"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 29 de janeiro de 2012

A CAUSA PERDIDA DA OTAN NO AFEGANISTÃO

A guerra da OTAN no Afeganistão entrará para a história como enorme duplo fracasso: os políticos não conseguiram pôr fim à guerra e os generais foram incapazes de vencer. Por outro lado, comentaristas e historiadores anotarão que esse país atrasado e tribal conseguiu, num período de 30 anos, expulsar o exército soviético e, depois, expulsou também uma coalizão internacional de nada menos que 50 países ocidentais, liderada pelos Estados Unidos da América.

EUA e aliados querem deixar o Afeganistão em 2014, mas o único cenário que se vê delinear-se no horizonte é cenário de derrota, que os EUA já conhecem, do Vietnã. Mais de dez anos depois de começarem a bombardear e depois de terem ocupado esse país montanhoso no Sul da Ásia, em retaliação por causa dos ataques da al-Qaeda em Washington e New York, os EUA já perderam de vista o objetivo dessa guerra e já não há saída honrosa.

Especialista em Afeganistão, o jornalista Michael Hastings diz em seu novo livro The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America’s War in Afghanistan [Os operadores: a selvagem e assustadora história secreta da guerra dos EUA no Afeganistão] que o general Stanley McChrystal, encarregado das operações militares entre 2009 e 2010, só muito raramente mencionava a al-Qaeda nas audiências em que prestava contas ao Congresso dos EUA.

Tampouco o general David Petraeus, que assumiu depois de McChrystal, mencionava a al-Qaeda nas reuniões com os principais assessores. Hastings lembra que o general James Jones, ex conselheiro de Segurança Nacional estimou em menos de 100 o número de combatentes da al-Qaeda que permaneciam no Afeganistão.

Depois de destruir o refúgio de Osama bin Laden nas montanha do Afeganistão e de ter forçado toda a liderança dos Talibã a fugir, poucos dias depois da invasão, os EUA passaram a dedicar-se exclusivamente a fortalecer o governo de seu aliado, o presidente Hamid Karzai, e a combater a guerrilha Talibã: fracassaram nos dois objetivos.

A guerrilha Talibã persiste, como grande desafio às forças da OTAN. Em termos militares, a mais moderna máquina de guerra convencional não conseguiu derrotar a guerra de guerrilhas. A população, o terreno, a cultura ergueram-se contra o invasor e o ocupante.

O governo de Karzai sempre foi corrupto e impopular. A tradição tribal e a cultura afegãs frustraram todos os esforços dos EUA para seduzir corações e mentes no Afeganistão. Os aviões-robôs armados e o ‘fogo amigo’ mataram mais civis que combatentes. Os Talibã usaram com inteligência a vantagem tática que o terreno lhes assegurava no sul e sudoeste. Infiltraram-se em todas as fileiras do adversário e conseguiram atacar várias vezes dentro de Kabul.

Semana passada, um soldado afegão disparou sua metralhadora contra quatro soldados franceses na própria base militar onde todos viviam: vingava os Talebã mortos cujos cadáveres haviam sido violados por Marines norte-americanos, menos de duas semanas antes, imagens que todo o mundo viu.

Ainda há 3.600 soldados franceses no Afeganistão, de um total de 130 mil soldados estrangeiros que permanecem lá. Não foi o primeiro incidente desse tipo e não será o último. A França já suspendeu o treinamento de soldados afegãos e examina a possibilidade de retirar todos os seus soldados antes do prazo limite de 2014.

Em ano eleitoral, nem Sarkozy nem Obama querem ver suas respectivas candidaturas aliadas à imagem dos caixões de soldados devolvidos mortos do Afeganistão à terra natal. Até o fim do ano passado, morreram no Afeganistão 2.765 soldados da coalizão.

Sem terem conseguido derrotar os Talibã, que se distribuem também pelo lado paquistanês da fronteira, os EUA seguem agora o conselho de Karzai, e tentam negociar com os guerrilheiros. Semana passada, soube-se que negociadores norte-americanos encontraram-se secretamente com um representante de Gulbuddin Hekmatyar, senhor-da-guerra afegão e comandante do grupo Hizb-i-Islami, que combate contra as forças norte-americanas principalmente nas regiões leste e norte do Afeganistão.

Foi mais um passo na direção de ampliar as conversações, para que os EUA consigam chegar aos Talibã. Todas as tentativas anteriores de excluir das conversações os Talibã fracassaram. Oficialmente, os EUA não aceitam conversar com Mullah Omar, líder Talibã foragido, que se acredita que viva no Paquistão. Mas, sim, os EUA estão em conversações com representantes dele e com líderes tribais pashtuns – pelo menos, com certeza, através do governo de Karzai.

A que resultados essas conversações podem levar? Os Talibã exigem completa retirada das forças da OTAN; os EUA tentam algum acordo que inclua os Talibã num próximo governo afegão. A distância entre os dois lados da mesa é imensa. Washington já perdeu, inclusive, um dos seus maiores aliados, o Paquistão. A confiança entre EUA e Paquistão desceu ao ponto mais baixo da história, depois que os EUA promoveram uma operação clandestina para assassinar Osama bin Laden em território do Paquistão, sem informar seus aliados em Islamabad.

Há dois meses, a aviação norte-americana bombardeou dois postos militares de fronteira, matando mais de 20 soldados paquistaneses. Washington pediu desculpas formais, mas não antes de o Paquistão ter suspendido toda a colaboração com os EUA.

Segundo Hastings, também já não há confiança entre Karzai e Obama. O general McChrystal é conhecido no Afeganistão por zombar de Karzai (referia-se ao presidente afegão como “o do chapéu ridículo”). E Hastings diz que ouviu oficiais norte-americanos dizerem que Karzai seria maníaco depressivo e viciado em drogas.

É possível que, em algum ponto, Washington tenha querido reconstruir o Afeganistão e orientar o país em direção à democracia. Mas os esforços de reconstrução fracassaram, por repetidos fracassos no campo militar e pela corrupção generalizada. Até que os EUA foram obrigados a negociar com senhores-da-guerra, proprietários de vastos campos de cultivo de papoula e traficantes de ópio, tentando obter o favor deles e isolar os Talibã.

Os Talibã mantêm a guerra de atrito, ao mesmo tempo em que sugerem que aceitam negociações de paz com Karzai e os EUA. Ganham tempo, porque sabem que o tempo corre a favor deles. 2014 está ainda longe, para os EUA e seus aliados. Ao final, os invasores deixarão o país entregue ao próprio destino, como já fizeram no Iraque. Para os afegãos, o dia em que virem pelas costas os soldados da OTAN não indicará o fim da guerra, mas, apenas, que a guerra muda de curso.

Osama Al Sharif (Arab News)
29 de janeiro de 2012

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