Peso nas contas da Previdência e mudança na estrutura etária da população vai obrigar brasileiros a ficar na ativa por mais tempo
Existe uma dupla pressão que conspira para que os brasileiros trabalhem cada vez até mais tarde.
A primeira é puramente econômica: as contas da Previdência Social, que carregam um déficit histórico, não permitirão o pagamento de benefícios por períodos tão longos a um contingente cada vez maior de pessoas.
Em segundo lugar, o envelhecimento da população - que, em algumas décadas, se refletirá em uma quantidade menor de jovens entrando no mercado de trabalho - exigirá que homens e mulheres permaneçam ativos por mais tempo.
Para David Bloom, especialista em longevidade e professor da Universidade Harvard, o sistema previdenciário brasileiro é, ainda hoje, generoso demais. "Ainda é possível que as pessoas se aposentem aos 50 anos, como ocorria há 30 anos, quando a expectativa de vida da população era bem menor" (veja quadro nesta página), afirma o professor.
"É algo que terá de mudar rapidamente. Por mais que seja politicamente difícil fazer isso hoje, em 10 ou 15 anos será ainda mais complicado."
O especialista afirma que o próprio aumento da renda no País incentivará que a população trabalhe até mais tarde com o objetivo de manter o padrão de vida conquistado ao longo da carreira.
"Os valores da aposentadoria geralmente representam um corte drástico na renda de quem está acostumado com um certo estilo de gastos", explica o professor de Harvard. "Naturalmente, enquanto puderem, as pessoas vão tentar manter o padrão de consumo que conquistaram", acrescenta.
Vida ativa. À medida que as pessoas vivem mais e melhor, diz Bloom, é natural também que busquem uma vida ativa. É por isso que a Universidade Harvard mantém um programa de estudos de um ano para executivos e empresários que já passaram dos 60 anos.
A ideia é que eles encontrem novas formas de aproveitar o conhecimento que adquiriram ao longo da vida - como professores, voluntários em organizações não governamentais ou até dando início um novo negócio.
O executivo brasileiro Roberto Junqueira, que exerceu cargos diretivos no Banco Safra e no braço financeiro da montadora General Motors, (GMAC), encontrou uma nova atividade já após os 70 anos. Ele se aposentou tarde para os padrões brasileiros - aos 68 anos -, mas o período de descanso não durou muito tempo.
Aos 72 anos, ele administra a creche Baroneza de Limeira, fundada há 108 anos por sua tia-avó. A creche tem 73 funcionários e atende 550 crianças diariamente - e recebeu um choque de gestão desde a chegada de Junqueira.
Modelo de gestão. Uma das primeiras medidas que o executivo tomou foi a reorganização do plano de cargos e salários da instituição. A ideia é que, mesmo com recursos limitados, os empregados fossem incentivados a permanecer na creche.
"Valorizamos muito o profissional, e tentamos pagar salários sempre acima da média do mercado", explica Junqueira. "Hoje, todos os funcionários que trabalham com educação infantil aqui são formados em pedagogia."
A retenção, diz o executivo, não se dá apenas pela remuneração, mas também pelo diferencial do trabalho feito na instituição, que atende as crianças por meio de uma convênio com a prefeitura.
Os alunos permanecem na creche diariamente das 7h às 17h e recebem cinco refeições por dia, o que totaliza 7 mil pratos servidos diariamente. Para o ano que vem, está prevista a ampliação das atividades da Baroneza de Limeira, com a introdução do berçário (hoje, o atendimento é para crianças de 1 a 6 anos).
Novo ritmo. As atividades do ex-executivo não se resumem à administração da creche, que toma três dias de sua semana. Ele decidiu aposentar-se em 2008, quando a GMAC deixou o mercado brasileiro.
"De certa forma, eu me aposentei por causa da situação, e não porque realmente havia planejado", explica. Hoje, além de cuidar do dia a dia da creche, Junqueira também administra um fundo de investimentos que montou com o patrimônio acumulado ao longo da vida profissional.
Apesar de continuar na ativa, o ex-diretor de banco diz que o ritmo de trabalho atual não se compara com a corrida de obstáculos que um executivo do setor financeiro precisava enfrentar todos os dias, especialmente na época de hiperinflação, nos anos 80.
"Acho que a inflação formou no Brasil os melhores executivos de banco do mundo. Isso porque tudo precisava ser decidido em questão de horas. Errar, naquele tempo, representava perder muito dinheiro rapidamente", afirma Junqueira.
30 de dezembro de 2012
FERNANDO SCHELLER - O Estado de S.Paulo
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