"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 13 de novembro de 2011

QUEM AMA LUPI?

Ninguém merece um ministro assim no Trabalho, pasta que requer equilíbrio e capacidade de negociar.

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já se tornou a figura mais patética do ministério de Dilma. Um feito impressionante num grupo que teve em cinco meses seis baixas: de 7 de junho até hoje, caíram Palocci, Nascimento, Jobim, Rossi, Novais e Silva. Só um caiu por ser inconveniente, o ministro Jobim, gaúcho de alma tucana. O resto foi por acusações de corrupção e desvio.

O processo de desgaste segue roteiros parecidos. Alguns se debatem mais, por amor incondicional ao poder. De Lupi, suor e bravatas escorrem pelos poros. Ele bate no peito, espuma, grita. Mas não explica nada.

“Sou osso duro de roer. Quero ver até onde vai essa onda de denuncismo.” “Daqui ninguém me tira. Só se for abatido à bala. E tem de ser bala de grosso calibre, porque eu sou pesado.” “Morro, mas não jogo a toalha.” “Conheço a presidente Dilma há 30 anos. Duvido que ela me tire. Nem na reforma ministerial.” “Bola da vez? Só se for a bola sete, a bola da vitória.” “Peço desculpas à opinião pública, que fica com a imagem de que sou louco, um tresloucado.” “Presidente Dilma, me desculpe se fui agressivo. Dilma, eu te amo.”

Ninguém merece um ministro assim no Trabalho, uma pasta que requer equilíbrio, habilidade, capacidade de negociar e analisar as reivindicações de trabalhadores. Lupi – como todos os outros – se considera vítima de perseguição. Até do próprio partido, o PDT, dividido entre o pessoal de raiz e os oportunistas.

O motivo da perseguição é inacreditável. Querem derrubá-lo por puro preconceito de classe. Por ser “ex-jornaleiro”. Todo jornalista tem um apreço especial pelos jornaleiros. São eles que, nas bancas, ajudam ou não a impulsionar a venda avulsa. Mas Lupi hoje detesta a imprensa.

Não tenho ideia de como Lupi (“sou italianão, sou atirado”) se comportava como jornaleiro nos anos 1980, quando conheceu Brizola. Eu nem sabia disso, para falar a verdade. Sei que ele foi secretário de Governo de Garotinho. E que o Ministério do Trabalho, comandado por ele há quase cinco anos, teria um esquema de tabela de propinas para liberar recursos a um instituto no Rio Grande do Norte. E teria assinado convênios irregulares com ONGs investigadas pela Polícia Federal e denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais. Isso é o que veio à tona.

Ninguém merece um ministro assim no Trabalho, pasta que requer equilíbrio e capacidade de negociar
Sei que os detalhes estão ficando meio repetitivos e chatos para os leitores – mas é nos detalhes que o diabo mora. É preciso alertar para o ridículo. Não tem sentido dar quase R$ 1 milhão de sinal, no ano passado – num convênio de R$ 2 milhões –, para uma organização em Confins, Minas Gerais, treinar 2.400 operadores de telemarketing. E descobrir, um ano depois, que só pouco mais de 200 pessoas tinham feito o curso até ontem. Fico pensando o que se ensina nesse curso de telemarketing. Como é fácil “captar” dinheiro neste Brasil generoso. O enredo é tão semelhante às quedas anteriores de ministros que está explicada a treslouquice de Lupi.

Dilma, numa solenidade recente, nem sequer olhou para Lupi quando ele puxou e beijou sua mão. Mais constrangedor que o desafio público de um subordinado é o puxa-saquismo meloso e explícito. A presidente não parece gostar dessas demonstrações. Ela quase perdeu o rebolado quando repórteres lhe perguntaram sobre a declaração de amor de Lupi e a crise no Ministério do Trabalho. Sorriu. “Vocês vão me perguntar isso nesta altura do campeonato?” e citou as palavras de “um líder gaúcho antigo” para negar qualquer crise com Lupi: “O passado passou”.

Não sei se Lupi é passado, mas não parece ser futuro. Não é o futuro que esperamos para o Brasil. No presente, o Planalto resolveu, na última hora, fazer a portas fechadas um seminário internacional em Brasília que reunirá 60 ONGs. Sem a presença de bloquinhos, gravadores e câmeras indiscretas.

Os brasileiros se dividem entre quem não aguenta mais tantos escândalos... e os que esperam estar vivendo um momento histórico de prestação de contas. No alto escalão da política, é inédita essa queda de dominós herdados de um governo mentor e amigo. Na segurança pública, a ocupação de uma favela como a Rocinha, com 70 mil moradores, abandonada por sucessivos governos ao poder de bandidos com e sem farda, é recebida com elogios à banda boa da polícia e punições à banda podre. No Supremo Tribunal Federal, a mídia e a população mantêm a pressão sobre o julgamento da Ficha Limpa. A ponto de forçar o ministro Luiz Fux a rever seu voto pela alteração da lei. A brecha sugerida por Fux beneficiaria políticos que renunciam para fugir de punição. O debate é público e instrutivo.

Na novela das 8, na semana passada, soubemos que Lupi ama Dilma. Nos próximos capítulos, saberemos quem ama Lupi.

RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA

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