"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 7 de janeiro de 2012

SOMOS UM PAÍS RACISTA OU UM PAÍS COM RACISTAS?

Casos como o do restaurante Nonno Paolo são manifestações individuais ou sinais representativos da sociedade? Por Felipe Varne

“Como ter preconceito no Brasil?”, perguntou Camila Pereira, 22, uma das sócias do restaurante Nonno Paolo. O restaurante, no bairro do Paraíso, na Zona Sul de São Paulo, foi acusado por um casal de espanhóis de expulsar, no dia 30 de dezembro, o filho deles, um menino negro de seis anos, adotado na Etiópia. Segundo os pais, ele foi segurado pelo braço e levado até o lado de fora do restaurante, onde foi encontrado, aos prantos, pelo casal.

Existem muitas versões para o caso do Nonno Paolo. Não se sabe se o – agora afastado – funcionário que tirou o menino do restaurante de fato o segurou pelo braço (a versão de Camila conta que a criança, que não fala português, teria se assustado ao ser abordada, e saído por conta própria). De acordo com o delegado Márcio de Castro, da 36ª DP (Vila Mariana), tudo indica que a expulsão foi “em decorrência das características da criança, configurando em tese o delito de preconceito de raça, pois impediram o acesso da criança ao local por causa da sua cor”. Segundo a polícia, na ocasião, um homem que se apresentou como gerente teria confirmado que tirou a criança do local, alegando que a confundiu com um morador de rua.

O caso, e a frase da sócia do restaurante, reabriram a discussão sobre o racismo no Brasil. Apesar de questões como as cotas raciais nas universidades, e as infelizes declarações do deputado federal Jair Bolsonaro (que afirma ter entendido mal uma pergunta da cantora Preta Gil no programa CQC da Rede Bandeirantes) trazerem o assunto à tona de tempos em tempos, o Brasil ainda é visto como uma nação onde a miscigenação conseguiu evitar que o racismo se instalasse de maneira marcante na sociedade (o que não evitaria as eventuais manifestações individuais de racismo que todos conhecemos).

É verdade que no Brasil não há grupos de extrema-direita pregando reduções dos direitos dos negros; que os neonazistas do país não passam de meia dúzia de acéfalos com um bocado de tempo livre; e que, nos anos 1960, quando Martin Luther King falava sobre seu “sonho”, as crianças brasileiras nos mais variados tons de peles já iam à escola juntas há décadas. Diferentemente de locais como o sul dos Estados Unidos, no Brasil nunca houve assentos especiais para negros nos ônibus, ou estabelecimentos com placas proibindo a entrada de negros, ou nada próximo do que se viu no regime do apartheid sul-africano.

É verdade também, segundo pesquisas anuais, que os negros no Brasil recebem salários menores, e formam a maior parte dos desempregados do país. No entanto, esses dados são contestados pela afirmação de que isso acontece não por motivos étnicos, mas sim porque os negros formam a maior parte das classes D e E, e, portanto, são menos escolarizados e menos qualificados para o mercado de trabalho, o que nos levaria de volta ao velho argumento de que o preconceito no Brasil não seria racial, e sim social. Essa afirmação, por sua vez, também é contestada: que motivo – senão o racismo – haveria para que negros formassem a maior parte das camadas menos favorecidas da sociedade?

Ontem, hoje e amanhã existirão pessoas racistas, em todo e qualquer segmento de toda e qualquer sociedade. A pergunta que não quer calar é se casos como o do restaurante Nonno Paolo são expressões individuais de racismo ou se são, de fato, representações significativas da sociedade brasileira. E não há momento melhor para se fazer essa pergunta, do que o atual: o Brasil, esse enorme país povoado por gente de todas as cores, pela primeira vez na história tem uma maioria de negros e pardos, de acordo com o censo oficial. Se somos, de fato, uma sociedade racista, o momento para reverter esse cenário, e criar anticorpos para o futuro, é este.

Caro leitor,

O Brasil é um país racista?

O preconceito existente no Brasil é mais racial ou social?

Os sócios do restaurante Nonno Paolo deveriam ser punidos pela expulsão de um menino negro confundido com menino de rua?

6/01/2012
opinião e notícia

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