Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
O MAL ESSENCIAL
Dias atrás a presidente Dilma Rousseff aceitou a demissão do sexto ministro acusado de corrupção, irregularidades administrativas, malfeitos, o nome que se queira dar. A terminologia é de menos, importantes são os fatos.
O primeiro ano de governo nem acabou e um em cada seis ministros já caiu em consequência de acusações relacionadas ao mau uso do dinheiro público. Deve ser um recorde mundial.
A primeira constatação é a do comprometimento do governo anterior, pois quase todos os demitidos sob suspeita saíram da cota dos herdados. Nesse sentido, é razoável considerar que a própria presidente foi fraca e aceitou do mentor um pacote estragado, por não ter força para resistir à pressão continuísta. Num esforço de leitura benigna, ela estaria agora fazendo a “faxina” na casa que herdou.
Os fatos, no entanto, são soberanos. A presidente não pode alegar surpresa diante do pacote recebido, pois ela própria compunha o núcleo do governo que sucedeu.
Foi ministra durante todo o tempo, boa parte dele na posição estratégica de chefe da Casa Civil. Na prática, governou o país quando o então presidente passou a cuidar exclusivamente da sucessão. Não há como, portanto, alegar desconhecimento ou surpresa. Ela era parte importante do jogo.
Há por certo a versão fantasiosa de que os caídos em desgraça são vítimas de tramoias da imprensa. É o autoritarismo seminal do PT em ação. Para a presidente, essa versão só é boa na aparência. Será ela tão fraca que não saiba distinguir fato de conspiração?
Caso as suspeitas se confirmem, e a própria Controladoria Geral da União se mostra abismada em certos casos, duas hipóteses se abrem, ambas negativas: ou Dilma ignorava tudo mesmo, evidenciando alheamento da realidade, o sabia das coisas, mas se mostrava disposta a conviver com o triste cenário para manter o apoio dos partidos que a levaram ao Palácio do Planalto.
Não há, no plano dos fatos, como fazer desse limão uma limonada. O governo Dilma vai encerrando seu primeiro ano, seus primeiros 25%, sem estabelecer uma marca. Uma solenidade aqui, um programa prometido ali, um factóide acolá, mas nada de substancial, a não ser a tal faxina, metáfora que, bem pensado, é incômoda, porque remete, necessariamente, à sujeira.
Ora, trata-se uma evidência de mau, não de bom governo, especialmente quando a governante é obrigada a ir a reboque das revelações quase diárias de atos ruins na administração. Trata-se de um governo refém da disposição dos jornalistas para investigar. Vive-se aquele clima de “basta procurar para achar”.
- Onde está a raiz do mal?
No loteamento da máquina, na transformação do governo em uma federação desconexa de feudos entregues a partidos, grupos e personalidades, ocupando cada qual o seu pedaço para obter vantagens pecuniárias. Em troca, garantem à presidente apoio político. Cabe, a propósito, fazer uma indagação:
- apoio político pra quê? Qual é a agenda de Dilma?
Esse é um modelo que a presidente copiou do antecessor e mentor, que, por sua vez, o adotou a fim de resistir às dificuldades políticas decorrentes das graves revelações sobre o estado moral da administração.
Estamos diante de um mal estrutural, não circunstancial. Existe esperança de que a presidente vá romper com a lógica do condomínio que a elegeu e a sustenta. Não é plausível.
Basta olhar para o maciço apoio parlamentar e a divisão dos feudos partidários, inclusive nas grandes empresas públicas e nas agências reguladoras, e se notará que tudo segue como sempre. O petismo é um sistema sem espaço para muita criatividade pessoal.
Será mesmo que governabilidade e patrimonialismo exacerbado têm sempre de andar de mãos dadas? Trata-se, creiam os leitores, de falso dilema, porém confortável para os que estão do poder. É possível, sim, montar um governo de coalizão, com maioria no Legislativo, sem permitir a drenagem setorizada dos cofres públicos pelos malfeitores.
Todos os partidos contam com pessoas honestas e competentes e reúnem parlamentares realmente preocupados com o país e com suas bases eleitorais, ansiosos por levar às regiões que representam investimentos, empregos e benefícios sociais, o que é não só é legítimo como desejável.
Os governos dispõem de mecanismos legais e éticos para atender às demandas políticas sem se desfigurar e se transformar numa máquina de produzir escândalos.
Basta compreender que não é o poder que corrompe os indivíduos, mas que são estes que corrompem o poder. Basta que o exemplo venha de cima.
O país, aliás, cobra o fim dos erros, dos crimes e da impunidade, muitas vezes adornados pelo deboche de quem acredita estar fora do alcance da lei.
Basta andar nas ruas, conversar com as pessoas, dando um pouco menos de crédito aos áulicos, e se notará a imensa demanda social pela ética na vida pública. Quem precisa ganhar a vida honestamente não se conforma com o deprimente espetáculo, mesmo quando este é tratado como “natural”, como algo inerente ao processo político.
As últimas décadas assistiram à crescente preocupação com o combate à injustiça social. Embora lentamente, com algum resultado, vamos combatendo a péssima distribuição de renda, marca registrada do país.
Mas há uma forma de injustiça social igualmente perversa: é a que separa o cidadão comum dos governantes e define padrões distintos de conduta moral.
Se é preciso continuar com o esforço para reduzir a grande distância entre pobres e ricos, é indispensável também eliminar este outro traço terrível da nossa formação: a existência de duas morais, de duas éticas, de dois códigos de conduta distintos — o das pessoas comuns e o dos poderosos, que adquirem o direito de fazer qualquer coisa.
O PT se formou um dia proclamando a luta contra essa desigualdade que infelicita o Brasil. Hoje vemos algumas de suas estrelas a declarar que Fulano de Tal “não é um homem comum” ou que a palavra de uma “autoridade”, contra a evidência dos fatos, “vale como prova”.
É nesse ambiente que prospera a aposta na impunidade e, pois, o crime reiterado contra os cofres públicos.
josé serra
Estadão, 08/12/2011.
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