"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (Parte 5)

A decadência do keynesianismo

A rápida recuperação europeia do pós-guerra até hoje é vista como a prova incontestável da eficiência das medidas keynesianas no “aprimoramento” do capitalismo (ou na “salvação do capitalismo”, mérito reivindicado pelo próprio Keynes).

De fato, os bilhões de dólares do Plano Marshal investidos na recuperação européia e japonesa foram importantes, mas não foram a verdadeira causa da fantástica recuperação do bloco capitalista nas décadas 50 e 60.

Claro que os milhares de empregos gerados nas obras públicas de recuperação da infra-estrutura destruída pela guerra foram decisivos para o “milagre europeu”. No entanto, a base do rápido crescimento da chamada “era de ouro” do capitalismo foi a forte demanda de consumo reprimida pela guerra.

Se considerarmos que a população europeia tinha um nível educacional muito acima da média mundial e agora contava com crédito norte-americano para dar o start inicial na recuperação da economia, foi criado então ambiente ideal para o rápido crescimento: forte demanda interna + mão-de-obra qualificada + crédito.

Aliás, algo bem parecido com o que houve na economia brasileira em 2010 (tirando a mão-de-obra qualificada, claro). A recessão que levou nosso PIB a decrescer 0,6% em 2009, além de criar um patamar mínimo de comparação (já que o PIB diminuiu) criou uma forte demanda de consumo para o ano seguinte. Como resultado, a população que estava cautelosa, esperando o desdobrar da crise, voltou às compras com força, criando o ambiente de euforia verificado em 2010.

No caso da Europa, a demanda reprimida era infinitamente superior, pois não se tratava de comprar novos bens, luxos ou supérfluos e sim comprar bens essenciais que foram totalmente destruídos na guerra. Ou seja, não seria esgotada de um ano para outro. Demoraria, pelo menos, uma década, como de fato aconteceu.

O problema do crescimento muito acelerado é que ele não é auto-sustentável a longo prazo. Aos poucos, a população foi recuperando tudo que havia perdido, de modo que a euforia inicial de crescimento foi perdendo força a cada ano, até chegar às pífias taxas de crescimento do final dos anos 70.

Os dados são ilustrativos: na década de 50 a Europa cresceu a uma média de 5,8%, portanto bem acima da média mundial que foi de 4,3. Na década de 60 ocorre a inversão, pois a média de crescimento da Europa cai para 4,5% e é ultrapassada pela média do crescimento mundial que chegou a 5,5. Ou seja, a demanda europeia já começava a dar os primeiros sinais de saturação.

O mesmo ambiente descrito para a Europa vale também para o Japão. No entanto, o país asiático registrou taxas muito superiores à Europa e ao mundo. O Japão dos anos 50 e 60 eram a China dos dias atuais, registrando uma média de crescimento de 8,2% na década de 50 e 10,9% na década de 60.

E assim como a China de hoje, que baseia sua economia na exportação de produtos industrializados, o Japão dos anos do pós-guerra foi o precursor do modelo. Aliás, o Japão foi um outro fator que influenciou na redução das taxas de crescimento europeia nos anos 60 e 70, pois o país asiático, com uma economia voltada para a exportação e uma forte vocação para poupança, começou a minar os mercados europeus (e norte-americano) por sua altíssima competitividade.

Por contraditório que possa parecer, o aumento expressivo da renda-per-capta também contribuiu para a decadência européia. Se por um lado, o aumento da renda da população significa aumento do poder de compra, por outro, diminui a competitividade da economia, uma vez que a mão-de-obra fica também mais cara. Este efeito foi sendo intensificado a cada ano, à medida em que a globalização avançava e possibilitava o surgimento de novos concorrentes, com mão-de-obra qualificada, porém bem mais baratas.

Por fim, as economias europeias foram as primeiras a sentirem os efeitos da mudança do perfil da pirâmide etária. A medida em que a melhoria do padrão de vida europeu e dos progressos da medicina aumentavam as expectativas de vida da população, por outro, os casais passaram a ter menos filhos, uma conseqüência direta do aparecimento da pílula anticoncepcional e demais métodos de contraceptivos. O resultado final da combinação destes dois fatores foi um significativo aumento da população aposentada em relação à população economicamente ativa.

Com os gastos sociais turbinados por anos e anos de “conquistas sociais”, aos poucos, as economias europeias começaram a apresentar déficits previdenciários, numa escala progressiva e contínua. Ficava claro que alguma coisa teria que ser feita para reverter tais tendências. Os keynesianos não sabiam mais o que fazer. E foi então que os liberais começaram a ressurgir das cinzas.

O prêmio Nobel de economia de 1974, dividido entre o keynesiano Gunnar Myrda, considerado o maior expoente da Social-democracia, e o liberal Friedrich Hayek, que desde os anos 30 criticava o keynesianismo, ilustra bem o momento de transição em que a economia europeia se encontrava em meados dos anos 70.

A confirmação de uma crise anunciada

Desde o surgimento do keynesianismo os liberais transformaram-se nos “cavaleiros do apocalipse”. A certeza de que o modelo europeu entraria em crise era tanta que os mais renomados liberais da época reuniam-se periodicamente na Suíça para discutir os rumos da economia mundial e testar suas hipóteses.

O mais célebre livro de Hayek, “A caminho da Servidão”, exagerou no pessimismo. Partindo da premissa de que “todas as formas de coletivismo, seja o nazismo ou o socialismo, levam inevitavelmente à tirania e à supressão das liberdades” (o que de fato ocorreu nas experiências nazista e comunista) Hayek acabou, de certa forma, generalizando suas previsões sombrias também para o keysianismo.

Um exagero, sem dúvida, pois a história mostrou que as democracias europeias não sofreram nenhum arranhão. Porém devemos considerar que as críticas de Hayek focavam no planejamento econômico estatal e não nas políticas sociais, as quais se tornaram a marca mais visível da Social-democracia. É claro que estas pesaram também na decadência das economias europeias (o que confirma também as teses liberais), mas, de um modo geral, mesmo nos países mais keynesianos (como os escandinavos, por exemplo), a liberdade econômica, as facilidades para criar empresas, as baixas taxas de importação, a desregulamentação do mercado de trabalho (características essencialmente liberais) prevaleceram, de forma que, apesar das altas cargas tributárias, tais governos concentraram os esforços nas políticas sociais, e não nos meios de produção, felizmente.

De um modo geral, portanto, as previsões dos liberais se confirmaram. E não apenas para a Europa, mas, principalmente, para os Estados Unidos, cuja economia já apresentava déficits crescentes em plena era de ouro do capitalismo. Tal quadro levou os norte-americanos abolir, em 1971, a conversibilidade entre o dólar e o ouro, fato este que teve um peso significativo para a eclosão da Crise do Petróleo, em 1973, ano que marca o início de uma nova era de crises, caracterizada principalmente pela combinação mais perversa que pode ocorrer na economia: estagnação + inflação.

Mas este já é assunto para um novo post. Até o próximo sábado.

Amilton Aquino

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