"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

MERCADO E LIBERDADE

    
          Artigos - Cultura 
O crescente controle governamental não produzirá ou sustentará uma “cultura de sanidade”. Se Robert Conquest estiver certo, o resultado será o extremo oposto. A insanidade do estado socialista significa a degradação de toda a cultura.

No livro Reflections on a Ravaged Century de Robert Conquest, encontramos um capítulo cujo nome é “A Cultura da Sanidade”. O capítulo começa com a seguinte observação: “A única razão pela qual somos capazes de examinar a nossa história e a história alheia de modo amplo é o fato de que a cultura que possibilita essa mentalidade sobreviveu e prevaleceu”.

Logo em seguida ele diz que a liberdade se desenvolveu espontaneamente por meio da proeminência de uma sociedade mercantil vibrante na Inglaterra medieval. “Havia muita mobilidade, propriedade privada ao invés de familiar, além de muito comércio e produção não-agrícola”, escreveu Conquest. “Assim... aquilo que pode ser entendido como economia de mercado já é existente – e prevalecente – desde há muito tempo e foi a base pela qual a Revolução Industrial inglesa se apoiou para emergir.”

Hoje em dia, as lideranças políticas supõem que a liberdade de comprar e vender pouco tem a ver com a liberdade de expressão ou com a liberdade política. Mas se as fontes de Conquest estiverem certas, a liberdade política é fruto da liberdade econômica.
É verdade que a essência do governo britânico que se seguiu ao colapso romano resultou em anarquia e belicismo feudal.
Contudo, o resultado também teve suas benesses por conta de uma negligência benigna. Sem uma burocracia imperial regularizada, impostos, regulamentos ou imposições, o intercâmbio de bens e serviços fomentou um novo tipo de cultura e novas atitudes.
Os reis da Inglaterra não possuíam um exército fixo ou uma burocracia para oprimir o povo. Tentativas de taxar injustamente, sem o consentimento dos governados, corriqueiramente resultavam na desobediência e na recusa de pagar a taxa.
“Falando de modo geral”, escreveu Conquest, “grandes e bem sucedidos governantes da Inglaterra foram aqueles que, como Eduardo I e Eduardo III, trabalharam dentro das leis e dos costumes, além de terem buscado cooperação ao invés de submissão dos representantes das cidades e condados.”

De acordo com Conquest, no curso da história inglesa, sempre que monarcas (como Eduardo II, Ricardo III e Jaime II) “buscaram estender o poder do estado à custa da comunidade” houve reação, ou seja, uma contrarrevolução em favor da restauração da liberdade. Lembremos também o caso do Rei João, que foi compelido a assinar a Magna Carta; ou mesmo o caso de Jorge III, que não conseguiu suprimir as colônias inglesas na América.

Assim, foi a cultura que repetidamente afirmou-se contra as aspirações tirânicas de uma meia-dúzia de monarcas ao longo de nove séculos. Foi uma cultura nascida espontaneamente do livre mercado. É isso que Conquest chamou de “a cultura da sanidade”. Ele ainda escreveu que “as culturas tiveram – e ainda têm – suas grandes, intrínsecas e afortunadas vicissitudes, de modo que elas não podem ser rapidamente movidas em novas direções”.
Enquanto que a cultura civil pode levar décadas – ou até séculos – para se levantar após um “ambiente despótico”, tentativas de tiranizar uma cultura de liberdade provavelmente encontrarão fortes reprimendas conforme a história inglesa nos mostrou repetidamente.

No entanto, temos visto tremendas mudanças culturais nos últimos 100 anos. Talvez, a mais devastadora delas é a crescente dependência que a economia tem do estado. E essa dependência cria dois problemas: primeiro, o estado debilita o povo e destrói a autossuficiência dele; segundo, o estado negligencia sua função de guarda nacional em favor de uma postura de babá (dar comida, moradia e vestimenta a milhões de cidadãos que, por conta disso, deixaram de procurar comida, moradia ou vestimenta por si mesmos).
Quanto mais o estado enfraquece a estrutura social, mais orçamento estatal é transferido da defesa para o bem-estar. Conforme a dependência do estado cresce, mais vagarosa fica a economia.
Com o tempo descobrimos que a arrecadação de receitas cai enquanto uma soma cada vez maior vai para a manutenção do ciclo de dependência então criado.
Sob essa dinâmica, o orçamento direcionado à segurança nacional deve necessariamente diminuir em ritmo acelerado.

Deste modo, a contração econômica coincide com a contração da segurança nacional. Além do mais, podemos ver histórias como “Ameaça cibernética aumenta” onde o vice-almirante aposentado Mike McConnell, ex-diretor da NSA [National Security Agency] está frustrado por conta de tão pouco ter sido feito para proteger nossa vulnerável infraestrutura.
E recentemente lemos sobre um ciberataque iraniano a empresas privadas e bancos dos EUA, que estão sob uma crescente tendência dessa rotina (veja “Companhias têm medo de falar sobre ciberataques”). O que o governo diz? A secretária de Segurança Nacional se vangloria ao admitir que um ciberataque catastrófico é iminente. E por que deveria ser? O que ela estava fazendo nos últimos quatro anos?

Enquanto a Coreia do Norte ameaça começar uma guerra no Oriente e a China desenvolve um sistema de transporte ferroviário de longo alcance para transportar mísseis, os Estados Unidos continuam a se desarmar. Enquanto o Irã constrói sua primeira arma nuclear, a Marinha se prepara para demitir milhares de funcionários militares.

Enquanto o governo russo alerta Israel e os EUA contra um ataque preventivo ao Irã, o novo Secretário de Defesa dos EUA expõe suas ideias anti-nucleares perante o Senado (sabendo que isso pode prejudicar sua nomeação). (O aspirante Secretário de Defesa foi um dos que manifestadamente pediu para que se parasse de financiar a radio Free Europe; além disso, ele faz parte do Fundo Ploughshares, um grupo financiado por George Soros que apoia o desarmamento nuclear norte americano). 
E, acima de tudo isso, enquanto um general chinês diz às tropas para se “prepararem para o combate” contra o Japão, o exército dos EUA foca no objetivo politicamente correto de integrar mulheres no combate.

Se a cultura da liberdade foi esculpida pelo mercado, qual cultura está sendo esculpida pela dependência governamental? Não é nem mesmo uma cultura que defende apropriadamente seus próprios interesses.
É uma cultura que foi modificada por meio da interferência política (especialmente na educação, nas leis e na família). Ao invés de sermos uma cultura econômica, baseada no livre mercado, tornamo-nos uma cultura política onde tudo é politizado – inclusive o mercado.
De acordo com Conquest, “Todos os grandes problemas que o mundo enfrentou em nossa era foram causados por pessoas que fizeram da política uma obsessão. O político deveria ser um servo e deveria ter um papel limitado.” Mas agora, parece que nós somos os servos e o governo é o senhor.

Na semana passada falei com dois políticos venezuelanos sobre os rumores acerca da morte do presidente Hugo Chávez. Um deles tinha esperança de que seu país recuperasse a liberdade. O outro temia que a Venezuela tivesse se tornado uma colônia socialista cubana.
Quase no fim da conversa ele disse: “A mesma coisa que começou aqui na Venezuela mais de uma década atrás também começou agora nos Estados Unidos – um crescente controle governamental sobre as coisas.”

O crescente controle governamental não produzirá ou sustentará uma “cultura de sanidade”. Se Robert Conquest estiver certo, o resultado será o extremo oposto.
A insanidade do estado socialista significa a degradação de toda a cultura. Mas essa degradação não durará para sempre. C
omo escreveu Gustave Le Bon “mas como suas promessas são necessariamente em vão [...] sua impotência tornar-se-á flagrante a todos os olhos justamente na hora do seu triunfo e, assim, surgirão como seus inimigos a própria turba que outrora seduziu...”

Publicado no Financial Sense.

29 de janeiro de 2013
Jeffrey Nyquist

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