"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 17 de dezembro de 2011

EUGÊNIO BUCCI, O PORQUINHO CÍCERO DO SÉCULO XXI

Artigos - Direito

Se queremos um marco regulatório que garanta o exercício material pleno da liberdade de expressão, não devemos contar com a elaboração de mais uma lei, mas sim na derrogação das atualmente existentes.

Para quem pensa que o ano já acabou, que não saia apagando as luzes! Em sua coluna de opinião no Estadão de 15/12/2011, o jornalista Eugênio Bucci vem com uma das maiores sonsices do ano: “Por que tanto medo de regular a radiodifusão?”

Se Bucci fosse um dos três porquinhos a cantar o refrão “quem tem medo do lobo mau”, seria Cícero, o mais preguiçoso e inconsequente da antiga fábula. Nos dias atuais, todavia, está mais para fazer o papel do suíno leviano - que de tolinho já não tem nada - em uma novela global cuja trama envolveria sua mancomunação com o lobo mau para juntos jantarem seus dois irmãos...

Quem tem medo da regulação da radiodifusão? Eu tenho medo! Aliás, tenho pavor!

Só medo eu teria tal proposta viesse com a melhor das intenções em um cenário no qual o Brasil não figurasse como 89º colocado na lista do Freedom House, classificado como apenas “parcialmente livre”.

Só medo eu teria se o Judiciário não interviesse constantemente a censurar comediantes, blogs e jornalistas que ousam falar dos políticos e de suas torpezas.

Só medo eu teria se o governo e os órgãos de regulação – Anvisa, especialmente – não tratasse de impor e criar as limitações mais esdrúxulas à veiculação da propaganda comercial sob pretexto de proteger a população.

Só medo eu teria se o governo por lei não tivesse obrigado os canais fechados a exibirem uma cota semanal de programação nacional pré-aprovada pela Ancine, e que não tivesse delegado a ela poderes de intervir na grade para selecionar horários e o conteúdo e impor multas e penalidades às empresas. (Por sorte, o STF podou alguns de seus superpoderes.)

Só medo eu teria se o caso da morte do ex-prefeito Celso Daniel estivesse solucionado e dado o seu pleno conhecimento ao público.

Só medo eu teria se o PT – o partido que nos governa há nove anos - não infiltrasse cláusulas de controle social da mídia recorrentemente e de forma sorrateira em tantas convenções para quantos outros assuntos díspares – CONFECOM, CONFECU, PNDH-3, Congressos do PT e outros...

Só medo eu teria se os pugilistas Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara não tivessem sido capturados e despachados de volta à ilha-cárcere sob os diligentes préstimos do capitão-do-mato Tarso Genro, e que Orlando Zapata Tamayo e outros prisioneiros de opinião cubanos da Primavera Negra de 2003 não tivessem sido comparados a bandidos comuns por um Lula abraçadinho ao ditador Fidel Castro.

Por todo o acima exposto, e por mais ainda, porque só mencionei casos que me vieram de relance à memória, eu teria apenas medo, por entender que regulações estatais acabam sendo desastrosas, por mais santos que sejam os propósitos alegados pelos legisladores.

Eu seu artigo, o jornalista do Estadão faz uso constante de termos contrapostos tais como atraso, avanço e regresso, pré-história e civilização, tabu e modernidade, assim como se o mérito de uma lei estivesse em sua recência, tal como o último design de um novo modelo automobilístico. Ora, estes termos não trazem nenhum significado em si mesmos, senão que apenas atestam uma determinada posição na escala de algum projeto em execução. Desta forma, quem a eles recorre possui ele próprio uma ideia clara de um objetivo final. No entanto, tal informação nos é omitida.

De qualquer modo, em seu clamor por modernidade, alega que há lacunas que precisam ser dirimidas, dentre as quais a promiscuidade entre igrejas, partidos políticos e estúdios. Assim se manifesta:

“Em alguns canais que estão aí, no ar, não dá mais para saber onde termina o templo e onde começa o estúdio, o que tem gerado distorções concorrenciais e partidárias no espaço público.

Para que o direito à informação, a diversidade de opiniões, a liberdade de expressão e a livre concorrência sejam respeitadas, igrejas, partidos políticos e emissoras não se podem misturar.”

Ouso perguntar: Por que não podem se misturar as igrejas com os partidos políticos e as emissoras? Deve o direito ao culto restringir-se a comparecer à igreja ou templo para lá rezar e orar, e só?

Possivelmente, o modelo de liberdade de expressão buccista há de reconhecer como um arrojo civilizacional a lei mexicana, que proíbe às igrejas interferirem nos assuntos políticos. É engraçado o quanto gente assim costuma associar liberdade com proibições mil!

Não lhe deve passar pela mente que a religião constitui-se justamente no fundamento moral e espiritual dos cidadãos e que para viverem-na na plenitude de suas convicções faz-se necessário o gozo de seus direitos políticos. Nos EUA, Mitt Romney tem sido alvo de críticas entre os próprios republicanos, por ser mórmon, uma religião que muitas igrejas consideram como não cristã.

Se vivemos em um país que consagra a liberdade de expressão, e consequentemente, o acesso à informação como um direito fundamental dos indivíduos, e considerando que os meios de comunicação constituem a garantia de concretização do seu exercício, então o que se há de contestar é que o direito a fundar uma empresa de comunicação reste ao crivo de um homem ou um grupo eventualmente alocado no poder, como vige hoje sob o instituto da concessão estatal.

Não há nenhum motivo plausível que justifique tamanha discricionariedade! Que o diga a RCTV e outras emissoras venezuelanas e bolivianas que já foram fechadas por seus respectivos tiranetes. Que o digam os canais de TV Canção Nova e Aparecida, perseguidos pelo Procurador da República Adjame Oliveira, que buscou com flagrante desvio de finalidade cancelar suas licenças sob discutíveis pretextos licitatórios logo depois de uma delas ter recomendado não votar no PT por este partido ser favorável ao aborto e a outra ter cancelado o programa de um político petista.

Ora, se um empresário possui os meios econômicos e técnicos para fazer funcionar seu veículo de comunicação, então onde está o problema, desde que ele não interfira no sinal de seus concorrentes ou das faixas dos serviços de segurança, tais como os das Forças Armadas e das polícias?

No tocante aos conceitos de monopólio e oligopólio, hei de concordar com o articulista quanto ao problema de sua falta de clareza, o que não significa que o remédio que hei de prescrever seja o mesmo. Com efeito, a imprecisão e a ambiguidade são a tônica da lei antitruste – digo mais: são a sua razão mesma de ser - que dela convenientemente se beneficia o governo, por meio de seu órgão fiscalizador, que no Brasil já se tornou recentemente um “super-órgão”, o “Super-Cade”, a perseguir e punir ex post facto as empresas escolhidas como os coelhos da vez. Mui propriamente, assim pronunciou-se ninguém menos do que o maior figurão do mundo financeiro contemporâneo, Allan Greenspan, (Antitrust,1962):

“É um mundo em que a lei é tão vaga que os homens de negócios não dispõem de nenhum meio de saber se certas ações específicas serão declaradas ilegais até que ouçam o veredicto do juiz – depois do fato”.

No caso das empresas de comunicação, cabe recordar que foi exatamente sob o pretexto da acusação de concentração de mercado que o Clarín foi esquartejado pelo casal mais charmoso do Foro de São Paulo, o sr. e a sra. Néstor e Cristina Kirchner.

Adiante. Que problema há que canais televisivos, rádios e jornais pertençam a políticos, ou vice-versa? Todos devem gozar do mesmo direito à opinião e aos seus direitos políticos ativos e passivos, e nenhum arranjo institucional há de garantir alguma esperada isenção, senão que uns poucos escolherão quem há de participar do jogo ou ao contrário, dele ser alijado.

Qualquer fórmula interventiva neste terreno propiciará sempre a sua aplicação parcialista pelos então donos do poder.

Para o mister da atividade política, é óbvio que transmitir as suas ideias por seu próprio meio de comunicação constitui-se em medida apropriada, e não há nada de injusto nisso, assim como se garanta aos seus oponentes a liberdade de contraporem-no da forma como puderem, tal como eu mesmo aqui faço.

Se queremos um marco regulatório que garanta o exercício material pleno da liberdade de expressão, não devemos contar com a elaboração de mais uma lei, mas sim na derrogação das atualmente existentes. O resto é engodo lançado por grupos de interesses particulares.

Klauber Cristofen Pires, 16 Dezembro 2011

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