"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 28 de janeiro de 2012

IN MEMORIAM CHRISTA

Não consigo gostar dos Estados Unidos. Nos anos 90 fui até lá, só para comprovar o que já sentia, sem mesmo conhecer o país. A bem da verdade, só estive em Nova York. Depois rumei ao Canadá. Não me senti bem no Canadá anglófono. Mas bastou chegar a Quebec e já me senti em casa.

Não gosto de cidades verticais, embora viva numa delas. Prefiro aquela geografia baixa das cidades européias. Gosto da boa restauração e neste sentido Nova York, por melhores restaurantes que tenha, fica muito aquém de Paris ou Madri. Considero hábito de bárbaros beber no bico da garrafa ou em copos de plástico. Em Nova York, eu marcava no mapa os cafés onde podia tomar uma cerveja em copo decente. E precisava bater perna por bom tempo para encontrá-los. Para comer, elegi franceses e italianos. Era uma boa possibilidade de comer bem.

De algo gostei na cidade, suas óperas. Pode-se comprar bilhetes na hora e não é preciso ir emperiquitado. Na Europa, ópera é uma ocasião de sacudir a naftalina dos smookings. Em Nova York, você pode ir de jeans e tênis e não se sentirá deslocado.

Não gosto do modus vivendi americano, essa divisão das pessoas em winners e losers. Da mania do carro. Há cidades em que é impossível viver sem carro. Como em Brasília. Gosto das cidades amigáveis aos pedestres e ciclistas. Abomino também o racismo do negro americano. Certa vez, precisei de informações na Pen Station. Num extenso corredor de guichês, só havia negros. De minha parte, tudo bem. Da parte deles, parece que não. Uma negra, notando minhas dificuldades com o inglês, falava rápido e com rispidez e não me deu colher de chá. Não entendi nada.

Dia seguinte, quando partiria, voltei aos guichês para tentar informar-me de novo. Havia um único branco entre a negrada. Fui ao guichê do branco. Fui atendido com cordialidade. Que os negros americanos tenham suas diferenças com os brancos americanos, entendo. Mas eu não sou americano, ora bolas!

Não gosto dos Estados Unidos, dizia. Mas nem por isso deixo de respeitar a sociedade que construíram. Não pertenço a essa raça que xinga os Estados Unidos através de mensagens transmitidas por Macs e PCs, utilizando o Windows ou o Mac Os. As esquerdas odeiam o capitalismo ianque, mas não dispensam os serviços de Bill Gates ou Steve Jobs. Hoje, nem o mais empedernido comunista dispensa a tecnologia do Império.

Sem nutrir simpatia pelo país, vibro quando uma shuttle decola ou aterrissa em Cabo Canaveral. É a aventura humana rumo ao espaço. Ou melhor, aos arrabaldes do planetinha, mas sempre é uma aventura. Confesso que não lembro de ter assistido aos primeiros passos de Neil Armstrong na lua. Não me interessou. A chegada na lua nós a vimos muitas vezes antes daquele 20 de julho de 1969, nos filmes de ficção científica. O feito de Armstrong tinha um ar de déjà-vu.

Tenho um amigo que considera a chegada na lua a prova mais cabal da barbárie americana. Armstrong não chorou. E só um bárbaro seria capaz de não chorar ao chegar na lua. Assino embaixo. Fernão de Magalhães, marinheiro rude, não conseguiu conter as lágrimas quando sentiu que havia descoberto a passagem para o Pacífico.

Era Salamanca e era janeiro. Mais precisamente, 28 de janeiro de 1986. Isto é, há exatos 26 anos. Para mim, uma data que não consigo esquecer. Pela manhã, fui tomar café em um bar próximo ao hotel. Olhei o jornal e vi, na primeira página, aquela estranha rosácea em pleno espaço.

A Challenger explodira acima do Oceano Atlântico, após 73 segundos de vôo, ceifando a vida de sete tripulantes, entre eles Christa McAuliffe, uma professora de New Hampshire de 37 anos. Confesso que senti um nó na garganta. Cá entre nós, bem mais que um nó.

Christa era a primeira civil a participar de uma missão espacial. Professora especializada em História Americana e Estudos Sociais, foi a escolhida entre 11.000 professores que responderam ao chamado da Nasa em 1984, que pretendia levar um educador ao espaço para que de lá ele desse aulas às crianças americanas, através do programa chamado Um Professor no Espaço.

Christa não teve chances de ministrar suas aulas.

28 de janeiro de 2012
janer cristaldo

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