"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

EX-CORREGEDOR DO CNJ, GILSON DIPP FALA SOBRE A PUNIÇÃO AOS MAUS JUÍZES

O Conselho Nacional de Justiça enfrenta sua maior crise. Seu poder de investigar magistrados é questionado em ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na semana passada, a corregedora do CNJ, Eliana Calmon, encarregada do embate com maus magistrados, fez críticas à ação. “É o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que está com problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga”, disse.
O presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, liderou a elaboração de uma nota de repúdio às declarações. Antecessor de Calmon no cargo,

Época – Qual é o problema do CNJ?

Gilson DippÉ o ataque que está sendo feito por associações, por juízes que não se sentiram confortáveis com a atuação do Conselho. Não apenas no âmbito disciplinar, mas naquele que verificou se existe nepotismo nos tribunais, se o teto remuneratório vem sendo obedecido, se a convocação de juízes pelos tribunais superiores está adequada, se as licitações foram bem realizadas, se os contratos de construção de fóruns estão regulares.

Época
– Sempre houve resistências ao CNJ?

Dipp – O problema é que agora existe uma divisão interna de ideias em torno de sua existência e dos limites de suas atribuições. O presidente do Conselho tem uma visão um pouco mais ortodoxa, um pouco mais conservadora quanto à existência do órgão de controle, o que de certo modo reflete uma magistratura mais tradicional. Por outro lado, existem os conselheiros, vindos de várias camadas, que também têm suas opiniões. Falta habilidade política do presidente, da corregedora e dos conselheiros para compor eventuais divergências para fortalecer o CNJ. As divergências são acentuadas, e há uma dificuldade de expressá-las.

Época –
Há falha de comunicação entre os conselheiros?

Dipp –
As coisas devem ser ditas de maneira clara, aberta e transparente, mas devem ser ditas com respeito. A censura imposta pelo Conselho à ministra Eliana Calmon não foi propriamente à atuação dela como corregedora, mas ao modo como ela se expressou, ao modo como tem agido. Usar palavras e expressões fortes demais atinge a sensibilidade, mesmo daqueles que não têm motivo para se sentir ofendidos.

Época – A ministra Eliana Calmon perdeu apoio?

Dipp – Não diria que ela está isolada, mas a ministra pode ter, a partir de agora, sérias dificuldades de atuar, principalmente nos processos disciplinares. Ela terá de ter muito cuidado, muita atenção para reconquistar a confiança do colegiado. E, sem o colegiado, nada funciona. Posso até abrir uma sindicância e, na hora de instaurar o processo disciplinar, o colegiado não me acompanha. E isso é extremamente danoso para a imagem do Conselho. Espero que seja um episódio passageiro, que todos tenham aprendido a lição. Conheço todos eles e sei que são pessoas que visam ao bem e ao aperfeiçoamento da magistratura. É preciso que seja superada quanto antes esta fase. O CNJ e seus conselheiros permanecerão. É um caminho sem volta.

Época – Há uma tendência entre os ministros do STF de diminuir os poderes do Conselho?

Dipp – Procurar reabrir uma discussão sobre os poderes disciplinares do CNJ não faz sentido. O Conselho representou um grande avanço para a magistratura brasileira. Repito: o CNJ é um caminho sem volta, não importa quem passe pelos cargos de direção. Agora, o que vai enfraquecer o órgão é essa divisão interna. Se o Conselho não tem uma uniformidade de pensamento sobre as políticas públicas, inclusive as disciplinares, esse Conselho não vai ser respeitado.

Época – Por que a divisão de ideias enfraquece o CNJ?

Dipp – A divisão interna favorece a volta de um corporativismo que ainda existe em alguns segmentos do Judiciário, seja em termos administrativos, orçamentários ou disciplinares. Se o Conselho entra num processo de enfraquecimento interno – e transparece essa fraqueza para o público externo –, possibilita que algumas entidades, alguns juízes voltem a ter uma atitude arraigada de corporativismo.

Época – Mas e o argumento de que o CNJ é inconstitucional?

Dipp – A Emenda Constitucional 45 foi muito clara em seus dizeres e finalidades. O CNJ foi criado para exercer o controle administrativo, orçamentário e disciplinar do Judiciário. A investigação do CNJ tem de ser concorrente com a das corregedorias dos tribunais de Justiça. Ele pode investigar na omissão dos tribunais, concorrentemente com os tribunais ou avocando processos que estão nos tribunais e não são conduzidos de maneira adequada. O Conselho tem também o poder originário de investigar em determinados casos. Não foram poucos os tribunais de Justiça que não tinham processo disciplinar. Não foram poucos os casos que o CNJ investigou em que havia sérios indícios de violação à Lei Orgânica da Magistratura quanto à conduta de um juiz. É claro que, num universo de 16 mil juízes, haver condenações de 45, 50 não é nada. Mas são casos graves. É essencial que sejam mantidas a competência do CNJ e sua corregedoria.

Época –
A quem interessa que o CNJ tenha menos poderes?

Dipp – Interessa aos maus juízes, àqueles que alegam que o CNJ fere a autonomia dos tribunais. Acha que foi fácil os tribunais abrirem suas portas para ser inspecionados pelo Conselho? Que foi fácil o Conselho fazer políticas de gerenciamento e criação de órgãos de controle interno, de verificação de como está o andamento de processos disciplinares? Se os tribunais tivessem agido dentro de suas atribuições, se as corregedorias tivessem atuado, evidentemente a atuação do CNJ seria menor. O Conselho só atuou mais incisivamente pela omissão de alguns tribunais.

Época – O senhor teve dificuldades para desempenhar suas funções de corregedor?

Dipp – Nunca. O que pode ter havido, eventualmente, é a gente notar um desconforto de um ou outro desembargador, de um ou outro presidente, de um ou outro corregedor. Mas jamais me bateram a porta na cara.

Época – O senhor sofreu resistências dentro do Conselho?

Dipp – Nunca tive nenhuma dificuldade. A Corregedoria teve sempre o apoio para suas políticas, inclusive as disciplinares. Decisões do plenário, fossem para aposentar compulsoriamente gente muito importante – um ministro do STJ, por exemplo – ou para a abertura de processos administrativos disciplinares, eram tomadas à unanimidade.

Época – Qual é o maior feito do CNJ?

Dipp – Fazer a radiografia do Judiciário brasileiro. Fazer com que o Judiciário se conhecesse, estipular políticas públicas de planejamento, gestão e transparência. O que o CNJ fez foi tomar medidas para que os tribunais se aperfeiçoassem.

Época – O CNJ abriu a caixa-preta no Judiciário?

Dipp – Não há caixa-preta, mas havia falta de transparência. O Judiciário no Brasil é complexo. Existe uma Justiça Federal, uma Justiça Estadual, do Trabalho, Eleitoral, Militar da União, Militar dos Estados. Diria que o Judiciário era muito pouco conhecido da população. Era muito pouco conhecido dos órgãos administrativos do próprio Judiciário – e tinha, sim, uma série de falhas, como nepotismo, desrespeito ao teto constitucional, pagamentos indevidos. E a transparência dada ao Judiciário foi por meio do CNJ. Isso pode desagradar a muitos. E nem sempre é por mal. Alguns têm um certo pudor de demonstrar suas deficiências. Isso vale para grandes tribunais. O CNJ foi feito a favor da magistratura, não contra.

Fonte: revista “Época”
3 de outubro de 2011

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