"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 20 de abril de 2013

DA FAVELA PARA BOSTON

 


Logo que soube dos atentados de Boston, meu primeiro pensamento foi para o sociólogo Caio Ferraz, personagem de meu livro “Cidade partida”, que em 1996 foi levado pela Anistia Internacional para os EUA por estar ameaçado de morte pelos policiais da banda podre que executaram 21 inocentes na tristemente famosa “chacina de Vigário Geral”.

A foto dos caixões alinhados na entrada da favela correu o mundo como um anticartão-postal, e Caio, que liderou a reação da comunidade, foi considerado o primeiro exilado político da redemocratização. Partiu com a mulher e duas filhas pequenas, estudou, trabalhou como entregador de pizza e acabou se dando bem com uma empresa especializada em reforma de casas e apartamentos.

Testemunha de batalhas entre traficantes, Caio escapou por pouco dos atentados de agora, pois estava no lugar onde 15 minutos depois explodiu a primeira bomba. Só se salvou porque resolveu avançar 100 metros para ter uma visão melhor da chegada da maratona. Houve o estrondo e, em meio à fumaça, à correria e ao caos, ninguém entendia direito o que estava ocorrendo.


“Tarimbado com as guerras insanas que vivi na minha infância na favela, não tive dúvidas de que a explosão era de bomba. O barulho parecia o de granada que eu ouvira várias vezes nos confrontos entre bandidos de Vigário Geral e Parada de Lucas pelo controle do tráfico local.”

Caio confessa que o momento de maior desespero foi quando se lembrou que a filha mais velha, Maíra, trabalha numa cafeteria a cerca de 300 metros das explosões. “Tentei ligar, mas nenhum telefone funcionava. Até que ela respondeu por SMS informando que estava bem. Pedi que não saísse de lá, que eu furaria o bloqueio da polícia e iria buscá-la pra irmos juntos e em segurança para casa.”

Embora acostumado a situações que o “deixaram sem chão” — tiroteios, invasão policial, chacina, ameaças de morte —, Caio continua traumatizado com o que presenciou: “Que sofrimento ver uma senhora ensanguentada abraçada ao filho adolescente sem saber o que fazer. Que estranho não poder ser útil numa hora dessas. Nunca havia me sentido assim em toda minha vida e essa experiência espero não repetir.”

Para agravar, tudo isso aconteceu quando ele se prepara para voltar ao Brasil. “Não sei o que fazer, porque minhas filhas continuarão aqui com a mãe. Logo eu, que tive que sair do Brasil por motivo de segurança pessoal, encontro-me agora numa enorme insegurança existencial.”

20 de abril de 2013
Zuenir Ventura é jornalista.

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