"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

RECADO A EMIR SADER

Recado de João Roberto Gullino em resposta a artigo de Emir Sader
- “É o social, estúpido” no final da página -

Senhores responsáveis pelo jornal “Diário da Manhã” - GO

Como não possuo o endereço do Sr. Emir Sader, estou enviando à V. Sas. para que encaminhem minha resposta ao artigo dele - “É o social, estúpido” - pois, a rigor, como me senti atingido, deveria ter o direito de resposta, mas não vou pedir tanto, pois aqui faço uma observação: - quando os cartunistas Ziraldo e Jaguar foram contemplados com a bolsa-ditadura e criticados, a imprensa divulgou acusação de Ziraldo (que tem a minha idade) de que aqueles que ficaram passivos eram “covardes”, pois ele tinha tido a casa invadida pela polícia. Minha defesa não teve espaço nos jornais pois, se não mancomunei na época, é porque tinha responsabilidade de família já que, enquanto Ziraldo na infância empinava pipa e subia nas goiabeiras da vizinhança lá em MG, eu, no Rio de Janeiro, tinha minha casa invadida pela polícia de Vargas e era humilhado na rua pelo pecado capital de ser filho de italiano – portanto, Ziraldo não sabe nada do que é sofrimento, como talvez este senhor Emir Sader também não saiba nada sobre o que seja, realmente, “problema social” diante de tanta miséria que campeia no país para se desviar milionárias verbas da saúde e da educação, pois, por sua cartilha, a democracia é via de mão única – ou aceita sua opinião ou se é “estúpido”. E se não o classifico igualmente dentro de suas convicções políticas, é porque respeito seu direito a tal e porque recebi educação de família.

Grato pela atenção, João Roberto Gullino
Petrópolis,RJ


SenhorEmir Sader,

Não sei como cópia de seu artigo veio parar na minha caixa postal – talvez pela relação constante no blog “O esquerdopata” onde lá estou à disposição das hienas petralhas - por isto, tenho que me dirigir à sua pessoa como autor do texto. Como ele é endereçado aos opositores de Lula e do PT, pelo tema abordado, julgo-me no direito de me defender já que não me considero estúpido – pelo menos sobre o tal tema pois a palavra “estúpido” – neste caso - não deixa de ser um sinônimo grosseiro de ignorante e, todos nós sempre somos ignorantes em algum segmento.

Já diz uma frase por demais batida de que “uma mentira repetida várias vezes torna-se verdade”, por isto, para início de conversa, martelar sobre um suposto prestígio nacional de Lula de 87% é “samba de uma nota só” pois tal índice foi-lhe outorgado durante seu cargo por órgãos duvidosos e, se assim não fosse, Dilma Rousseff teria vencido no primeiro turno e não depois de dispendiosa campanha, muitas promessas e mentiras, a duras penas. Certamente, por sua formação, deve saber quem foi Disraeli (Lula nem faz idéia) que, já no seu tempo, dizia que “existem mentiras, grandes mentiras e estatísticas” – assim, acredito que tal percentual esteja incluída na faixa das “grandes mentiras” .

Quanto ao prestigio usufruído por Lula no exterior – o povão ignora – foi promovido pelo “quase assassino de embaixador ”Franklin Martins que contratou, a peso de ouro, uma das mais importantes agências estadunidenses de propaganda para providenciar tal projeção. Aqui um parêntese: o curioso neste caso é que o PT tem ojeriza aos EU e no entanto foi lá que encontrou quem com ele se mancomunasse – é a força do dinheiro.

Muito bem. Mas sobre o título de seu artigo ´”É o social, estúpidos!” , gostaria que me explicasse o que o PT entende por social – será que os aposentados do setor privado não estão incluídos nesse segmento? Pois aos 79 anos, aposentado com 8 recebo agora 3 s/m e, acredito, com o reajuste desproporcional para o ano que vem, deverei passar para 2,5 s/m, apesar de ter uma gravação em vídeo de Lula, na campanha, prometendo restaurar as aposentadorias originais e, depois de empossado, veio com a eterna mentira que se tornou verdade até para os grandes economistas de que a Previdência é deficitária. E quem faz tal observação não são minhas elucubrações mas baseado em informação, por escrito, do seu companheiro, senador Paulo Paim. E digo mais – se fosse deficitária, Lula não teria desviado da Previdência mais de 200 bilhões de reais – ainda conforme declaração do senador, na tribuna, em setembro de 2009 de que, até 2008 teriam sido 147 bilhões, portanto, podendo se deduzir com toda a farra aos cofres públicos durante 2009/2010, que deve ter ultrapassado tal cifra.

Sabe, senhor, pela minha visão, o que Lula fez “pelo social” foram migalhas retiradas dos tapetes palacianos, após lautos jantares com o empresariado e os banqueiros que nunca lucraram tanto como nesses últimos 9 anos. Assim, ele comprou o povão com suas bolsas-migalhas, levando a maioria à ociosidade, comprou a “sociedade” empresarial, comprou o judiciário onde ele sempre limpou seus pés sujos de lama; comprou os partidos políticos que melhor seria denominá-los de facções e tantos outros segmentos – só não conseguiu comprar os cidadãos de bom senso e desinteressados pois, parece que o grande milagre brasileiro é entrar-se na política pobre e sair-se milionário – é curioso, não? Porque eu sou um dos inúmeros “otários” deste país – o pouco valor que dou ao dinheiro é somente aquele que ganho honestamente e minha revolta contra o governo é o desvio dos valores das aposentadorias em beneficio de novas concessões a quem nunca contribuiu – hoje me considero um indigente do INSS pela esmola “social” que recebo, apesar de minhas régias contribuições no passado. E sempre questiono – o que um político faz com 1.800 reais? Se não for muito exigente, como Lula, comprará talvez uma garrafa de vinho.

Sabe, senhor, lamento a visão enviesada que o PT tem sobre os feitos de Lula durante seu governo. Esbanjou cerca de 40 bilhões de reais perdoando e doando para diversos países para se promover junto à ONU enquanto aqui dentro a miséria ainda campeia. Enquanto viajava e fazia doações, milionárias, seus conterrâneos de Alagoas e Pernambuco, atingidos pelas enchentes do ano passado ainda estão morando em tendas; as poucas casas construídas no nordeste pelo bendito PAC se esfarelaram após quatro meses de habite-se. Obras feitas no porto de Manaus desmoronaram como um castelo de cartas e, diante das inúmeras tragédias ocorridas durante seu governo, covardemente se escondeu e só marcou presença uma semana depois, como foi o caso da TAM e das enchentes do nordeste. E, diante de tantas tragédias, tanto ele como Dilma, vão lá fora querer ensinar como se governa, pois aqui “tudo está às mil maravilhas”. E agora ele, dormindo em berço esplêndido, acolchoado com a mentirosa pesquisa de 87%, desafia – lá de fora – as forças armadas, num palavreado baixo, por demais vulgar, pois parece que até elas já estão compradas ou se transformaram em “forças apáticas” que nenhuma defesa mais farão pelo solo pátrio, diante da avassaladora invasão “socialista” que espolia o povo com impostos escorchantes, aumentando cada vez mais. Apesar de J. Scherr que dizia: “Os rebeldes de ontem são sempre os déspotas de hoje” , de minha parte, prefiro definir-los com o fecho de um soneto: “ Somos seres incógnitos no impasse / por sempre se sentirem todos castos / só esquecendo a máscara na face.”

Portanto, senhor, sinceramente não entendi a que “social” se refere e quem seriam os destinatários “estúpidos”.

João Roberto Gullino - Petrópolis, RJ


***

É O SOCIAL, ESTÚPIDO / ARTIGO TENDENSIOSO DE EMIR SADER

Coerentemente com sua incapacidade de explicar o prestígio nacional de Lula — 87% depois de ter deixado de ser presidente —, a direita — tanto a partidária, quanto a midiática — não consegue explicar que o prestígio é a mais segura possibilidade de que Cristina Kirchner triunfe nas eleições do próximo domingo, 23 de outubro, reelegendo-se presidente da Argentina e inaugurando — como no Brasil — o terceiro mandato do ciclo atual de governos pós-neoliberais no país vizinho.

Todos os argumentos foram esgrimidos: o luto pela morte de Néstor Kirchner — ocorrida há mais de um ano, insuficiente para dar conta da contínua subida da popularidade de Cristina; a corrupção, que cooptaria grande quantidade de gente incapaz de dar conta de um apoio popular generalizado a Cristina; a conjuntura econômica internacional. Esta volta a se tornar um condicionante negativo, mas a economia argentina continua a ser a que mais cresce no continente. Resta a idiossincrasia argentina, uma espécie de sentimento de autodestruição inato dos argentinos, que adorariam acelerar a suposta decadência do seu país.


Em suma, apelou-se para argumentos infrapolíticos, antropológicos, psicanalíticos, tangueiros, mas não conseguem entender, menos ainda explicar, por que um governo que a mídia brasileira e argentina — irmãs gêmeas (*) — execra conseguirá se reeleger nas eleições do fim deste mês, com mais de 40% de diferença para o segundo colocado. (*) É o caso daquelas irmãs gêmeas em que o DNA é atropelado pela rivalidade.
A razão é que seria uma confissão dramática — e quase suicida para as elites — do óbvio: o Brasil e a Argentina tiveram substancial melhoria nas condições de vida da massa da população e esse é o “segredo” conhecido por todo o povo do sucesso dos seus governos atuais. Enquanto (só para tomar os presidentes depois da restauração da democracia nos dois países) presidentes como Ricardo Alfonsín, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso e Fernando de la Rúa saíram enxotados e repudiados pelo povo, Lula, Néstor e Cristina Kirchner terminaram ou terminam seus mandatos com majoritário apoio popular, apesar da oposição da velha mídia monopolista. Sarney (mandado tomar no c... no Rock in Rio e maior devorador da União) e Collor (expulso da presidência por impeachament) são suficientes para desmerecer o que escreve o autor do artigo.
A razão do sucesso desses governos — da mesma forma que dos outros governos progressistas da América Latina — reside nas políticas sociais, no ataque à característica mais marcante historicamente dos países do nosso continente: o de ser a região mais desigual do mundo. Aí reside o “segredo” das transformações levadas a cabo por esses governos e que explicam sua popularidade. Uma situação radicalmente contrária à dos governos que os antecederam e que implementaram ou deram continuidade ao modelo neoliberal.

Até mesmo essa direita reconhece que a distribuição de renda melhorou substancialmente desde o início desses governos, que o poder aquisitivo dos salários cresceu ao longo desses mandatos, que os contratos formais de trabalho aumentaram sempre na década passada, revertendo, em parte, as desigualdades e exclusões sociais dos governos que os antecederam.

A dificuldade para que a direita — de lá e de cá — reconheça esse aspecto (o enorme processo de democratização social em curso nos nossos países) significaria automaticamente reconhecer que, quando governaram — com ditadura ou com democracia —, perpetuaram ou até mesmo pioraram a situação da massa da população. A desigualdade histórica que marca o nosso continente é produto dos governos das elites tradicionais. Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais — partidos e mídia. Daí que estejam condenados a enganar-se e, assim, à impossibilidade de compreensão do que são nossos países e toda a América Latina hoje. Daí a situação de impotência, desconcerto e divisão que afeta a direita nos dois países e em grande parte do continente.

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