaba de ser lançado no Brasil. “Essa obsessão pelo passado nos distrai de tarefas como investir em educação, ciência e tecnologia”, afirma. De Miami, onde vive, Oppenheimer falou por telefone a revista “Época”.
Quem é
Argentino, Andrés Oppenheimer tem 59 anos. É formado em Direito pela Universidade de Buenos Aires e mestre em jornalismo pela Universidade Colúmbia. Vive nos Estados Unidos desde 1976
O que faz
É comentarista da rede de TV CNN em espanhol e colunista do jornal The Miami Herald
O que publicou
Além de “Basta de histórias!”, é autor, entre outras obras, de “Los Estados Desunidos de Latinoamerica” e “La hora final de Castro”.
Leia:
O senhor diz que há uma obsessão pelo passado na América Latina. Como ela se manifesta?
Andrés Oppenheimer – Os países latino-americanos vivem em revisão de suas histórias. Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da Venezuela”. Ele discursa em frente a uma imagem de Simón Bolívar (militar que liderou a independência de vários países da região no século XIX). E diz que toda a sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40 anos antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói de seu tempo, mas vivemos num mundo novo.
Isso não ajudaria nos desafios atuais…
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios de um mundo globalizado. Estive em países como Índia e China, que têm histórias milenares, e não vi ninguém ficar falando no passado. Em meu livro, falo sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda per capita do mundo. Um exemplo é a moeda local (dólar de Cingapura). No dinheiro deles há a imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: educação. Na América Latina, como nos Estados Unidos, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para a frente.
Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino-americanos sejam relativamente jovens, e idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de coesão ou identidade nacional. O problema é que nós exageramos. Não estou dizendo que devemos esquecer nossa história. O que digo é que essa obsessão nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como investir em educação, ciência, tecnologia, assuntos do futuro.
O senhor diz que a educação é a chave para o futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século XX?
Oppenheimer – Sempre medimos nosso sucesso pelo crescimento econômico. Mas, sem uma boa educação, o crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos não tão rapidamente como quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar juntos. A razão é simples: quando a economia cresce, as pessoas que se beneficiam são as que tiveram boa educação e têm empregos formais. A mulher que vende limão na rua e não teve boa educação não vai conseguir ascender. Uma das coisas que proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a educação, o Produto Educacional Bruto, o PEB.
E como está o PEB da América Latina?
Oppenheimer – Terrível. Não há uma única universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo um ranking feito pelo jornal britânico The Times. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), os países latino-americanos estão na parte de baixo do ranking, em que participam 65 países. O Brasil está na 53a posição em matemática. O resultado é que nós, na América Latina, não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país asiático que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou 8.800 patentes nos Estados Unidos. O Brasil, muito maior que a Coreia, registrou só 100. Não é coincidência que a renda per capita lá seja maior que no Brasil.
Quais países vão um pouco melhor na região?
Oppenheimer – O Brasil e o Chile vão melhor na educação superior. O Brasil lidera nesse quesito. Forma 10 mil doutores por ano, tem indústrias de alta tecnologia, como a Embraer. E anunciou recentemente que vai pagar 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina. Mas, ainda assim, está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas universidades e péssimas escolas.
O que o Brasil precisa fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da economia do conhecimento. Se o Brasil quiser se destacar nesse cenário, terá de produzir muito mais artigos de alta tecnologia. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro vendida na rede Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai para os agricultores brasileiros. Os outros 97% vão para quem processou o café, para o marketing etc. De qual lado o Brasil quer estar?
Como pensar em novas tecnologias se o Brasil vai mal no ensino primário e não valoriza o professor?
Oppenheimer – Difícil. Quando estive na Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, me responderam: “Bons professores”. Para alguém ser um professor na Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Lá, eles são valorizados. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão, avaliar seus desempenhos e pagar bons salários.
Mesmo com os problemas educacionais, o Brasil hoje cresce, a pobreza diminui e a classe média aumenta.
Oppenheimer – Sim, mas esse crescimento não é sustentável, está baseado na alta do preço das commodities. E quando o preço das matérias-primas cair? E quando a China parar de comprar soja e aço?
Por que não há revoluções educacionais na América Latina?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias-primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias-primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capita do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura, não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado em educação e tecnologia.
Fonte: revista “Época”
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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