Essa discussão sobre a ofensiva governista no Congresso para dificultar a vida de novos partidos a rigor nem deveria existir. Só existe porque se criou um festival de casuísmos em que um erro passou a justificar o outro, a ponto de o Poder Judiciário aderir à lógica de que há leis que pegam e outras que não pegam.
O caso da vez é a ideia de vedar aos novos partidos o acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao horário eleitoral no rádio e na televisão. A tese enuncia a necessidade de impedir a criação de mais legendas de aluguel e, assim, moralizar o processo.
Seus porta-vozes fazem papel de santos em ambiente de devassidão; apresentam-se para organizar uma bagunça da qual são sócios proprietários.
O objetivo imediato de um lado é dificultar apoios a prováveis oponentes da presidente Dilma Rousseff em 2014 e preservar uma fatia do mercado. De outro, entrar no rateio do Fundo Partidário (R$ 294 milhões em 2013) e do tempo de propaganda.
Um casuísmo? Escandaloso: no ano passado gente que está hoje contra o projeto era a favor, e vice-versa. Na hora de ajudar o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o PSB que hoje se sente prejudicado estava junto com outros aliados na sustentação dos pilares sobre os quais foi erguido o PSD.
O PMDB que agora apoia a barreira aos novatos, no ano passado estava junto com o DEM, o PSDB, o PPS e outros signatários da ação no Supremo questionando o direito do PSD ao Fundo Partidário e ao tempo e televisão na proporção do tamanho da bancada, àquela altura com cerca de 50 deputados. Nenhum eleito pela legenda criada em 2011.
Casuísmo explícito, mas não o único nessa série de remendos em série decorrentes, ao que tudo indica, de um pecado de origem: o desleixo em relação à lei vigente.
Duas delas dizem expressa e claramente que os partidos terão direito à distribuição dos recursos e ao tempo no horário eleitoral “proporcionalmente à representação na Câmara dos Deputados”. E como se faz esse cálculo? Segundo as leis, “de acordo com os votos obtidos na eleição anterior”.
Segundo a lei eleitoral, uma terça parte do horário em rádio e TV é distribuída entre todas as legendas com registro e dois terços repartidos pelo critério do tamanho das bancadas. A lei que rege os partidos reserva 5% do fundo para todos e manda que 95% sejam repartidos conforme a representação resultante da eleição antecedente.
Pois bem, o PSD tinha um ano de vida, não havia passado por nenhuma eleição e, portanto, não atendia ao critério. Ainda assim, obteve do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal o benefício que a lei negava.
E por que isso aconteceu? Resultou da interpretação de uma questão anterior, da fidelidade partidária, examinada em 2008 pelo TSE e o STF. Ficou determinado que os mandatos pertenciam aos partidos; perderiam os mandatos os eleitos que trocassem de legenda. Exceção aberta aos migrantes para novas legendas ou quando o político fosse vítima de perseguição em sua agremiação.
Para as siglas resultantes de fusão a norma é diferente: não perde o mandato quem sai, mas perde quem entra porque a justiça não entende como novo o partido produto de união com outro.
De qualquer forma, brecha aberta, a maioria entendeu nos tribunais que “a realidade” se sobrepunha à letra fria da regra e que não teria cabimento impedir que um partido já com bancada expressiva não recebesse recursos e tempo proporcionais à representação. Por menos que não tivesse passado por uma eleição, como legalmente exigido.
E assim, de exceção em exceção, nenhuma regra se consolida e, à falta de disposição para reforma digna do nome, a política se transforma numa oficina de remendos. Mal feitos.
21 de abril de 2013
Dora Kramer
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