Os leitores de best-sellers são tão medíocres que sequer sabem se gostam ou não do que lêem. É preciso que o livro seja anunciado como o mais vendido, para saberem se gostaram ou não. Nesse sentido, são duplamente esbulhados. O primeiro esbulho é o fato de comprarem obras feitas de encomenda para o mercado. O segundo é que os mais vendidos não são assim tão vendidos.
Em 2006, a diretora editorial Luciana Villas-Boas trazia à tona, em entrevista à Folha de São Paulo, este segredo de polichinelo:
"Quando comecei a trabalhar na Record, em 1995, via que apareciam na imprensa números de venda de nossos livros muito diferentes daqueles que eu conhecia internamente. Fui indagar, e me disseram: 'Você não sabe do fator 2? É usado por toda a indústria editorial'. E isso significava duplicar todos os números para efeito de divulgação".
Ou seja, os paulos coelhos e verissimos da vida certamente vendem muito, mas não tanto quanto dizem. Outros editores entrevistados pelo jornal dizem, pudorosamente, jamais ter ouvido falar - ou apenas ter ouvido falar - da malandragem. Há três meses, comentei esta fórmula de fabricar best-sellers, denunciada em reportagem da Veja. No fim do ano passado, o produtor de Hollywood Bob Rehme, executivo da Paramount, revelou que em 1969 foi encarregado de promover o filme Bravura indômita (True grit), que valeu o Oscar a John Wayne.
Ocorre que a Paramount havia comprado os direitos do livro homônimo, de autoria de Charles, antes mesmo de sua publicação. Apostava num sucesso de vendas, sobre o qual erguera toda a estratégia comercial do filme: “baseado no best-seller” era uma frase fundamental nos cartazes. Mas, embora o livro tivesse colhido boas resenhas, o aguardado sucesso se recusava a vir.
Aproveitando-se do fato significativo de que uma pequena fração da verba promocional do filme à sua disposição era suficiente para comprar milhares de exemplares de qualquer livro do mundo, Bob Rehme mandou fazer exatamente isso. Não sem antes, levantar a relação das livrarias que o New York Times monitorava para apurar sua lista de mais vendidos.
Nunca um lugar no alto do rol de best-sellers foi tão garantido. É o que deve ter acontecido a Cinqüenta tons de cinza e todo lixo que inunda as livrarias, não só do Brasil como também dos demais países. O leitor, como um cordeirinho, cai na armadilha dos números armada por autores e editores.
Não bastasse o leitor de best-sellers precisar de grandes números para saber se gosta ou não gosta do que lê, precisa também saber quem é o autor do texto que lê. Não tem a mínima idéia se lhe agrada ou não o que tem em mãos. Isto vai depender do autor. É o que nos mostra recente episódio ocorrido no Reino Unido.
Leio nos jornais que um romance policial escrito sob pseudônimo por J.K. Rowling alcançou na segunda-feira passada o topo da lista dos livros mais vendidos no país, mas só depois de revelado que ela era a verdadeira autora, o que deixou em situação desconfortável alguns editores que haviam rejeitado a obra.
Para o leitor culto, que vive longe do mundo da baixa literatura, explico quem é Rowling. É aquela moça que se tornou a escritora de maior sucesso comercial na Grã-Bretanha com a série Harry Potter.
O súbito best-seller é The cuckoo's calling (O chamado do cuco). No caso, a autora se apresentou como um policial militar aposentado chamado Robert Galbraith. Desde o lançamento do livro, em abril passado, haviam sido vendidos 1,5 mil exemplares da edição de capa dura. A identidade da autora foi revelada no fim de semana por um jornal dominical britânico. Nesta segunda edição, o livro chegou ao topo da lista dos best-sellers da Amazon britânica e deixou as livrarias e lojas online sem condições de atender à demanda.
"É algo quase inédito um livro que não esteja nem sequer entre os 5 mil mais vendidos passar a número 1 tão rapidamente", declarou o gerente de livros da Amazon.co.uk, Darren Hardy. Segundo o gerente, The cuckoo's calling se classificou como um dos candidatos a se tornar um dos livros mais vendidos do verão britânico.
Ou seja: neste nosso mundinho em que a publicidade rege a vontade dos descerebrados, o produto já não mais importa. O que importa é a grife. O leitor já não é capaz, não digo de saber se tem em mãos boa ou má literatura, já que esta capacidade há muito perdeu. É mais grave: o leitor já não é nem mesmo capaz de dizer se gosta ou não do que lê. Precisa saber antes quem escreveu.
Isto tornou-se comum no mundo da pintura. Quadros pintados por falsários exímios, cuja falsidade só pode ser verificada por peritos, subitamente deixam de ter valor quando a falsificação é descoberta. Enquanto ninguém nota, o quadro vale milhões.
Inversamente, se a contrafação passa despercebida, o quadro continua tendo valor. Quem intuiu isto com propriedade foi Salvador Dali, o genial vigarista catalão. No final da vida, ciente de que sua assinatura valia mais que qualquer quadro, assinou durante dias a fio milhares de telas em branco, a serem pintadas mais tarde por funcionários de seu ateliê. Ninguém pode alegar que são falsos Dalis, afinal levam o jamegão do autor. Com sua molecagem, Dali demoliu a crítica de pintura contemporânea. Os marchands detestam Dali.
Rowling também sabe disto. Com um hábil recurso publicitário, ocultou inicialmente seu nome. Para valorizá-lo. A autora tem perfeita consciência de que seu público é composto por paspalhos, que compram qualquer bobagem que escreva.
19 de julho de 2013
janer cristaldo
Em 2006, a diretora editorial Luciana Villas-Boas trazia à tona, em entrevista à Folha de São Paulo, este segredo de polichinelo:
"Quando comecei a trabalhar na Record, em 1995, via que apareciam na imprensa números de venda de nossos livros muito diferentes daqueles que eu conhecia internamente. Fui indagar, e me disseram: 'Você não sabe do fator 2? É usado por toda a indústria editorial'. E isso significava duplicar todos os números para efeito de divulgação".
Ou seja, os paulos coelhos e verissimos da vida certamente vendem muito, mas não tanto quanto dizem. Outros editores entrevistados pelo jornal dizem, pudorosamente, jamais ter ouvido falar - ou apenas ter ouvido falar - da malandragem. Há três meses, comentei esta fórmula de fabricar best-sellers, denunciada em reportagem da Veja. No fim do ano passado, o produtor de Hollywood Bob Rehme, executivo da Paramount, revelou que em 1969 foi encarregado de promover o filme Bravura indômita (True grit), que valeu o Oscar a John Wayne.
Ocorre que a Paramount havia comprado os direitos do livro homônimo, de autoria de Charles, antes mesmo de sua publicação. Apostava num sucesso de vendas, sobre o qual erguera toda a estratégia comercial do filme: “baseado no best-seller” era uma frase fundamental nos cartazes. Mas, embora o livro tivesse colhido boas resenhas, o aguardado sucesso se recusava a vir.
Aproveitando-se do fato significativo de que uma pequena fração da verba promocional do filme à sua disposição era suficiente para comprar milhares de exemplares de qualquer livro do mundo, Bob Rehme mandou fazer exatamente isso. Não sem antes, levantar a relação das livrarias que o New York Times monitorava para apurar sua lista de mais vendidos.
Nunca um lugar no alto do rol de best-sellers foi tão garantido. É o que deve ter acontecido a Cinqüenta tons de cinza e todo lixo que inunda as livrarias, não só do Brasil como também dos demais países. O leitor, como um cordeirinho, cai na armadilha dos números armada por autores e editores.
Não bastasse o leitor de best-sellers precisar de grandes números para saber se gosta ou não gosta do que lê, precisa também saber quem é o autor do texto que lê. Não tem a mínima idéia se lhe agrada ou não o que tem em mãos. Isto vai depender do autor. É o que nos mostra recente episódio ocorrido no Reino Unido.
Leio nos jornais que um romance policial escrito sob pseudônimo por J.K. Rowling alcançou na segunda-feira passada o topo da lista dos livros mais vendidos no país, mas só depois de revelado que ela era a verdadeira autora, o que deixou em situação desconfortável alguns editores que haviam rejeitado a obra.
Para o leitor culto, que vive longe do mundo da baixa literatura, explico quem é Rowling. É aquela moça que se tornou a escritora de maior sucesso comercial na Grã-Bretanha com a série Harry Potter.
O súbito best-seller é The cuckoo's calling (O chamado do cuco). No caso, a autora se apresentou como um policial militar aposentado chamado Robert Galbraith. Desde o lançamento do livro, em abril passado, haviam sido vendidos 1,5 mil exemplares da edição de capa dura. A identidade da autora foi revelada no fim de semana por um jornal dominical britânico. Nesta segunda edição, o livro chegou ao topo da lista dos best-sellers da Amazon britânica e deixou as livrarias e lojas online sem condições de atender à demanda.
"É algo quase inédito um livro que não esteja nem sequer entre os 5 mil mais vendidos passar a número 1 tão rapidamente", declarou o gerente de livros da Amazon.co.uk, Darren Hardy. Segundo o gerente, The cuckoo's calling se classificou como um dos candidatos a se tornar um dos livros mais vendidos do verão britânico.
Ou seja: neste nosso mundinho em que a publicidade rege a vontade dos descerebrados, o produto já não mais importa. O que importa é a grife. O leitor já não é capaz, não digo de saber se tem em mãos boa ou má literatura, já que esta capacidade há muito perdeu. É mais grave: o leitor já não é nem mesmo capaz de dizer se gosta ou não do que lê. Precisa saber antes quem escreveu.
Isto tornou-se comum no mundo da pintura. Quadros pintados por falsários exímios, cuja falsidade só pode ser verificada por peritos, subitamente deixam de ter valor quando a falsificação é descoberta. Enquanto ninguém nota, o quadro vale milhões.
Inversamente, se a contrafação passa despercebida, o quadro continua tendo valor. Quem intuiu isto com propriedade foi Salvador Dali, o genial vigarista catalão. No final da vida, ciente de que sua assinatura valia mais que qualquer quadro, assinou durante dias a fio milhares de telas em branco, a serem pintadas mais tarde por funcionários de seu ateliê. Ninguém pode alegar que são falsos Dalis, afinal levam o jamegão do autor. Com sua molecagem, Dali demoliu a crítica de pintura contemporânea. Os marchands detestam Dali.
Rowling também sabe disto. Com um hábil recurso publicitário, ocultou inicialmente seu nome. Para valorizá-lo. A autora tem perfeita consciência de que seu público é composto por paspalhos, que compram qualquer bobagem que escreva.
19 de julho de 2013
janer cristaldo
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