MILTON TEMER
Jornalista, foi deputado federal pelo PT. Atualmente é membro da executiva nacional do P-SOL.
Marcelo Salles – Eu assisti a um debate entre você e o jornalista Maurício Dias, na TVE, em que você defendia que o PT perdeu em Porto Alegre e em São Paulo por causa da conjuntura nacional. Eu queria que você justificasse isso.
Essa eleição municipal é apenas a explicitação da questão nacional, que foi debatida em três capitais: Fortaleza, São Paulo e Porto Alegre. Ali houve o debate político. Eram capitais que, se dependesse de opiniões sobre as gestões, evidentemente que o PT não podia perder nem no Rio Grande do Sul, nem em São Paulo e não poderia ganhar em Fortaleza. Essas três situações eram claras. E aconteceu exatamente o contrário. Isso porque o debate foi nacionalizado. Fica claro que foi uma disputa de projeto nacional. Fortaleza entra porque o episódio Luzianne Lins criou um clima de crise nacional. Ela transformou a eleição num assunto nacional por conta do caráter da candidatura dela, a despeito do que dizem as pesquisas, estatísticas... Por exemplo, por que as pesquisas dizem que o governo Lula vai bem? Porque a manchete do Globo escancara que estamos na melhor situação econômica de PIB nos últimos dez anos. Agora, subir 5% em cima do PIB negativo que nós tivemos ano passado não é vantagem, a não ser que você discuta o que está por trás dessa subida. Está por trás disso um aumento de postos de trabalho eventuais e uma grande queda de renda. O PIB é construído em cima do setor predatório da economia brasileira, em cima do sistema financeiro e do agrobusinness. Os dois, concentradores de renda e predadores dos postos de trabalho. Não têm nada a ver com um modelo de sociedade democrática, progressista ou de qualquer perspectiva transformadora.
Marcelo Salles – E essa contextualização não sai na mídia?
Ah, certamente não! A mídia trabalha sem discutir, a manchete do Globo é isso.
Bruno Zornitta – Eu ia te perguntar isso, saiu no Globo: "Os números mostram uma sucessão de recordes que, dizem os especialistas, pode ser o início do espetáculo do crescimento anunciado pelo presidente Lula".
Evidentemente a dependência material do Globo em termos de publicidade do governo... O Globo, hoje, é o porta-voz do neolulismo. Nós vivemos um quadro bizarro: quem é o advogado que o governo encontrou para defender a MP do Meirelles? O mesmo advogado que o governo Collor tinha na liderança da Câmara dos Deputados, conduzindo a construção do orçamento: o Ricardo Fiúza. Do ponto de vista político, se o Ricardo Fiúza está apoiando o governo Lula e cumprindo neste governo os mesmos compromissos que cumpria no governo Collor, alguma coisa mudou. Ou a classe dominante foi pra esquerda ou o Lula passou a servir a classe dominante. O Lula, hoje, é o melhor homem que o grande capital podia ter. Nenhum presidente da República pode fazer o que o Lula faz, que é manter a concentração de renda e a taxa de lucro do grande capital e, simultaneamente, estiolar as lideranças do movimento sindical com falsas esperanças. De repente, simbolicamente, a cópia pode ter se transformado no melhor instrumento para as classes dominantes do que o foi o original. É melhor ficar com o Lula do que com o Fernando Henrique.
Marcelo Salles – Quando a gente entrevistou o Chico Alencar, ele falou que, de modo geral, os parlamentares têm medo da mídia. Como você via isso quando estava lá, como deputado?
Eu fiquei sete meses sem sair no Globo, embora tivesse muitos amigos na redação, porque eu disse, na ocasião em que houve aquela buraqueira do César Maia para botar os cabos da Net: "a TVA tem que colocar também". E a TVA acabou não entrando naquele buraco. Então, existe um problema real: eu fui muito maltratado pela mídia no primeiro ano, porque eu era um deputado radicalmente contra o Fernando Henrique. E não eram só os donos de jornais, não. Os repórteres estavam todos empolgados com o governo FH no começo. Havia uma ilusão e uma parte dos jornalistas de base me enchiam o saco. Me achavam intolerante, radical, xiita. E eu nunca cedi, porque eu acho que a relação que o político tem é com a política.
Bruno Zornitta – Você estava falando agora do Globo, em relação à cobertura da política econômica, sobre a dependência dos jornais em relação ao governo. No Globo de domingo (28/11/04) saiu uma entrevista com o ex-secretário de imprensa do governo, Ricardo Kotscho, na qual ele dizia que a imprensa é independente do governo hoje em dia. A imprensa é independente do governo?
Não é, por uma razão muito simples: se o governo parar de anunciar, o jornal fecha. Nenhum jornal resiste, hoje, à falta de publicidade oficial. O governo Lula fala em crescimento, mas por que a imprensa não vive de publicidade das empresas privadas? Se acabar Casas Bahia, Casa & Vídeo e o governo, fecham as empresas de comunicação do Brasil.
Bruno Zornitta – Ele dizia que a participação da publicidade do governo era inexpressiva.
Não é verdade, não é verdade. Aliás, não é agora, como também não era no governo FHC. O [Luiz] Gushiken pressiona os jornais, quem não o conhece acha que ele é um democrata, que não é autoritário. Eu convivi com o Gushiken em diretório e em bancada. Sei como ele é, pô...
Marcelo Salles – Pressiona os jornais como?
Pressiona telefonando e reclamando!
Marcelo Salles – É ele quem autoriza as verbas, não é?
Exatamente. O que acontece é o seguinte: se você fizer um balanço dos movimentos que foram feitos recentemente, todo aquele que opera no sentido de liberar dinheiro para a imprensa, é por ela elogiado. O que não opera por essa lógica leva porrada. Então, o [Carlos] Lessa (ex-presidente do BNDES) estava demorando a liberar o dinheiro que eles estão querendo, o Pró-Mídia. E o Lessa fez exigências. E eles caíram de porrada. Porque o Lessa aumentou o faturamento do BNDES sem entrar por esse caminho. A dívida que a Globopar tem em dólar é uma enormidade. A Globo só tem lucro com a TV aberta, que sustenta o resto.
Marcelo Salles – Eu falei ontem com o Carlos Lessa e ele disse que tentou emprestar o dinheiro, exigiu garantias até menores do que ofereceu a outros setores e, ainda assim, eles não quiseram. Já estavam acostumados a pegar empréstimos de qualquer jeito. E ele disse mais: as linhas de empréstimo para as empresas de mídia continuam abertas, não pegam porque não querem se submeter ao mínimo de exigências... Milton, eu queria que você fizesse, agora, uma análise da cobertura da mídia brasileira na reeleição do Bush.
Bruno Zornitta – Aproveitando esse gancho, eu estava lendo um artigo do Olavo de Carvalho no qual ele dizia...
Não, não comenta o Olavo de Carvalho... Isso não deve ser tema de faculdade de jornalismo. O Olavo de Carvalho não é para ser comentado. São paradigmas da irracionalidade absoluta. Eu nem levo em conta o que esse cara diz. E eu acho uma tragédia que o Globo tenha entre seus colunistas ele e o Denis Rosenfeld toda semana.
Mas vamos à pergunta do Bush. Isso aí não tem saída. Não há duvida de que os fatos mundiais assumem hoje no noticiário uma importância muito grande. Por exemplo, eu estou preocupadíssimo com o que está acontecendo na Ucrânia. Ela pode se transformar naquilo que a Alemanha foi na Guerra Fria, por ali estar se gerando um pólo de atrito entre duas potências no campo nuclear: a Rússia e os Estados Unidos. Então, o que acontece nos EUA não está alheio a nós. Agora, o que eu sempre escrevi nos meus artigos foi o seguinte: não se iludam com o Kerry. Mas eu achava fundamental derrotar o Bush, pelo simbolismo. Então, eu acho que a mídia brasileira não embarcou nas posições reacionárias. Pelo contrário, passou ao povo brasileiro a imagem de Bush ser o instrumento desses setores mais atrasados. Quer dizer, não houve uma desqualificação dos setores de oposição ao Bush.
Marcelo Salles – Mas você não acha que teve muito espaço?
Na verdade, apareceu porque a sensibilidade geral era anti-Bush. Eu não vi nenhum jornal embarcar na defesa do Bush como sendo o melhor para o Brasil.
Bruno Zornitta – No dia 16 de setembro, eu tive a oportunidade de as-sistir a uma palestra sua na ABI cujo tema era "O jornalista e a ética na infor-mação"...
Aliás, você é o SNI atrás de mim... (Risos)
Bruno Zornitta – ... E nessa palestra você falou da importâ-ncia da ho-nestidade e não da isenção do jornalista. Então eu queria saber, dentro desse contexto, o que você acha da qualidade do jornalismo praticado pela revista Veja.
A Veja é uma revista que entrega sacanagem. Eu diria que desde a saída do Mino Carta ela virou isso. Aliás, dessas revistas, a única que eu levo a sério é a CartaCapital. Não concordo com tudo, mas é uma revista feita dentro de uma perspectiva republicana. Dessas revistas que dependem de publicidade pública, a única que se mantém autônoma é a CartaCapital. Aliás, isso é uma coisa positiva no governo Lula: ele dá a mesma coisa para todas. E ela, nem por isso, se rende ao governo Lula. É uma revista independente e autônoma.
Marcelo Salles – As outras não?
As outras não são para ser levadas em conta. Trabalham na paranóia individual dessa sociedade em que o corpo passou a ser a preocupação de cada um e não o caráter social.
Marcelo Salles – E as alternativas para 2006?
Temos que sair da falsa disputa entre PT e PSDB. Não sei qual deles é melhor para a Av. Paulista, pois têm a mesma ideologia. O PT e o PSDB não divergem ideologicamente, divergem politicamente. Há viabilidade de uma candidatura de esquerda? Eu acho que a melhor opção é a senadora Heloísa Helena.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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