O julgamento do mensalão traz com ele uma discussão sobre a legislação brasileira de lavagem de dinheiro que, dependendo do resultado, pode definir uma jurisprudência importante para o combate à corrupção no país. O Supremo quase não julgou casos desse tipo.
Pela lei atual, mais rigorosa que a anterior, mas que não pode ser usada contra os réus pois é posterior aos atos praticados, qualquer dinheiro ilícito está enquadrado no crime de lavagem de dinheiro. Nesse caso, até mesmo o “caixa dois”, alegado pelos réus como explicação para a farta distribuição de dinheiro ocorrida, está enquadrado, mesmo sendo crime eleitoral, que não é punido com prisão.
A lei à época dos crimes elenca os diversos casos em que pode se caracterizar lavagem de dinheiro, entre eles peculato, desvio de dinheiro público. Há também discussão em torno do “crime antecedente”, visto pela legislação como imprescindível para a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Os réus, em ação claramente coordenada, tentam demonstrar que não houve desvio do dinheiro público, que seria o “crime antecedente” necessário para caracterizar lavagem de dinheiro.
Para tanto, querem fazer crer que os empréstimos dos bancos Rural e BMG foram verdadeiros, ao contrário do que acusa a Procuradoria Geral da República, para quem os empréstimos fictícios foram criados para justificar a dinheirama que o publicitário Marcos Valério e a direção do PT distribuíram pelos partidos.
Como era de se esperar, a intervenção do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão, interpelando o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, provocou reações negativas entre os advogados dos réus, que as consideraram “muito agressivas”.
Como foram transmitidas ao vivo, fica claro que não houve agressividade nas perguntas do relator, apenas colocações que deixaram à vista as contradições da versão do réu. As respostas aparentemente firmes do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato são desmentidas pelo que há nos autos.
O assunto é importante porque o uso de dinheiro público no esquema de corrupção montado pelo PT é fundamental na acusação do procurador-geral da República.
A origem dos recursos do Fundo Visanet destinados à agência DNA, de Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo, foi um dos pontos questionados por Joaquim Barbosa.
O advogado de Pizzolato tentou dizer que se tratava de dinheiro exclusivamente privado, proveniente do uso de cartões Visa pelos clientes.
No entanto, laudo da Polícia Federal deixa a situação mais clara: os recursos destinados ao Fundo de Incentivo Visanet eram compartilhados pelos “incentivadores”, segundo participação acionária de cada um na empresa.
Isso quer dizer que o BB, com cerca de 30% da sociedade, tinha direito a esse percentual, e o dinheiro desviado para as agências de Valério tinha, portanto, pelo menos em parte dinheiro público.
A DNA tinha contrato diretamente com o BB, e não com o Visanet, o que deixa mais clara a relação do banco oficial com o publicitário cuja expertise era desviar dinheiro de contratos de publicidade de órgãos governamentais para fins políticos.
Até mesmo a tentativa do advogado de dizer que seu cliente não tinha autonomia para autorizar sozinho repasses do Visanet à DNA mostrou-se frágil. Na ocasião, o colegiado que, segundo o advogado, autorizava os repasses era formado por seis gerentes de Marketing do BB, cujo diretor era o próprio Pizzolato.
Na defesa de alguns dos réus, Valério inverteu a sistemática de lavagem de dinheiro; pegou um empréstimo lícito, com base em uma promessa de que esse dinheiro seria pago com favores do governo. Isso livraria alguns dos réus da responsabilidade de ter “lavado” dinheiro sujo. O dinheiro chegou “lavado”, disse o advogado do deputado João Paulo Cunha, numa estranha maneira de se defender.
Em 2007, quando a PGR apresentou ao Supremo a denúncia do mensalão, ainda não havia elementos para acusar Delúbio Soares de lavagem de dinheiro. Mas agora o juiz Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo, aceitou em 6 de julho a denúncia do Ministério Público em que Delúbio é acusado de receber de duas agências de Valério — a SMP&B e a DNA — R$ 450 mil, oriundos de atividades ilegais, de um esquema do Banco Rural.
Também nesse processo os empréstimos são tratados como fraudes para justificar o dinheiro ilícito.
12 de agosto de 2012
Merval Pereira, O Globo
Pela lei atual, mais rigorosa que a anterior, mas que não pode ser usada contra os réus pois é posterior aos atos praticados, qualquer dinheiro ilícito está enquadrado no crime de lavagem de dinheiro. Nesse caso, até mesmo o “caixa dois”, alegado pelos réus como explicação para a farta distribuição de dinheiro ocorrida, está enquadrado, mesmo sendo crime eleitoral, que não é punido com prisão.
A lei à época dos crimes elenca os diversos casos em que pode se caracterizar lavagem de dinheiro, entre eles peculato, desvio de dinheiro público. Há também discussão em torno do “crime antecedente”, visto pela legislação como imprescindível para a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Os réus, em ação claramente coordenada, tentam demonstrar que não houve desvio do dinheiro público, que seria o “crime antecedente” necessário para caracterizar lavagem de dinheiro.
Para tanto, querem fazer crer que os empréstimos dos bancos Rural e BMG foram verdadeiros, ao contrário do que acusa a Procuradoria Geral da República, para quem os empréstimos fictícios foram criados para justificar a dinheirama que o publicitário Marcos Valério e a direção do PT distribuíram pelos partidos.
Como era de se esperar, a intervenção do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão, interpelando o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, provocou reações negativas entre os advogados dos réus, que as consideraram “muito agressivas”.
Como foram transmitidas ao vivo, fica claro que não houve agressividade nas perguntas do relator, apenas colocações que deixaram à vista as contradições da versão do réu. As respostas aparentemente firmes do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato são desmentidas pelo que há nos autos.
O assunto é importante porque o uso de dinheiro público no esquema de corrupção montado pelo PT é fundamental na acusação do procurador-geral da República.
A origem dos recursos do Fundo Visanet destinados à agência DNA, de Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo, foi um dos pontos questionados por Joaquim Barbosa.
O advogado de Pizzolato tentou dizer que se tratava de dinheiro exclusivamente privado, proveniente do uso de cartões Visa pelos clientes.
No entanto, laudo da Polícia Federal deixa a situação mais clara: os recursos destinados ao Fundo de Incentivo Visanet eram compartilhados pelos “incentivadores”, segundo participação acionária de cada um na empresa.
Isso quer dizer que o BB, com cerca de 30% da sociedade, tinha direito a esse percentual, e o dinheiro desviado para as agências de Valério tinha, portanto, pelo menos em parte dinheiro público.
A DNA tinha contrato diretamente com o BB, e não com o Visanet, o que deixa mais clara a relação do banco oficial com o publicitário cuja expertise era desviar dinheiro de contratos de publicidade de órgãos governamentais para fins políticos.
Até mesmo a tentativa do advogado de dizer que seu cliente não tinha autonomia para autorizar sozinho repasses do Visanet à DNA mostrou-se frágil. Na ocasião, o colegiado que, segundo o advogado, autorizava os repasses era formado por seis gerentes de Marketing do BB, cujo diretor era o próprio Pizzolato.
Na defesa de alguns dos réus, Valério inverteu a sistemática de lavagem de dinheiro; pegou um empréstimo lícito, com base em uma promessa de que esse dinheiro seria pago com favores do governo. Isso livraria alguns dos réus da responsabilidade de ter “lavado” dinheiro sujo. O dinheiro chegou “lavado”, disse o advogado do deputado João Paulo Cunha, numa estranha maneira de se defender.
Em 2007, quando a PGR apresentou ao Supremo a denúncia do mensalão, ainda não havia elementos para acusar Delúbio Soares de lavagem de dinheiro. Mas agora o juiz Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo, aceitou em 6 de julho a denúncia do Ministério Público em que Delúbio é acusado de receber de duas agências de Valério — a SMP&B e a DNA — R$ 450 mil, oriundos de atividades ilegais, de um esquema do Banco Rural.
Também nesse processo os empréstimos são tratados como fraudes para justificar o dinheiro ilícito.
12 de agosto de 2012
Merval Pereira, O Globo
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