Aversão itinerante da aclamada conferência de ideias TED, realizada anualmente nos Estados Unidos e cuja participação custa US$ 7.500 (R$ 16.500) por cabeça, atende pelo nome de TEDGlobal. É um pouco menos salgada — US$ 6.000 por quatro dias de apresentações e palestras de 18 minutos. A edição 2013 foi encerrada esta semana em Edimburgo, capital da Escócia, e a próxima ocorrerá no Rio, em outubro de 2014.
A intervenção de um dos palestrantes surpreendeu pela franqueza. “Não me surpreende que tantos líderes políticos, e não me excluo desta lista, perderam a confiança de seu povo. Quando tropas de choque da polícia precisam ser chamadas para proteger [prédios públicos] e o Parlamento é porque algo está muito errado com nossas democracias”, disse Georgios Papandreou, terceiro da dinastia de políticos que governaram a Grécia.
Papandreou, como se sabe, estava no poder em 2009 quando seu país foi a primeira nação europeia a degringolar ruína abaixo, puxando o fio da meada do desemprego, da insolvência e da bancarrota que ronda boa parte da zona do euro.
Papandreou foi, também, o primeiro chefe de governo desses novos tempos de bloco na rua a ter meio milhão de cidadãos manifestando na principal praça de Atenas contra os planos de austeridade que se anunciavam. Era maio de 2011, a primeira passeata-monstro brotara de forma espontânea, da vontade de se fazer ouvir. Vieram outras mais, a rotina urbana interrompeu-se. Seis meses depois, com as ruas falando sozinhas, Papandreou renunciou.
Quase à mesma época, nascia na Espanha igualmente depauperada o movimento social mais importante desde o final do franquismo: o “Indignados”. Politicamente organizado e astuto no uso das redes sociais, passou a fazer parte do teste de governabilidade das principais cidades espanholas, onde o desemprego entre os jovens de 25 a 29 anos atingiu o obsceno índice de quase 60%. Também as forças da ordem tiveram de se moldar ao teste de governabilidade.
Do mesmo modo na França, Chipre, Itália, Inglaterra, Alemanha — todos países democráticos — a rua tem servido de ponto dentro da curva da insatisfação crescente com a surdez dos governantes eleitos. Passeatas são cada vez mais frequentes, elas provocam transtornos consideráveis na vida dos munícipes, mas os governantes e seus instrumentos de ordem foram obrigados a aprender a conviver dentro destes parâmetros.
Vale lembrar que durante quase dois meses de 2011 um pedaço do cartão-postal financeiro mais conhecido do mundo — Wall Street, em Manhattan — permaneceu sob ocupação de um movimento de protesto particularmente incômodo e ruidoso.
Era a turma do Occupy Wall Street, que acabou dando filhotes mundo afora. Montaram barracas numa das áreas mais valorizadas de Nova York, e dali não arredaram pé em protesto contra a ganância financeira, a corrupção e a desigualdade social.
Durante o dia chegavam a reunir de 5 a 10 mil manifestantes no entorno da Bolsa de Nova York. À noite, algumas centenas de empedernidos dormiam no assentamento montado num parque próximo. Ali também cozinhavam, lavavam roupa, defecavam.
Quando as condições sanitárias se tornaram insustentáveis, o prefeito Michael Bloomberg recorreu à tropa de choque para a dura retirada forçada. A tentativa de reocupação recebeu repressão mais dura ainda, com imagens de violência que correram mundo.
Só que o recurso a tropas de choque para controlar um movimento de desobediência civil que saiu de controle acabou sinalizando mais fraqueza de planejamento do que força do prefeito.
De todo modo, o protesto continuou sob outra roupagem. Está entendido que se trata de um movimento legítimo. Para o presidente Barack Obama, ele “exprime as frustrações do povo americano... que vê os protagonistas da maior crise financeira desde a Grande Depressão... tentando manter as mesmas práticas irresponsáveis”.
Na Turquia, o despertar político do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan só ocorreu depois de duas semanas de monólogo dos cidadãos nas ruas, respondido com uma truculência policial que causou quatro mortos e fez perto de cinco mil feridos.
É arrogância temerária para um político achar que, hoje em dia, por ter sido democraticamente eleito (mesmo que por três vezes, como Erdogan) ele está dispensado de acompanhar as miudezas, anseios, teimosias ou alegrias que fazem pulsar o seu país — sintonias que passam pelas redes sociais, não por pesquisas de marqueteiro.
Uma democracia que não é forte o suficiente para aguentar períodos de descontentamento público sem recorrer a medidas repressivas desmesuradas acaba se encrencando. É provável, portanto, que o primeiro-ministro turco tenha percebido a armadilha na qual ele mesmo se colocara.
Anunciou, na tarde de sexta-feira, que seu governo aceitava suspender a construção do polêmico shopping center que originou os primeiros protestos na Praça Taksim até que uma Corte analise as objeções urbanísticas dos manifestantes ao projeto. Caso haja divergência entre a avaliação da Corte e o veto dos manifestantes, será realizado um plebiscito, e a população de Istambul decidirá o que prefere fazer com esta única área verde da principal praça da cidade.
A ideia de que munícipes possam decidir o destino que querem dar a uma área de seu interesse cotidiano foi saudada com entusiasmo. Não é garantido, porém, que, de uma só penada, tudo volte a ser como antes e o descontentamento acumulado contra o estilo impositivo de Erdogan saia das ruas. Vai depender, e muito, do uso futuro que ele pretende fazer de sua tropa de choque.
Em tempo: para impedir a “tomada” da Avenida Paulista por um grupo pequeno de mascarados e arruaceiros exógenos à manifestação grande e ordeira da quinta-feira, o governo de São Paulo recorreu à Tropa de Choque, à Força Tática e à Cavalaria. Da próxima vez, também drones?
16 de junho de 2013
Dorrit Harazim, O Globo
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