Em artigo oportuno (O Estado de S. Paulo, 26/3), José Roberto de Toledo diz que em maio – dentro de pouco mais de 30 dias, portanto – “nada que não for classificado oficialmente como segredo de Estado [e, acrescente-se, informações pessoais reservadas, como prontuários médicos] poderá ser ocultado da população”. Menciona a seguir os sites oficiais com “dados abertos”. Constata: “Nunca tanto foi tão público”. Indaga: “Chegamos à transparência absoluta?”. Responde: “Nem perto”.
Toledo menciona o episódio dos despachos diplomáticos americanos tornados públicos pelo Wikileaks em 2010. Eram menos de 10% da correspondência dos diplomatas dos EUA no período e não tinham sido considerados “top secret”. O jornalista compara: “É como ir a uma churrascaria rodízio e, sem experimentar a picanha, julgar a qualidade da carne pelos espetinhos de coração de frango servidos de entrada”.
Os documentos cabiam num pen drive de 2 gigabytes de memória. Os oito anos de George W. Bush, informa Toledo, deixaram 77 terabytes de documentos. A diretora do Gabinete de Serviços de Informação do governo americano, Miriam Nisbet, calculava em 2009 que a produção de e-mails na administração federal americana andava na casa dos 30 bilhões por ano, ou, adotando-se 20 kilobytes como tamanho médio das mensagens, algo como 600 terabytes.
Excesso ou falta de dados?
O Wikileaks, ainda assim, diz Toledo “não foi capaz de lidar sozinho com todos os documentos e formou um consórcio com alguns dos mais tradicionais jornais do planeta”. Houve aí dupla filtragem: a dos jornalistas e a dos departamentos jurídicos dos jornais. “Como se vê, nada de transparência radical ou revolucionária.”
Toledo conclui que “para descobrir o que é de interesse público serão essenciais a experiência e dedicação constantes da imprensa, de pesquisadores e de organizações não governamentais como Transparência Brasil e Contas Abertas – além de interfaces tecnológicas que ajudem a dar sentido à multidão de informações. Ou morreremos afogados em dados”.
Mas é possível morrer na praia antes de cair na água. A falta de informação prejudica a mídia mais do que o excesso.
Ariovaldo, acusado de tortura
Veja-se o caso do ex-policial federal Ariovaldo da Hora e Silva, denunciado em Belo Horizonte por manifestantes do movimento Levante Popular da Juventude, ligado ao MST. Movimento, por sinal, até aqui desconhecido dos leitores da Folha de S.Paulo e do Estado, apesar de existir desde 2006.
Informa o site do deputado estadual Adelmo Leão (PT-MG):
“Ariovaldo consta na obra Brasil Nunca Mais (Projeto A), acusado de envolvimento com a morte de João Lucas Alves e de ter praticado tortura contra presos políticos. Foram vítimas dele Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo Sérgio Menezes Macedo, entre outros.”
Isso não obstante,
“Na primeira comissão constituída para tratar do recolhimento dos documentos do Dops ao Arquivo Público Mineiro (APM), em 1991, ele foi designado para representar a Secretaria da Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (Sesp). Em 1998, foi Coordenador de Informações da Coordenação Geral de Segurança (Coseg).”
Isso significa que os governadores responsáveis em última instância por sua designação (no primeiro caso, Newton Cardoso, até 15 de março daquele ano, e Hélio Garcia em seguida; no segundo caso, Eduardo Azeredo) não se interessaram em conhecer o passado do policial, ou, conhecendo-o, não se sentiram incomodados com ele. Ou, ainda, que os serviços de inteligência do Palácio da Liberdade foram incompetentes. Ou coniventes.
Note-se que o livro em que ele é denunciado como responsável por assassinato e torturas foi publicado em 1995 pelo governo do Estado de Pernambuco (Miguel Arraes) e em 1996 pelo governo do Estado de São Paulo (Mario Covas). Covas era um dos líderes eminentes do partido de Eduardo Azeredo, o PSDB.
Demóstenes, acusado de corrupção
Outro caso notável de ignorância é relativo ao senador Demóstenes Torres, expoente do DEM. Ao estabelecer com os repórteres de política de Brasília, em particular os que cobrem o Congresso Nacional, uma relação de fonte, capaz de abastecê-los com material de boa qualidade jornalística, esse procurador licenciado entrou para a categoria dos que fazem parte da paisagem, se tornam tão naturais quanto as formas arquitetônicas de Niemeyer ou a miséria das cidades satélites da capital federal.
A verdade é que muito dificilmente um repórter de Brasília se interessa pela trajetória política do parlamentar no estado em que se elege. Quando se tratava de derrotar a ditadura, essa vista grossa era benfazeja. Quem estava interessado em fuçar a vida política dos governadores que se bandearam do PDS para o PFL e apoiaram Tancredo Neves em 1984, um Roberto Magalhães, um José Agripino Maia, um Gonzaga Mota?
Hoje, porém, isso não faz o menor sentido.
Virtuoso do Planalto Central
O que não se pode ignorar é que o senador Demóstenes Torres, este, sim, sabia quem eram seus amigos. Entre eles, o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que lhe dava uma ajudinha. Demóstenes fazia o papel de virtuoso do Planalto Central.
Ainda em janeiro deste ano, o senador assinou artigo na página 3 da Folha de S.Paulo (ver aqui; para assinantes) criticando o projeto anticrack da presidente Dilma Rousseff. Recentissimamente, na quarta-feira (21/3), publicou artigo no Blog do Noblat sobre “O peso do Estado”. Em 14 de março, pontificava sobre educação numa reportagem do Estado de S. Paulo.
O que tornava mais perfeita a fachada de respeitabilidade de Torres era (talvez ainda seja) a deferência com que o tratavam colunistas de política de jornais de Goiânia.
No blogue do político encontram-se preciosidades.
** Coluna Política, assinada por Suely Arantes, jornal Hoje (19/2): “Crime sem perdão – Demóstenes Torres diz que, se depender de seu trabalho no Senado, toda corrupção será punida como crime hediondo. (...)”.
** Coluna Giro, assinada por Karla Jaime Morais, jornal O Popular (19/2): “Bons de Twitter – Em Los 30 Tuiteros, que faz ranking dos políticos mais influentes da América Latina, @marconiperillo aparece em 12º na lista nacional e @demostenes.go, em 16º.”
** Coluna “Café da Manhã”, assinada por Ulisses Aesse, jornal Diário da Manhã (20/2): “FGTS para ajudar a pagar educação”. É um blablabá vazio. Só para aparecer com texto e foto na coluna.
(24/2): “Frankenstein jurídico – (...) Segundo Demóstenes Torres, está na hora de o país produzir uma nova Constituição, que abrigue o essencial para o sistema federativo, os poderes da República, enfim, os poderes desta nação. (...)”.
** Coluna “Fio direto”, assinada por Hilton Lenine, jornal Diário da Manhã (sem data): “Cenário nacional – Demóstenes Torres só tem olhos voltados para a sucessão da presidenta Dilma Rousseff. É vontade do DEM lançar o senador goiano ao Palácio do Planalto em 2014.”
E assim segue a vida.
Como jornalistas alçados à titularidade de colunas em seus jornais, esses profissionais deveriam conhecer melhor a vida política de tão relevante personagem. Ou será que Demóstenes Torres é tão hábil que conseguiu enganar todo mundo por muito tempo?
29 de março de 2012
Mauro Malin
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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