"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 10 de setembro de 2011

TODOS JUNTOS CONTRA A INTELIGÊNCIA


Artigos - Governo do PT


Marchar “contra a corrupção”, como quem ademais só vê a faceta dinheirista do mal, é pior que amenizar a massa de crimes petistas: é diluí-la entre ladrões de toda espécie para manter intacto o vírus com o qual eles continuarão se alimentando.

O brasileiro, quando fica doente, acorre logo ao médico para diagnosticar o problema, mas, quando nota o país enfermo, acha natural sair atônito às ruas com uma receita qualquer. Para ele, o que muda o mundo é a ação (assim entendida como uma agitação ambulante) e, tendo esta uma intenção declaradamente boa, não será o vazio (ou a manipulação) de ideias que a gerou a dissuadi-lo da tentação de integrar o time dos bonzinhos. Ele está revoltado, sente que “precisa fazer alguma coisa” e, se esta coisa for tão simples e prática quanto uma marcha com os amigos, ele será o primeiro a se inscrever para exorcizar a culpa de sua apatia (assim entendida como uma não-agitação ambulante).

Pouco importa se ele vai marchar contra uma doença, contra um sintoma, contra uma simples palavra naturalmente abstrata ou, nos casos mais graves, contra as dificuldades que o vírus encontra para se propagar. A rigor, quanto menos comprometedora for a sua participação, melhor. Protegido pela multidão e bradando contra a maldade ou os maus de uma maneira geral, ou mesmo contra aqueles em particular cujas falcatruas já foram fartamente expostas pela “mídia”, ele estará livre de assumir qualquer tomada individual de posição sobre os assuntos espinhosos dos quais sempre fugiu, e que escondem, por óbvio, as causas mesmas dos males que ele finge histericamente combater.

Marcada para 20 de setembro, no Rio de Janeiro, a marcha “Contra a corrupção” é um caso emblemático, com cerca de 25 mil presenças previamente “confirmadas” pelo Facebook. “Vamos”, convoca o texto do evento, “ou vai ficar em casa reclamando que o nosso povo do qual TODOS fazemos parte é sem ATITUDE?”. Vou ficar em casa, obrigado. Mas não reclamarei – prometo – de que o nosso povo do qual todos (em minúsculas, por favor) fazemos parte é sem atitude (idem). Essa histeria que se quer vender por “ATITUDE”, o nosso povo tem de sobra, como se vê. O que lhe falta é o desejo de conhecer a realidade, somado à coragem de enfrentar inimigos concretos, em vez de sofrer os efeitos de sua (deles) estratégia sem atinar de onde vieram.

Um protesto contra “nenhum político especificamente” ou “contra todos os corruptos” é um protesto contra uma palavra, uma abstração, um “x” sem o seu valor correspondente e, portanto, vago para ser preenchido ao gosto do marchador. (Alguém duvida que o PT infiltrará militantes para protestar contra os crimes da oposição, igualando-os aos seus? Que haverá uma porção deles exaltando as “atitudes” de Dilma? Alguém?) Trata-se, pois, de um não-protesto, que, por isso mesmo, tem o poder de atrair a elite indisposta a arcar com as responsabilidades de uma guerra ideológica que coloque a corrupção em seu devido lugar: o de sintoma de uma doença - a estratégia revolucionária petista, vulgo “petismo” - que assola o país com efeitos bem mais graves, como o assassinato de 50 mil brasileiros por ano e a doutrinação de outros milhões em salas de aula.

Marchar “contra a corrupção”, como quem ademais só vê a faceta dinheirista do mal, é pior que amenizar a massa de crimes petistas: é diluí-la entre ladrões de toda espécie para manter intacto o vírus com o qual eles continuarão se alimentando; é combater um câncer com um falso genérico pra tosse. Para um partido que chegou ao poder com a bandeira da ética, apropriando-se justamente de slogans “contra a corrupção” e vinculando-se a eles no imaginário popular de maneira quase irreversível, toda revolta expressa nos mesmos termos, com o mesmo grau de abstração, servirá apenas como propaganda (pseudo)espontânea de seus discursos, facilmente transformável em propaganda de fato, governista ou eleitoral, em campanhas futuras.

Na verdade, o PT já se antecipou. Divulgou uma resolução em que exalta as supostas medidas anticorrupção de Dilma, mas rechaça a ideia de “faxina” como tentativa “da mídia conservadora e da oposição de promover uma espécie de criminalização generalizada da conduta da base de sustentação do governo”. Da mesma forma, o partido repudia a censura, mas propõe o “controle” ou a “democratização” da “mídia”. Em outras palavras: o PT combate o crime abstrato, enquanto defende o crime real. Combater a corrupção abstrata, portanto, é também uma forma de ser petista. Já são 25 mil petistas virtuais no Facebook, prontinhos para pegar um sapinho mental na micareta genérica promovida pela OAB. “Todos juntos contra a corrupção”. Todos juntos contra a inteligência.

Quando o brasileiro se revolta e sente que “precisa fazer alguma coisa”, é melhor preparar o brejo: as vacas vão chegar marchando.

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Nota de rodapé 1: Não bastasse a marcha “Contra a corrupção”, o Facebook ainda me convida para outra, em Brasília, “Pelo fim da ignorância passiva dos brasileiros!”. Pois é. Se você achava ruim a “ignorância passiva”, espere só até conhecer a ativa.

Nota de rodapé 2: Na rua, o bueiro explode. No ônibus, tem assalto com refém. No metrô, tem arrastão e apagão. De carro, você é rendido no sinal (ou atola na chuva). De táxi (inclusive o “rádio”), é sequestrado. E o bondinho descarrila e tomba. Andar no Rio de Janeiro é mesmo uma arte. A “pacificação” de Sérgio Cabral e o "choque de ordem” de Eduardo Paes são como a “faxina” de Dilma Rousseff: dos males, só cuidam dos menores - e olhe lá.

Escrito por Felipe Moura Brasil | 07 Setembro 2011

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