"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 3 de novembro de 2012

"SEM MEDO DE MISTIFICAR"

 
É inacreditável a capacidade que o PT tem de mistificar quando a situação lhe é adversa, e de jogar abertamente com dois pesos e duas medidas quando se trata de defender seus próprios interesses. Nos últimos dias, os companheiros de Lula deram pelo menos dois magníficos exemplos de como não se encabulam de subestimar a inteligência do distinto público e fazer pouco do senso comum.

O primeiro, ao avaliar o resultado das eleições municipais paulistanas. O segundo, ao afrontar mais uma vez a Suprema Corte a propósito do mensalão.


A executiva estadual do PT, reunida para fazer uma avaliação do pleito, emitiu nota oficial em que afirma: "A sociedade falou em alto e bom tom que o PT não está e nunca esteve no banco dos réus", porque o resultado das urnas "abafou as vozes daqueles que tentaram fazer do julgamento do Supremo Tribunal Federal - STF - (mensalão) um instrumento de desgaste e de destruição da sigla".

De fato, a Ação Penal 470 jamais colocou no banco dos réus o PT, mas apenas seus dirigentes máximos, pelo menos do número dois para baixo, durante o primeiro mandato presidencial de Lula.

E condenou-os um colegiado constituído, na maior parte, de ministros nomeados por dois presidentes da República petistas. Esses juízes consideraram procedente a peça acusatória apresentada por dois chefes do Ministério Público Federal colocados no cargo por Lula: Antonio Fernando de Souza, que iniciou as investigações, e Roberto Gurgel, que formalizou a denúncia.

Se, como quer o PT, sua vitória em São Paulo significa uma clara manifestação de desaprovação dos paulistanos às condenações do STF e um atestado de inocência conferido aos acusados petistas, isso quer dizer também, contrario sensu, que as derrotas do PT em Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza, Manaus, Belém, Campinas e outras centenas de municípios significam apoio às decisões da Suprema Corte.

Por esse critério, as coisas vão muito mal para o PT, que afinal venceu as eleições com candidato próprio em apenas 635 cidades, que equivalem a uma população de 58 milhões dos 190 milhões de brasileiros. Fica combinado, então, que mais de 130 milhões de brasileiros condenam José Dirceu & Cia.

Por outro lado, o presidente nacional do PT, o iracundo Rui Falcão, anunciou que o partido divulgaria um manifesto contendo críticas ao que classifica de "politização" do julgamento do mensalão pelo Supremo, que, pressionado pela mídia "de direita", estaria ameaçando as liberdades individuais consagradas pela lei penal e pela Constituição.

Os petistas estavam esperando apenas a realização do segundo turno do pleito municipal para saírem em defesa de seus dirigentes condenados por corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e outros delitos. E Falcão deixou claro, ao arrepio do Estatuto do PT, que os apenados não serão expulsos.

Afinal, os petistas consideram Dirceu, Genoino, Delúbio e João Paulo Cunha "prisioneiros políticos" julgados por um "tribunal de exceção" - todos eles cidadãos que têm "serviços prestados ao País".

Na verdade, é o PT quem está politizando o debate sobre o mensalão. Insistem os seguidores de Lula que os ministros da Suprema Corte estão julgando sob pressão da mídia e de uma opinião pública por ela manipulada.

É quase um insulto à biografia dos ministros, a maioria dos quais passou pelo crivo do comando petista no processo de escolha para compor o STF. Além disso, o argumento tropeça em outra incongruência. Se a opinião pública está pressionando a favor da condenação do mensalão, por que teria colocado nas urnas, "em alto e bom tom", um voto de absolvição dos mensaleiros?

Persistindo nas incongruências, afirmam os petistas que o mensalão é "uma farsa", ou seja, nunca existiu, mas asseguram que foi inventado, em Minas Gerais, em 1998, pelo mesmíssimo Marcos Valério, a serviço da campanha de reeleição do tucano Eduardo Azeredo.

Esse escândalo já foi denunciado ao STF pelo Ministério Público e está entregue à relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Só falta o PT - para manter-se coerente com sua incoerência - sair também em defesa dos mensaleiros tucanos, acusados das mesmas práticas criminosas que estão levando a cúpula petista à cadeia.

03 de novembro de 2012
Editorial do Estadão

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