"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

CAEM OS MUROS

O muro estanque da escola está para ser rompido pela web. Não há cartilha que resista ao mar da internet

SUSTO DEPOIS de susto. Assim tem sido minha rápida temporada de palestras na Europa e na África nestes dias. Tive colóquio com o Kofi Anan, entrevista para a imprensa com o econo-pessimista Nouriel Roubini e ainda encontro de meia hora com o Al Gore. Parte disso foi parar no YouTube, para quem tem tempo para essas coisas.

Cada um está apavorado com algo diferente -muitos muros estão caindo. Gore está convencido de que a Amazônia virará deserto em poucas décadas e o Chris Anderson (dono da revista "Wired" e profeta da alta tecnologia) me confessou que quer banir tablets da sala de aula.

A Palestina quer ser país, e tem parte da sua população morando numa penitenciária gigante a céu aberto. Seus muros, dos quatro lados de Gaza, são de vergonha e, por que não dizer, lamentação.

Roubini fala de revoltas sociais crescentes, como Dilma o fez na ONU. Há dúvidas se este tal de Brics sobrevive -muitos já cantam uma desintegração parcial de outro muro (muralha) -o da China.

Nem os EUA nem a Europa têm mais dinheiro para salvar os outros, quiçá eles mesmos.

Não dá tempo para evitar as colisões socioeconômicas de um mundo que comemorou a queda do muro comunista para, apenas 20 anos depois, ver ruir o muro do capitalismo puro.

Com isso em mente, cabe fazer um zoom sobre os muros da escola. Está aí, claramente, a origem e a solução desses problemas. Uma escola antiquada, sequestrada pela obstinação do fazer de conta, é fatal.

A escola como lugar onde os pais depositam seus filhos, e suas vãs esperanças, não tem futuro. Ruirá, porque seus muros são feitos do mesmo material que o de Berlim, de Gaza ou de Wall Street. Como comportas, terão que ser abertas para que as muitas águas façam uma pororoca de modernidade.

O muro estanque da escola já está para ser rompido pela fluidez da web. Não há cartilha que resista ao mar profundo da internet. O parco material enfadonho de hoje é reduzido à decoreba. Mesmo quando os métodos são atualizados, e colocados na web.

Como o mundo financeiro, Gaza ou as revoltas árabes, todos os muros caem de um dia para o outro. Muitos estão a ruir, e o estrondo começa a ser audível.

Continuar a procurar melhorias marginais na escola, a que gerou os milhares de líderes desequilibrados que ergueram tantos muros vergonhosos, é incorrer em erros que os pedreiros sempre evitaram.

Só fica de pé o muro que tem uma fundação verdadeira. Fazer de conta que se ensina, que se aprende, e que nós, pais e sociedade, estamos satisfeitos, só remenda com cimento-cola um muro que deveria ter caído há muito tempo. Olho nos muros, gente, lá vem tijolo.

Ricardo Semler
FOLHA DE SP - 26/09/11

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