Lula plantou amargura em várias das 17 praças que percorreu durante a campanha municipal de 2012. Uma das mais fundas foi enterrada na Fortaleza dos irmãos Cid e Ciro Gomes, do PSB. “Lula não foi correto conosco”, disse Cid, governador do Ceará e patrono da vitoriosa candidatura de Roberto Cláudio, hoje prefeito eleito.
Amigo dos Gomes, Lula permitiu-se escalar o malogrado palanque de Elmano de Freitas, o petista que a prefeita Luizianne Lins fabricou como candidato à sua sucessão. Ouviu duríssimos ataques a Cid e Ciro, chamados de oligarcas. E adicionou aos ataques uma insinuação.
Sem mencionar-lhes os nomes, Lula deu a entender que a o governador Cid e seu ex-ministro Ciro só se lembram dos pobres em tempos de eleição. “Foi uma agressão e uma agressão injusta”, lamuriou-se Cid numa entrevista ao repórter Felipe Patury. “Quem esteve com Lula nas horas decisivas fomos nós.”
A despeito do amargor, Cid declara-se a favor da reeleição de Dilma Rousseff. Contrapondo-se ao projeto do colega pernambucano Eduardo Campos, ele diz que o PSB tem “projeto de poder”, mas só deve ambicionar a Presidência na sucessão de 2018, após um segundo mandato de Dilma.
Um dos argumentos de Cid está escorado num paradoxo. no pós-Dilma. “Não faz sentido e não é correto participar do governo de outro partido e, depois, lançar candidatura contra esse mesmo partido.” O raciocínio é paradoxal porque seu autor fez em Fortaleza exatamente o que alega ser incorreto.
Até junho passado, o PSB de Cid e Ciro era aliado e participava do governo municipal da petista Luizianne. A dupa rompeu com a prefeita do PT, lançou um nome próprio e derrotou o ex-aliado. A entrevista do governador do Ceará está disponível aqui. Vão abaixo os principais trechos:
Não enxergo nisso uma rivalidade ou uma má relação. O PT é nosso aliado nacional. O que não se pode é achar que somos satélites do PT. Não somos. Temos um projeto de poder próprio.
– O senhor está falando da Presidência da República?
Estou, sim, e digo, para que não me interpretem errado: defendo o apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. Apoiamos a Dilma em 2010, tivemos um papel importante na eleição dela, participamos de seu governo, e ela vem fazendo uma boa gestão. É natural que apoiemos sua reeleição. Nosso projeto de Presidência deve vir depois.
– O PSB compartilha sua opinião?
Não posso dizer. O partido não deliberou sobre o assunto. Posso dizer que Eduardo Campos declarou que a eleição de 2014 deve ser tratada em 2014.
– Então, Campos pode disputar o Planalto em 2014?
Acho que ele deve aguardar 2018. É verdade que Eduardo é um grande quadro, bem preparado e o governador mais popular do Brasil. Também é claro que o PSB foi o partido que mais saiu fortalecido das urnas. É o que mais tem prefeitos de capitais, e capital é muito importante. Governa quase metade da população do Estado. Agora, eleição municipal é uma questão local. Não enxergo seus efeitos no plano estadual, muito menos no nacional. O PSB deve apoiar a reeleição de Dilma e, em 2015, devolver os cargos que tem no governo federal. Sem isso, será difícil mostrar a diferença entre nossa forma de governar e a deles. Não faz sentido e não é correto participar do governo de outro partido e, depois, lançar candidatura contra esse mesmo partido.
– Em comício do ex-presidente Lula em Fortaleza, o senhor e seus irmãos foram chamados de oligarcas e acusados de só se lembrar dos pobres em tempo de eleição. Como o senhor se sentiu?
Foi uma agressão e uma agressão injusta. Quem esteve com Lula nas horas decisivas fomos nós. Na eleição de 2002, Luizianne e Elmano de Freitas vaiaram Lula em praça pública, porque ele escolheu o José Alencar para vice. No segundo turno daquela eleição, Ciro não pestanejou e declarou apoio a Lula. Em 2005, no mensalão, parte do PT se escondeu. Outra falou em pós-Lula. Nós fomos à linha de frente defendê-lo. Os votos responsáveis pela reeleição dele vieram daqui. Fomos para a linha de frente na eleição de Dilma. Lula não foi correto conosco.
– Ingrato é uma palavra mais precisa?
Digo que não foi correto. Antes da eleição, disse a Lula: ‘Ou a gente encontra um nome capaz de inspirar um sentimento de renovação ou será muito difícil para mim’. Eu queria manter a aliança, mas com outro candidato. Lula disse que era possível e me daria uma posição. Nunca me procurou. Entendi que me deixava à vontade para que o PSB lançasse Roberto Cláudio. Não seria um excesso de gentileza se tivesse me ligado para dizer: ‘Desculpe, estou sofrendo muita pressão para ir a Fortaleza’. Vindo aqui, faria a defesa de seu candidato sem acusar ninguém. Entendo isso. Também sofro pressões do PSB para bater nos outros partidos. Não é preciso agredir para defender o que se acredita.
– O PT só ganhou a eleição numa das nove capitais do Nordeste. Lula foi o grande derrotado?
Não colocaria assim. O PT tinha duas capitais na região: Fortaleza e Recife. Foi mal nas duas administrações. Aconteceu o mesmo com gestões mal avaliadas de outros partidos. Em Natal, a prefeita (Micarla de Souza, do PV) nem concorreu. Em São Luís, o prefeito do PSDB (João Castelo) perdeu. Em Teresina, o do PTB (Elmano Férrer) também. Lula ganhou a eleição onde ele teve o cuidado de ter um bom candidato, como em São Paulo. Aonde ele foi por solidariedade ao PT ou por sentimento de dívida perdeu. As pessoas foram sábias. Distinguiram essas situações e escolheram o que era melhor para seu município.
– Como agiu a presidente Dilma?
De forma republicana. Não tenho reparo a fazer. Pelo contrário, só tenho reconhecimento pela atitude dela. Quando acabou o primeiro turno, disse isso a ela. No segundo turno, agradeci novamente. Ela respondeu: ‘Não poderia ter outra postura, você me apoiou’. E ainda me pediu o telefone do (prefeito eleito) Roberto Cláudio.
– Lula também telefonou para o senhor?
Não.
03 de novembro de 2012
Josias de Souza- UOL
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