No final do seu mandato, Lula repetia incansavelmente que ao se tornar um ex-presidente iria desencarnar e deixar de dar pitacos. Mais do que isso, iria mostrar como ser ex-presidente aos demais – recado dado a Fernando Henrique Cardoso, o eterno alvo das injúrias que ele dirigia aos governos anteriores, o que curiosamente não incluía Collor ou Sarney.
Dilma não chegou a um ano de governo e Lula já aparece despachando com ministros dela, dando pitaco sobre relações com a base aliada, viajando pelo país em clima de campanha e repetindo que ela só não será candidata a reeleição se não quiser, como que já deixando claro a torcida pelo não.
Quando dá muito na cara ele se refugia um pouco, mas logo depois volta aos holofotes. Isso só ajuda a passar uma imagem de fraqueza de Dilma – que precisa se “aconselhar” com Lula, como acontece frequentemente.
Lula nem por um segundo deixou o palco político, nem no plano maior, o governo federal, nem em praças menores, como a disputa pela prefeitura de São Paulo, em que já indicou o seu candidato.
A sua presença sufocante retira de Dilma a liderança que ela deveria exercer, e do país a certeza de que a presidência é ocupada pela eleita, e não pelo padrinho.
Lula deveria seguir o exemplo de George W. Bush. Sim, ele mesmo, o texano, um dos mais polêmicos e rejeitados presidentes dos Estados Unidos. Mas, como ex-presidente, sua atuação tem sido intocável. De estadista mesmo.
Bush deixou o poder em 2009 com baixa popularidade e não fez o seu sucessor. Obama ascendeu ao poder como um fenômeno de mídia e popularidade, debitando na conta de Bush tudo que de ruim havia nos EUA. Inexperiente mas muito carismático, Obama foi eleito prometendo o céu, dizendo que “sim, nós podemos”. Guerra no Iraque e Afeganistão? Sim, nós podemos sair de lá. Crise econômica e desemprego? Sim, nós podemos voltar a crescer. Crise fiscal? Sim, nós podemos equilibrar o orçamento.
Passados três anos de governo, Obama não fez nada disso. O prêmio Nobel da Paz continua com a presença militar em todos os países que havia antes e conseguiu até entrar na Guerra da Líbia, gastando outros bilhões em bombas da Otan, algumas que acertaram civis e até uma escola de crianças com síndrome de Down. A economia é um dos maiores calos do presidente americano.
O desemprego está mais alto do que quando Bush deixou o poder e o receio atual é de entrar novamente em recessão. E quanto ao rombo do orçamento, esse é melhor nem falar.
Em grossos números, a dívida americana subiu US$ 4,9 trilhões nos oito anos do governo Bush e US$ 4 trilhões nos três anos do governo Obama. Com os juros quase nulos dos papéis do tesouro americano, esse acréscimo foi resultado de novos gastos e não o custo de rolagem da dívida.
A recente crise política para aumentar o limite de endividamento dos Estados Unidos é apenas um reflexo da gastança do governo Obama, que nem assim conseguiu reativar a economia (e parece querer insistir no erro).
A retumbante coleção de fracassos de Obama seria um prato cheio para George Bush. Seria fácil para Bush sair por aí dando entrevistas e desafiando o atual presidente a fazer melhor do que ele. Ou dar pitacos na condução da política econômica.
Mais fácil e prazeroso ainda seria mostrar as contradições e erros e até comentar os pedidos de desculpas que Obama se viu forçado a fazer ao público americano.
O mais notável foi quando o atual presidente dos Estados Unidos pediu aos congressistas para aumentarem o limite de endividamento do país, coisa que ele como senador por Illinois votou contra durante o governo Bush. Não é a toa que, em outubro de 2010, pesquisa feita pela CNN mostrou empate técnico para a pergunta de quem foi melhor presidente, Obama ou Bush.
Obama pode ter todos os problemas no governo, menos um: a sombra de um ex-presidente que lhe persegue. Fora do poder, George Bush escreveu um livro, inaugurou uma biblioteca e se uniu a Bill Clinton num esforço humanitário no Haiti.
Ao lançar o seu livro de memórias best seller (Decision Points, 2010), ele deu dezenas de entrevistas. Naturalmente, foi perguntado o que achava do governo Obama e instado a criticar a atual administração. Como se viu, não faltaria assunto.
Mas Bush preferiu dizer que ele sabe como é difícil governar os Estados Unidos e que não contribuiria com o país nem com o presidente Obama se ficasse criticando-o. Bush nem mesmo ficou no partido Republicano querendo apitar sobre os rumos da oposição ou pedir a aliados que o ficassem defendendo de eventuais críticas. Ele, de fato, desencarnou.
É possível não gostar de George Bush e do governo que ele comandou e ainda assim reconhecer que o seu papel de ex-presidente está corretíssimo. Ele engradece a democracia americana.
Da mesma forma, muitos podem gostar da figura de Lula e do seu governo e reconhecer que, como ex-presidente, Lula faz um grande desserviço à sua sucessora e ao país. Ele apequena, ainda mais, a jovem democracia brasileira, nos aproximando do modelo russo de Medvedev e Putin.
Renato Lima, 03.10.2011
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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