"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 11 de agosto de 2012

JP MORGAN & CANALHAS ASSOCIADOS: DETONANDO VALORES HUMANOS

“Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a economia real se afunda numa profunda recessão, os bancos subverteram a vontade popular através do lobby”
Márcia Denser
Mesmo após a tremenda crise de 2008 e de ter virado até piada de desenho animado hollywoodiano (em Meu Malvado Favorito, o JP Morgan é o banco que empresta dinheiro para os bandidos e no qual se entra sugestivamente pelo banheiro), o capitalismo financeiro de esgoto continua a mil, detonando o dinheiro do contribuinte – que o “salvou” do dilúvio há cinco anos – e tome mais ajustes estruturais e mais “austeridade” (para quem,cara pálida?), mais desregulação, mais cortes de programas sociais e mais desemprego ou subemprego ou exclusão de mão-de-obra excedente ou os três. E novamente só pra favorecer o sistema financeiro. (Cruzes! Parece piada. E daquelas que mordem o rabo).

A economia mundial enfrenta o risco de uma nova queda e a crise atual poderá ser apenas o preâmbulo de novo e monstruoso crash, segundo Alejandro Nadal de La Jornada. O exemplo mais recente é o da perda de mais de 2 bilhões de dólares do JP Morgan, em maio, em razão de “erros flagrantes”, segundo declaração de seu arrogante presidente Jamie Dimon.

O fato é que o poder do mercado financeiro continua evitando a adoção de regras para conter a especulação. Há cinco anos na pior crise das últimas décadas, o mundo financeiro continua sem mudanças significativas.
Aqui se localiza o epicentro do terremoto: nas reformas do seu sistema de regulação que deteriam um novo desastre. Mas o poder do setor financeiro e bancário impede que se apliquem restrições à sua atividade especulativa.

O mercado mundial de derivados é estimado em 1,2 trilhões de dólares. A maioria das transações nesse gigantesco mercado, desde swaps [um contrato de compra ou venda a prazo] de dívida e de taxas de juro até exóticos veículos sintéticos de investimento, escapam a qualquer sistema de regulação. Este mercado não cumpre qualquer função social ou económica. A sua razão de ser é a pura especulação.

A volatilidade, o comportamento de rebanho e as expectativas não realizadas são traços característicos deste capitalismo de cassino e a instabilidade é a palavra chave neste terreno de apostas perigosas. Nem os agentes que participam desse mercado entendem seu funcionamento.
Os seus modelos de valorização de risco são enganadores porque reduzem a incerteza a um “cálculo de probabilidades”. Aí, o exemplo do JP Morgan não passa duma tediosa reincidência para pior.

Mas a terminologia oficial serve para ocultar o fato do banco ter feito apostas insensatas e absurdas que correram mal (assim como quem brinca com um dinheiro que não é seu, mas cuja fonte é inesgotável). Porém, este episódio encerra um presságio sinistro: os principais bancos do mundo têm níveis de exposição muito fortes neste mercado, onde tudo pode acontecer com graves consequências para a economia real.

No entanto, até agora não se estabeleceu um novo regime de regulação para mudar este estado de coisas. Em 2010, Obama promulgou a lei Dodd-Frank. É um documento de 2.300 páginas com regras que já se aplicam aos riscos que os bancos podem assumir e às atribuições das entidades reguladoras. Porém, os seus dois componentes mais importantes não entraram em vigor. Trata-se das restrições ao mercado de derivados e a chamada regra Volcker.

O artigo VII da lei estabelece que “as operações sobre derivados deverão levar-se a cabo em mercados públicos, para que os preços sejam conhecidos e se garanta o cumprimento dos contratos”.

Mas muitas regras desse artigo são obliteradas pelo lobby dos bancos e servis amigos na Securities Exchange Commission e na Commodities and Futures Trading Commission. Em especial, as definições sobre os contratos de swaps constituem terreno fértil para abrir janelas através das quais se pode contornar a regulamentação.

O outro componente chave é a chamada Regra Volcker, que “proíbe os bancos de realizarem operações para seu próprio benefício com recursos dos seus clientes”. Esta peça de regulação é do senso comum, mas para os bancos é uma grave ameaça: afeta uma das maiores (senão a maior) fontes de seus lucros especulativos. Razão pela qual não entra em vigor, porque a sua regulamentação está sendo insistentemente debatida: o poderoso lobby bancário já acrescentou 300 páginas, das 10 originais, na Regra Volcker, isto é, uma infinidade de exceções e advertências que permitirão aos bancos contornar tal proibição.

Segundo a Bloomberg, só no primeiro trimestre deste ano os nove principais bancos de investimento do mundo obtiveram lucros de 55 bilhões de dólares. É evidente que para estes bancos o mercado de derivados é um espaço vital ao qual não estão dispostos a renunciar. Um novo descalabro no mercado de derivados afetaria todos os mercados financeiros na Europa, começando pelo dos títulos soberanos. Por isso, é urgente livrarmo-nos da ditadura do capital financeiro.

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a economia real se afunda numa profunda recessão, os bancos subverteram a vontade popular através do lobby. Os seus cúmplices são os partidos políticos: nos Estados Unidos, o Comitê de Serviços Financeiros da Câmara de Representantes é o mais numeroso, porque se converteu num instrumento para recolher fundos do complexo financeiro-bancário e financiar campanhas eleitorais. E os governos em quase todo o mundo continuam se dobrando perante o mercado financeiro, paralelamente a um eleitorado indiferente e/ou apático, e uma opinião pública que, influenciada por uma mídia hegemônica, “normalizou” o estado de crise.

A situação é de impasse, contudo é preciso lembrar que, a longo prazo, não são apenas valores monetários que estão em jogo, mas sim valores humanos.E com estes não se negocia. A menos que uma queda geral na barbárie já não importe à humanidade.

11 de agosto de 2012
Márcia Denser

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