"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 16 de outubro de 2011

R$ 1 TRILHÃO EM IMPOSTOS É POUCO

Existem pobres e ricos. Isto é um sério problema, e por mais que a esquerda negue, é um problema não apenas para os pobres. É possível ser rico e não gostar de ver pessoas passando fome – curiosamente, poucos defensores do Estado são pobres, mas nunca se enxergam em suas próprias teorias.

Se pedirmos para uma criança apontar uma solução para este problema, dificilmente ela responderá algo muito diferente de “os ricos devem dar seu dinheiro para os pobres”. Se perguntarmos o mesmo para um universitário, a resposta também não será muito diferente. É basicamente o que se pode aprender em alguns cursos universitários.

A revista Carta Capital mostra que aprendeu bem esta lição. Para ela, um país desigual precisa apenas de uma solução: tungar seus habitantes com impostos. Quanto mais, melhor. Enquanto alguém puder ter algum momento de lazer e tranqüilidade sem entrar em pânico por pensar que está devendo para o governo, este país não pode ser considerado um bom lugar para se viver.


Em um artigo intitulado Imposto pago não é dinheiro roubado, um certo André Siqueira chega à conclusão de que a marca do impostômetro de R$1 trilhão de impostos pagos em 2011, atingida 35 dias mais cedo do que em 2010, é algo a se comemorar:

“Virou quase lugar-comum dizer que o Brasil é um dos campeões mundiais em impostos, e comparar nosso pacote de serviços públicos com os oferecidos por países com carga tributária igual ou maior. Esses argumentos deixam de lado dois detalhes importantes: somos também destaque mundial em desigualdade social, e temos uma massa de desassistidos comparável apenas a países como China e Índia. Ou seja, sai caro, muito caro, para uma nação com tal perfil, oferecer, mesmo precariamente, uma estrutura de amparo universal.”

São mesmo “dois detalhes importantes”. O que importa que tenhamos uma taxação escandinava para serviços africanos? O que importa que nossa “estrutura de amparo universal” não dê conta nem de 5% da população? Quer resolver isso? Bom, precisamos aumentar ainda mais os impostos.

É uma conversa para crianças, mesmo. Quanto dá R$1 trilhão por ano (sabendo-se que é bem mais do que 1 trilhão) dividido por 190 milhões de brasileiros? Algo em torno de R$5.260,00. Pergunte pra cada mendigo na pracinha se ele recebeu isso do governo nesse ano – o que, investido em ações de empresas que prestam, fariam qualquer pobre abandonar a pobreza em menos de 10 anos.

Pro domo sua

Essa tal “estrutura de amparo universal” é o que supostamente se arranca dos ricos para se dar aos pobres. “Os pobres”, no caso, é uma categoria que inclui a Carta Capital, entidade pró-governo que recebe substanciais verbas do governo na forma de propaganda de estatais.

Empresas estatais são “estrutura de amparo universal”, mas quem cuida da estrutura toda são os cupinchas do partido que chefia o Executivo no momento, que nomeia a altos soldos quem cuidará de cada empresa, incluindo funções esquisitas como “propaganda & marketing”.
Por que diabos uma empresa como a Petrobras precisa fazer “propaganda”?

Não surpreende, portanto, que a Carta Capital, com uma tiragem muito menor do que uma Veja (75 mil exemplares contra 1.218.400), receba uma porcentagem de propaganda estatal muito maior do que esta última.

Ninguém do departamento de marketing das Petrossauros da vida precisa “fazer propaganda” de uma empresa que tem monopólio em sua área. Mas foi só subir ao poder o PT, partido eternamente defendido com unhas, dentes e impostos pela Carta Capital, e a revista do sr. Mino Carta abocanhou nada menos do que R$2,4 milhões dos cofres públicos. No ano seguinte, o montante já subiu para R$2,9 milhões (os dados são do site do PSOL).

Não é preciso ter muita imaginação para perceber que a revista, pedindo por impostos, pratica o conhecido argumento pro domo sua, em que uma causa defendida só é defendida por favorecer quem a defende, embora ele disfarce suas intenções com argumentos esquisitos.

É esta a verdadeira “estrutura de amparo universal” a que se refere o André Siqueira: toma dinheiro imposto da classe média para torrá-lo em “propaganda” na Carta Capital.

Como todos sabem, o Implicante.org™ é financiado pelos barões de Wall Street através de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, que bancam nossa complexa estrutura piramidal de 4 gananciosos especuladores mancomunados em explorar todos os subempregados nesta gigantesca empresa.

Para tal, recebemos dinheiro escuso de ditaduras sionistas, da maçonaria, das empresas bélicas americanas, de países colonialistas que causam fome na África para poder obter lucros astronômicos, das indústrias de drogas e do trabalho escravo e também dos nazi-fascistas que envenenaram a maçã da Branca de Neve.
Imagine o que aconteceria se nós, aqui do Implicante.org™, defendêssemos o lucro de todas essas entidades, a custos tão elevados, apenas porque queremos uma “distribuição de renda” que nos permita ainda ter uma boquinha escrevendo esses estulticocos.

Novamente, não surpreende, portanto, ver a defesa da tributação ionosférica cartacapitalista (!) vir acompanhada de elogios rasgados ao governo petista:

“Em um brilhante artigo publicado recentemente no Valor Econômico, o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, mostrou que a desigualdade social, medida pelo índice Gini, caiu 9,5% entre 2003 e 2009. Sem os gastos em programas de transferência de renda realizados na última década, a melhora teria sido de apenas 1,5%. No mesmo texto, Pochmann levanta uma questão que tem méritos de sobra para tirar o sono dos brasileiros: por que os ricos pagam, proporcionalmente, tão menos impostos?”

É um dado numérico – aquele anátema no Vestibular para pessoas de Humanas, que acabam escrevendo em jornais. Muito difícil crer que muitos deles entendam do que estão falando. O dado não aponta, por exemplo, que até 2007, o índice só aumentou (chegando a 0,5546 numa escala de 0 a 1 em 2007, o maior número em 50 anos), só abaixando a partir de então, para 0,5448 em 2009.

Pelo Coeficiente de Gini, quanto menor, melhor. E a comparação com outros períodos (que a Carta Capital, curiosamente, resolveu “se esquecer” de pesquisar) indica uma outra verdade. Em 1994, estava em 0,349. Em 2000, com as crises provocadas pela tentativa de congelamento monetário no segundo mandato de FHC, chegamos a um pico de 0,338 (ainda bem mais baixo do que os 0,5546 de 2007, antes mesmo da crise financeira). Em 2005, já subira para 0,351.

A sensação é que foi o aumento de impostos que diminuiu a desigualdade. É um revisionismo estranho – como se tudo o que fosse bom no país fosse feito pelo governo – e que, como afirma bem o tal André Siqueira, “custa caro”:

“Mas imaginar que um governo será capaz de, com menos dinheiro, sustentar a máquina estatal, fazer os investimentos necessários (para ontem) em infraestrutura e melhorar o pacote de serviços à população é simplesmente absurdo!”

Uma coisa que deveria ser taxada com impostos mais pesados são jornalistas usando exclamações. É um puta saco! E também um ato falho do senhor Siqueira colocar como primeiro gasto do governo “sustentar a máquina estatal”.
Quanto gasta um deputado? Alguém na Carta Capital falou em diminuir cargos de confiança? O “pacote de serviços à população” são filmes financiados pela Petrobras que ninguém vê (o que, como constatou Reinaldo Azevedo, é uma bênção)? São pelas do Zé Celso Martinez Corrêa com atores pedindo para a platéia lhes masturbar? São escolas como o Ciep João Goulart (da Secretaria Municipal de Educação) do Morro do Cantagalo, que com projetos conjuntos de Afroreggae, Criança Esperança e R$71 milhões do PAC e tendo até um elevador panorâmico obtém o pior resultado das escolas do Rio de Janeiro? É o dinheiro emprestado para a empresa do Luis Nassif via BNDES que ele nunca devolveu ao “contribuinte”?

Para a a Carta Capital, isso é muito simples. Alguma dessas coisas não está funcionando? Aumente-se ainda mais os impostos. A escola milionária dá maus resultados? Tungue-se mais a educação em Copacabana e logo a escola estará perfeita. Os filmes da Petrobras são uma porcaria? Que se obrigue os canais que investem uma fortuna em solo nacional para ouvirmos algo melhor do que o governo a pararem de exibir sua programação e passem esses filmes insuportáveis enquanto o telespectador desliga a TV. Ninguém vai ao teatro? Que rouanetizem o Zé Celso, assim ninguém precisa agüentar 5 horas vendo pirocas para que ele possa ter um pouco de renda distribuída no seu bolso. O Luis Nassif não paga suas dívidas? Tributem mais os “bens supérfluos” da classe média, como computadores, e vamos dar dinheiro ao patrimônio cultural e econômico que é Luis Nassif. A Carta Capital não vende? Coloque-se mais propaganda da Petrobras que ninguém nunca vai ler apenas para seus empregados terem “estrutura de amparo universal”.

Não faltam as contradições de sempre, como citar o fato de que os ricos, proporcionalmente, pagam menos impostos do que os pobres (já que impostos no Brasil não costumam ser progressivos, e sim colocados no consumo – idéia que não parte senão da esquerda que a Carta Capital defende – e até favelado paga imposto em açúcar e cigarro), mas afirmar algumas linhas abaixo que o discurso anti-imposto é um discurso que só favorece os ricos e “que interessa apenas a quem está lá em cima”.

Mas se pode soar a paranóia a preocupação em servir ajoelhado ao governo enquanto esse for capaz de lhe engolir, o próprio André Siqueira mostra suas garras afiadíssimas:

“É possível (…) aparelhar melhor a equipe da Receita Federal até que ninguém consiga passar um fim de semana tranquilo em sua mansão no Guarujá sem a certeza de estar em dia com o Leão.”

Alguém aí pensou em um Estado policial? É bom que se pense: a maioria dos progressistas que idolatram a Carta Capital adoram abarrotar seus álbuns de foto “FÉRIAS!!!” com uma brasileiríssima praia paradisíaca, que raramente um pobre pode desfrutar. Para o André Siqueira, essas férias deveriam ser abolidas e todas essas pessoas deveriam era estar cortando cana em algum paraíso “social-democrata” para poder financiar seu trabalho na Carta Capital.

Em tempo: a Carta Capital já deu desconto na assinatura para quem era filiado ao PT, e a cerimônia do seu aniversário em 2004, quando começou a ficar rica, teve a ilustre presença de Lula e de mais onze ministros. Por que é mesmo que a Carta Capital acha bonito dar dinheiro pro governo?



* Flavio Morgenstern é redator, tradutor e analista de mídia.

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