"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 13 de novembro de 2011

OCUPAÇÃO DA ROCINHA: UM IMPORTANTE PASSO PARA O CAMINHO DA PAZ SOCIAL

A ocupação pela forças legais, das Favelas da Rocinha e do Vidigal, neste domingo, com o apoio efetivo da Forças Armadas, constituiu-se num gigantesco passo a caminho da paz social no Rio, onde a população, há mais de vinte anos, sofre os efeitos do terror imposto pela ação do narcotráfico.

Assim como a ocupação do Complexo do Alemão e suas cercanias, pela união da forças de segurança, no memorável 25 de novembro de 2010, tido até então como o ‘quartel general’ do poderio bélico do tráfico e de homizio de perigosos narcoterroristas no Rio, foi considerada o divisor de águas da política de segurança do governo Sérgio Cabral, pode-se dizer, com toda certeza, que a ocupação e futura instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora, na Favela da Rocinha, é o marco decisório e promissor da política de enfraquecimento do poder paralelo no Rio, quanto mais com a recente prisão do líder local, o traficante Nem e de importantes lideranças de seu bando.

Há que se ressaltar que a Rocinha, considerada até então área de difícil tomada pelas forças legais, face as suas características peculiares de favela-bairro e região acidentada (66% de sua área está acima da cota de 100m), é o ‘quartel general’ do poder financeiro do narcotráfico no Rio, fato que lhe confere importância estratégica extrema no processo de consolidação para o projeto de implantação das UPPs, um modelo de policiamento de proximidade de vital importância para a paz social.

Registre-se que a Rocinha, situada na Zona Sul do Rio, entre os bairros da Gávea e São Conrado, considerada a maior favela da América Latina, é o principal centro de refino da pasta básica de coca no Rio, na produção da cocaína, além de importante centro de comércio do ecstasy, uma droga sintética muito consumida nas chamadas festas ‘rave’. Já se perdeu a conta, inclusive, dos laboratórios de refino de cocaína encontrados pela polícia naquela localidade nos últimos anos.

Ressalte-se que o local foi escolhido estrategicamente, há tempos, pelo comando da facção criminosa que ali atua, objetivando a produção e o comércio da cocaína, através do refino da pasta de coca. A Rocinha situa-se na passagem entre a Zona Sul e a Barra da Tijuca, isto significa dizer que usuário de cocaína é clientela de maior poder aquisitivo. Cocaína não é droga consumida por jovens de classes menos favorecidas. Em relação à maconha e ao crack, seu preço é bem mais caro. Há quem afirme que o lucro financeiro do tráfico da Rocinha, ainda mais com a instalação de UPPs em bairros da zona sul, centro e no cinturão da Tijuca, possa chegar anualmente hoje a cerca de R$ 100 milhões, fato que desperta, não é de hoje, o interesse e a conivência de policiais corruptos que se associam ao tráfico local para dar-lhe proteção, como restou provado na recente prisão, no bairro da Gávea, de uma quadrilha que envolvia policiais e traficantes, no momento de fuga da localidade transportando armas, jóias e vultosa quantia em dinheiro.

Por outro lado há que se considerar que a estratégia de ocupação da Rocinha, numa ação proativa da polícia, com uso do elemento surpresa, diferente da estratégia empregada em outras ocupações para implantação da UPPs no Rio, teve o seu planejamento baseado na troca de informações entre os órgãos de inteligência da Polícia Federal e do aparelho policial do Estado, fato altamente positivo para o desencadeamento de futuras operações semelhantes no Rio. Quando há sigilo e bom planejamento as possibilidades de sucesso da missão são consideráveis.

O elemento surpresa pegou Nem e seu grupo que acreditavam piamente no poder da grana e na impunidade face a proteção lhes conferida, por longo tempo, por maus policiais. São “duplamente marginais”, disse o governador.

A realidade é que, com a pacificação da Rocinha, o progressivo caminho da pacificação e da possibilidade do resgate da cidadania e definitiva inclusão social de moradores de outras comunidades, ainda oprimidos pelo terror das armas de guerra, torna-se mais viável, desde que obviamente se transforme, no futuro, numa autêntica política de estado, não mais de governos. É muito otimismo porém imaginar, num primeiro momento, que o traficante Nem, mesmo que transferido com seus principais asseclas, para penitenciária de segurança máxima fora do Estado, deixe repentinamente, ainda que a distância, de exercer forte influência naquela comunidade, que dominou até então. Foram longos anos de terror e opressão imposto aos habitantes do local que pelo medo devem continuar lhe pagando “pedágios” pelos bens e serviços ali existentes.

Obviamente que não se deve também imaginar, no início de um processo de tamanha transformação no comando do controle de suas vidas cotidianas, que moradores do local se livrem rapidamente do medo de represálias do tráfico. As sequelas e o pavor ficam como consequentes traumas. Nem continuará, pois, através de bandidos que restaram de sua hoje despedaçada fração de ‘soldados do tráfico’, tentando fazer uso de sua influência no local.

Só o tempo dará àquela comunidade e a outras já pacificadas no Rio a crença definitiva no poder legal do Estado. Um tempo de adaptação que não será curto, com toda certeza.

A outra importante conclusão, face aos episódios que ora antecederam à ocupação da Rocinha é que a era dos “mitos do tráfico” e de maus policiais parece que começa a chegar ao fim. Conclui-se também que não há mais, no Rio de Janeiro, áreas inexpugnáveis, de exclusão à ação das forças de segurança. A sociedade, por sua vez, clama e quer acreditar em uma polícia confiável. A consolidação da UPP na Favela da Rocinha será, portanto, o mais duro golpe até hoje desferido na estrutura econômica do narcotráfico no Rio e uma vitória para a sociedade. A Unidade de Polícia Pacificadora é a estratégia de segurança, um remédio atípico para uma criminalidade atípica como a do Rio, que faltava para possibilitar a invasão social em redutos dominados pelo tráfico.

Para os que consomem a droga e alimentam a violência, financiando indiretamente os fuzis do tráfico, fica a reflexão de que drogas não agregam valores sociais positivos. É um perigoso caminho, muitas vezes sem retorno, que pode levar à destruição humana. A possibilidade futura da almejada paz social no Rio, com a implantação da UPP da Rocinha, torna-se agora consistentemente viável. Não há dúvida.

Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

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