"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A HISTÓRIA PASSOU NA JANELA E SÓ A FILHA DO GENRO NÃO VIU

Meu caro Quaglio,

em setembro de 1996, Vaclav Havel esteve no Brasil. A falta de parlamentares em Brasília impediu sua recepção no Congresso, como era de praxe. Havel trocou a visita por um passeio pela cidade. Admirou monumentos, contemplou o Alvorada como turista e terminou o passeio tomando cerveja sozinho em um restaurante do Lago Sul. As únicas “autoridades” que o receberam em sua visita foram alguns caciques da tribo uaimiri atroari, em Manaus. O Brasil teve a honra de receber um dos mais importantes líderes políticos do século e deixou-o entregue às moscas num boteco qualquer em Brasília.

A ida ao Congresso foi cancelada porque não havia quem recebesse o presidente tcheco de acordo com o protocolo. Os presidentes da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), recusaram-se a marcar a audiência, já prevendo o esvaziamento. Havel opôs-se aos comunistas tcheco-eslovacos, sofreu mais de quatro anos de prisão e ainda ousou ser presidente de seu país. Foi tratado como leproso no Brasil.

Essa gente não tem cura, Quaglio. Em 1991, andou em Porto Alegre uma triste alma penada, convidado e patrocinado pelos bolches que tomaram posse da alcaiceria da capital gaúcha, o comunista grego Cornelius Castoriadis. Conivente a vida toda com o fascismo eslavo, desmoralizado em Paris por seus laivos de Madalena tardia, conseguiu encontrar ao sul dos trópicos, logo em Porto Alegre que eu julgava cidade culta, um palco para suas histrionices. A capital gaúcha desde há muito vem emburrecendo. Suas elites importam da Europa prostitutas decadentes de fim de noite, desde que tenham boca para qualquer prática como, por exemplo, tentar recuperar os restos podres do socialismo.

Fosse só isso, não era nada. Quando o Cornelius, papagueando o que há duas décadas se sabia na Europa, classificou como stalinista o regime de Castro, foi vaiado. Devagar nas pedras, Cornelius. As esquerdas tropicais são assim mesmo, lentas e fanáticas. Mesmo após a queda de Castro, necessitarão de mais algumas décadas para considerá-lo ditador.

(Falar nisso, ao comentar a morte do ditador norte-coreano Kim Jong-Il, escreve El País em sua edição de hoje: “Estuvo al frente de la única dinastía comunista hereditaria del mundo durante 17 años”. Pelo jeito o jornal esqueceu dos irmãos Castro, que estão no poder há 52 anos).

Luciana Genro vê na queda do Muro “a rebelião de um povo cansado da opressão e da miséria, em um sistema que nada tinha em comum com a idéia generosa do socialismo de Marx, Lênin e Trotsky”. Vê isto hoje, duas décadas após o acontecimento. Mais um pouco, com essa extraordinária capacidade que têm os comunistas de distorcer a História, e acabará se convencendo de que foram eles, os comunistas, que derrubaram o muro.

Ainda este ano, duas décadas após o desmoronamento da União Soviética, Luciana Genro conclamava seus seguidores no Twitter a participar do painel Atualidade do Marxismo, coordenado pelos presidentes do PSOL gaúcho e nacional. “Pedimos a cada um de nossos militantes, simpatizantes e amigos que participem e convidem colegas, vizinhos, familiares e amigos. Vamos juntos enriquecer nosso partido e fortalecer nossa unidade e luta”.

Imaginei, um dia, que o marxismo morreria com a morte de seus últimos cultores, que afinal não podiam renunciar à doutrina. Seria algo como dizer: fui uma solene besta minha vida toda. Que Tarso Genro continue stalinista se entende. Árvore velha não se dobra. Sempre defendeu o comunismo e o stalinismo e renunciar ao obscurantismo seria negar tudo o que escreveu. Esclerose é isso mesmo, enrijecimento do cérebro.

Mas Luciana Genro tinha 18 anos quando caiu o Muro. Tinha 20 quando a União Soviética esfacelou-se. Terá tapado a cabeça com um travesseiro para não ouvir o rumor do mar?

Parafraseando outro velho comunossauro: a história passou na janela e só a Luciana não viu.

janer cristaldo

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