Sem Santos Dumont não há jornalismo
O primeiro avião que vi, caiu. O primeiro avião em que voei, também caiu. Não eram bem aviões: miúdos teco-tecos, brancos passarinhos grandinhos. Um matou o piloto, o outro atropelou um boi. Viajo de avião há 60 anos e nunca me aconteceu nada. Sem Santos Dumont não há jornalismo.
Em 1944, tiraram as traves do campo de futebol de Jaguaquara, lá na Bahia, no fundo da nossa casa, e virou campo de aviação. Como o cemitério de Odorico Paraguassu, faltava um avião para inaugurar. Um piloto de Montes Claros foi a Jequié, ali perto, cobrar uma dívida. Convidado, ele topou.
A cidade foi toda para a rua receber seu primeiro avião. Chegou fazendo belas piruetas em cima da igreja e da praça. Desceram dois homens gordos e sorridentes: o piloto e um primo meu. Almoço de festa e, de noite, baile no clube. Todo mundo bebeu muita cerveja até tarde, inclusive os dois.
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PIRUETAS
De manhã, domingo, missa na matriz. Depois, o piloto convidou rapazes, moças, para visitarem o avião e darem uma volta. Subia, rodava, descia. E sempre fazendo alguma pirueta, cada vez mais ousada. De férias do seminário, 12 anos, batina preta, também entrei, vi, conferi e saí. Ele reclamou:
– Não vai experimentar não, padreco? Não tem fé?
– Fé eu tenho. Não tenho é coragem.
E dei o fora. Ficou uma hora subindo e descendo. Alguns não resistiam aos mergulhos, saiam brancos como lesma, vomitando. Debaixo de palmas, com Esmeraldo, o piloto se despediu a rigor. Fez uma subida vertical e mergulhou de cabeça em cima da igreja. Fez outra, desceu em rasante sobre a praça. Mais uma em cima do campo, arremeteu, e, como cantou o poeta, caiu verticalmente e se transformou em tragédia. Espatifaram-se, não sobrou nada.
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UBERLÂNDIA
Em 56, greve de caminhoneiros em Uberlândia, Minas. Cercaram o Triângulo Mineiro. O Jornal do Povo, nosso semanário do PCB, arranjou um aviãozinho de um camarada, que parecia de brinquedo e lá fomos eu e o fotógrafo. O primeiro vôo também ninguém esquece. Manhã de sol, voando baixinho sobre as montanhas azuis de Minas e pingando de cidade em cidade.
Já chegando, tempestade em Uberlândia. Tínhamos que descer logo. O piloto, da cidade, conhecia uma fazenda por ali. Desceu no pasto, aos tombos, dentro de um dilúvio, atropelou um boi e uma cerca, virou de cabeça para baixo. Um susto e só. Nada que uma boa cachacinha mineira não curasse.
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SIBÉRIA
Aeroporto de Domodedovo, em Moscou, primeira etapa de dois meses na Sibéria, em janeiro e fevereiro de 81. Elegantes TSUs (o Boeing 737 deles) pousados sobre um tapete branco de neve, e homens, mulheres, crianças, embarcando com seus gorros peludos de couro de veado, botas e luvas grossas.
A neve caia sem parar, grossa, intensa. Caminhões enormes, como jamantas, empurrando longas navalhas negras, passavam e raspavam, a neve. O avião descia, a neve voltava, o caminhão vinha de novo com sua navalha.
Entro no avião, coberto de neve. Um longilíneo tubo de neve. Esperar um pouco para tirar a neve sobre o avião. Um caminhão se aproxima com grossos tubos, soprando bafo quente e derretendo a capa branca. Saio de Moscou com 5 graus negativos, chego a Stalingrado com 10 abaixo.
Em Omsk, 27. Em Bratsk, 39. Em Norilski, menos 70. Sobre as nuvens, no céu, a lua branca, gorda, boiando no azul. A neve cobrindo tudo e os aviões voando.
E ninguém morria. No Brasil, em julho de 2007, uma chuvinha besta na pista matou 199 pessoas, no voo TAM 3054, em Congonhas, lembram?.
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INSENSIBILIDADE
Avião não cai, é derrubado. Depois do jato, é incúria, incompetência ou ladroeira, ou as três juntas. O Brasil tem uma das maiores, mais modernas e seguras aviações do mundo. Falta é governo. Lula foi um artista em um palco iluminado. Somos obrigados a dar razão ao Financial Times, de Londres, que em 2007 dizia, sobre nossos serviços aéreos:
– “A extrema necessidade de um governo mais eficiente no Brasil nunca esteve tão clara. É representativa a incompetência de sua resposta a uma crise que já dura dez meses”.
O PT trocou o governo, e nada. E a Aeronáutica? Devia trocar a Infraero, o Sivam, os Sindactas pelo Sebrae. Só gosta de micro, pequenas e medias empresas. Em vez de cuidar da segurança das rotas e pistas e pousos, faz rendosos shoppings, cooperativas de táxi, lojas, botequins, bombonieres e salões de cabeleireiros dos aeroportos, cada vez mais bagunçados.
Sebastião Nery
29 de janeiro de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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