É difícil compreender o Partido dos Trabalhadores. Um estrangeiro que chegasse ao Brasil e recebesse ao desembarcar a Resolução Política e o conjunto de moções aprovadas pelo 4° Congresso do PT no último fim de semana, teria dificuldades em associá-las à trajetória do partido nos últimos 10 anos e aos governos de Lula e Dilma.
A Resolução Política aprovada pelo Congresso Extraordinário do PT possui um tom anticapitalista estranho às políticas propostas pelo partido no poder e coloca a presidente Rousseff numa posição difícil.
Afinal, como reafirmar o compromisso de seu governo com a liberdade e a democracia, quando o seu partido defende uma política impopular e injustificável para a regulamentação da mídia?
O mundo da informação evoluiu nas últimas décadas mais rápido do que as ideias políticas dos grupos que formam o Partido dos Trabalhadores. Nos documentos aprovados no 4° Congresso não se vê o partido com a maior bancada da Câmara dos Deputados e vencedor das últimas três eleições presidenciais, mas vemos outro partido, que pouco amadureceu desde anos 90 e desconfiado da capacidade de julgamento da população que há 30 anos lhe confere repetidas vitórias eleitorais.
Preocupado em elaborar um modelo de comunicação para o país, o PT foi vencido pela internet e sua ideia de regulamentação chega atrasada ao debate. O modelo de mídia contra o qual o partido ainda pretende lutar morre um pouco a cada dia, sozinho, vítima da velocidade da informação e do avanço da tecnologia.
O controle da mídia e a regulamentação de seu conteúdo é uma bandeira impopular, e o PT sabe disso. Em mais de uma oportunidade, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o único controle sobre a mídia que considera é o controle remoto. Na própria resolução, aprovada no último fim de semana, encontramos que o repúdio a qualquer tentativa de censura ou restrição à liberdade de imprensa seria, para o partido, uma questão de princípio.
No entanto, o PT continua a confundir a inexistência de uma lei de imprensa com a impossibilidade de um veículo de imprensa ser processado judicialmente por algum crime que venha a cometer. O jornalismo feito com calúnias já é regulamentado e sujeito a punições, mesmo na ausência de uma lei de imprensa. A política aprovada no Congresso do PT ecoa a ideia expressa pelo líder do partido no Senado em reação à reportagem da revista Veja sobre os hábitos do ex-ministro José Dirceu em Brasília. O PT usa um suposto crime de um único veículo de comunicação como instrumento para enquadrar toda a imprensa e transforma a alegação de um crime em motivo para a intervenção do estado no setor.
A impopularidade da ideia de regulamentação da mídia pode ser medida pelas sucessivas recusas de Dilma Rousseff em endossá-las e pelo movimento de aliados do PT para se distanciarem dessa posição. Em Brasília, o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, lembrou que o ordenamento jurídico do país já prevê sanções contra crimes de imprensa e classificou a proposta do partido como “assustadora”.
As referências feitas no documento ao monopólio dos grupos de mídia expõem mais uma vez a distância entre a visão da burocracia partidária petista e o novo momento que vive o campo das comunicações. A insistência do partido em protagonizar um duelo com a “mídia conservadora”, em uma década que vê a audiência dos canais abertos em queda e a sua perda constante de telespectadores para a TV a cabo, e principalmente para a internet, é prova que o PT propõe uma política de comunicação para um tempo que já passou. Sem compreender o movimento espontâneo da internet, o partido fala em garantir a diversidade em um meio onde quase tudo que existe pode ser encontrado, como e quando se desejar.
Perdido em um mundo em que a comunicação é definida pelo resultado do embate entre o poder do estado e o das grandes empresas de comunicação, o partido não vê que a comunicação cresceu para longe dos dois campos anteriormente dominantes, e que suas tentativas de regulamentar um modelo de comunicação baseadas no rádio e na televisão já nascem desatualizadas. O futuro da comunicação será online, descentralizado e o mais longe possível do planejamento e da regulamentação estatal.
No clássico Sobre a Liberdade, o filósofo britânico John Stuart Mill escreveu, em 1859, que “[é] de se esperar que tenha chegado o tempo em que não se faz necessária defesa alguma da ‘liberdade de imprensa’ como uma das garantias contra governos tirânicos e corruptos”. Hoje, mais de 150 anos depois dessas palavras serem publicadas, a defesa da liberdade de imprensa ainda é exercício diário e continua a ser a nossa principal defesa contra governos tirânicos, corruptos e autoritários.
06 setembro de 2011
Magno Karl, cientista social pela UFRJ, é tradutor e assistente de pesquisas de OrdemLivre.org.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
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