"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 12 de setembro de 2011

DEZ PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA (PARTE 1)

Inspirado no que fez o professor Gregory Mankiw, do Departamento de Economia de Harvard, autor de alguns dos mais utilizados livros didáticos de Economia, compilei ideias fundamentais de diversos autores da área de economia política e as organizei na forma de “dez princípios”. É um trabalho ainda imperfeito e que ganhará muito com críticas e sugestões de leitores, razão que me motiva a publicá-lo na forma de artigos para o site OrdemLivre.org.

Neste, apresentarei a lista completa dos 10 Princípios e discutirei os três primeiros. Nos dois próximos artigos, apresentarei os sete princípios restantes.

Os 10 Princípios de Economia Política são:

Princípio 1: todos os indivíduos são proprietários de recursos escassos e sua renda é afetada pela variação do valor desses ativos;

Princípio 2: qualquer indivíduo prefere para si mesmo mais do que julga ser bom e menos do que julga ruim;

Princípio 3: todo indivíduo toma decisões sob informação imperfeita;

Princípio 4: todas as organizações da sociedade são compostas por indivíduos e sua capacidade de ação será afetada pelo contexto em que esses indivíduos interagem;

Princípio 5: o mercado e a política são os principais mecanismos por meio dos quais a renda circula entre os agentes de qualquer sociedade;

Princípio 6: ganhos de produtividade, imprescindíveis para o crescimento de longo prazo de qualquer economia, resultam da ação humana e dependem da liberdade para inovar;

Princípio 7: políticas que impõem transferência arbitrária de renda entre indivíduos tendem a desestimular o crescimento da produtividade dos “perdedores”;

Princípio 8: a qualidade das decisões políticas e a eficiência das regulações da economia dependem: (a) do controle dos agentes públicos; (b) da prevalência do mérito individual como elemento estruturador das organizações; e (c) da prevalência de regras universais;

Princípio 9: organizações submetidas à concorrência são mais estimuladas a buscar ganhos de produtividade que organizações monopolistas;

Princípio 10: planejamento é mecanismo necessário para tomar e implementar decisões, mas não garante o sucesso das mesmas.

Vejamos, agora, o que significa cada um desses princípios.

1. “todos os indivíduos são proprietários de recursos escassos e sua renda é afetada pela variação do valor desses ativos”

Diferentemente do que os teóricos e militantes socialistas costumam assumir, não são apenas os ricos que têm propriedades e que, por conseguinte, beneficiar-se-iam de um conjunto de instituições estabelecidas com o propósito de garantir a propriedade privada e o direito de trocá-la por seu valor de mercado. Esse erro deriva de outro, ainda mais grosseiro, que exclui o “trabalho” da lista dos fatores de produção de uma economia. [Grosseiro porque foram os economistas clássicos – Marx incluído – que criaram a chamada “teoria do valor trabalho”, segundo a qual o valor de cada “coisa” (e.g., uma cadeira) seria medido pela quantidade de trabalho que ela comandaria na economia – i.e., a quantidade de trabalho embutido na produção de tudo o mais que poderia ser comprado com o produto da venda da cadeira.]

A exclusão do trabalho do conjunto dos fatores de produção faz com que se restrinja o conceito de propriedade privada (dos meios ou fatores de produção) à terra e ao capital (dinheiro, ferramentas, máquinas), limitando o grupo dos proprietários aos ricos nesses dois fatores. [No entanto, essa exclusão deliberada não é capaz de eliminar o fato concreto de que o trabalho é um fator imprescindível para a transformação dos demais em bens – produtos e serviços –, necessários à melhoria do bem-estar e ao crescimento econômico. Isso explica por que os regimes socialistas, no intuito de eliminar a propriedade privada sobre a terra e o capital, inevitavelmente precisaram eliminar a liberdade individual – isto é, a propriedade privada sobre o fator trabalho –, se tornando totalitários.]

Restabelecer o trabalho como fator de produção implica elevar todo cidadão à condição de proprietário. Simultaneamente, implica reconhecer que a garantia da propriedade privada passa por assegurar a liberdade individual para negociar livremente os termos de sua transferência do proprietário original a outro, por ele escolhido. O trabalho é um ativo (asset, em inglês) justamente porque pode gerar valor (dinheiro, renda).

Por fim, cabe salientar que, assim como a renda da terra, o produto das máquinas e a taxa de rentabilidade das aplicações financeiras, a renda do trabalho também varia naturalmente em função da oscilação dos níveis conjunturais e estruturais de oferta e de demanda por trabalho (em suas diversas especializações) na economia. E que, assim como os proprietários dos demais fatores, os proprietários de trabalho demandarão remuneração mais elevada por meio de estratégias econômicas (e.g., elevação da produtividade, desvio para atividades ou locais onde a demanda seja maior) ou manobras políticas (e.g., legislação, regulação, políticas públicas que imponham transferências obrigatórias da renda dos demais para eles).

2. “qualquer indivíduo prefere para si mesmo mais do que julga ser bom e menos do que julga ruim”

A maior simplificação deste princípio diz que todo indivíduo quer obter mais renda, trabalhando menos. Afinal, pensam alguns, “dinheiro nunca é demais”! Mas isso é uma simplificação e precisa ser contextualizada. Dizer que dinheiro não se obtém sem custos é uma obviedade, mas é fundamental perceber suas implicações. Raros são os casos em que podemos ganhar mais, a menor custo. Na maior parte das vezes, ganhar mais do que se tem no presente requer uma dose maior de esforço, risco, tempo ou poupança presente (postergação do consumo), ou seja, de algo “ruim”. Para maximizar um mesmo fim, é possível seguir estratégias econômicas ou políticas, as quais têm custos diferenciados (para si e para os demais) e podem ser vistas como alternativas ou complementares, dependendo das capacidades dos agentes e dos contextos em que estejam inseridos. A escolha entre elas se faz, em boa parte das vezes, buscando avaliar esses custos. Sempre que houver uma alternativa para fazer com que outros paguem mais para que nós possamos receber mais benefícios, ela será fortemente considerada.

3. “todo indivíduo toma decisões sob informação imperfeita”

Pode parecer óbvio, mas não é. Ninguém tem como coletar e processar todas as informações necessárias para tomar decisões perfeitas, que assegurem os ganhos mais elevados aos custos mais baixos. Isso é tão verdadeiro no plano individual quanto no agregado – as organizações (empresas, associações, agências públicas) e a sociedade como um todo. Esse princípio é fundamental para entendermos, ao menos parcialmente, por que empresas privadas vão à falência, indivíduos ficam presos em congestionamentos, políticos perdem eleições e programas governamentais fracassam.

Nos próximos dois artigos discutirei os demais princípios. Até lá!

11 de julho de 2011
Carlos Pio é doutor em Ciência Política, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Professor Titular do Instituto Rio Branco e autor do livro Relações Internacionais – economia política e globalização (Brasília, Funag/Ibri, 2001).

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