"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 15 de novembro de 2011

122 ANOS DE REPÚBLICA

122 anos de República, mais vices que assumiram do que presidentes “eleitos”. Nenhum presidente estadista e dois estadistas que não foram presidentes.
A pedidos de grande número de comentaristas e leitores, estamos republicando artigos de Helio Fernandes, o grande mestre do jornalismo brasileiro, como o que segue abaixo, postado em 15 de novembro de 2009 aqui no Blog da Tribuna. Quem sabe se assim o Helio se anima e volta a escrever?

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15 DE NOVEMBRO DE 2011
Helio Fernandes

Começando com o lugar comum: “Parece que foi ontem”. Na verdade, os 122 anos contados a partir daquela trágica madrugada, mas tudo teve inicio em 1860 quando foi lançado o jornal diário, “A República”. Em Itu, não a do ditador Getulio Vargas , mas do interior de São Paulo, que tinha então mais ou menos mil habitantes.

Exatamente a população do Serro, do grande Teófilo Ottoni, (“o senador do povo”) cujo jornal, “A Sentinela do Serro”, ganhara projeção nacional, precisamente pelo fato dele ser um dos “Propagandistas da República”, que com os Abolicionistas, movimentavam o país. Que geração aquela, que teve a impressão fugaz de que chegara ao Poder em 1889. Foram marginalizados e preteridos na mesma madrugada.

A República surgiu sem povo, na escuridão de uma madrugada cheia de contradição, com dois marechais obcecados pelo Poder, que ultrapassaram todos os civis. Aristides Lobo, já Ministro da Justiça, (não podem prescindir dos civis) deu entrevista ao “Jornal do Commercio”, então o maior jornal do país. Perguntado como o povo recebera a República, respondeu, foi a manchete do jornal do dia 18: “O povo não participou de nada. Soube de tudo, BESTIALIZADO”. Deliberadamente, o grande jornalista usou essa palavra, em vez de BESTIFICADO.

A Constituinte levou 100 dias, foi rápido. Marcaram a eleição para o dia 25 de fevereiro. Articularam a candidatura de Prudente de Moraes, presidente do Senado. Lúcido, esclarecido, bem-informado, recusou sempre, até com veemência: “A República não resiste à minha candidatura”. E não aceitou mesmo.

Deodoro foi candidato único. Votaram 242 parlamentares, Deodoro teve 152 votos, Prudente que não era candidato, recebeu 90. É lógico que se fosse candidato, venceria, mas ele sabia: não tomaria posse. O presidente “eleito” foi introduzido no plenário, algumas palmas, e marcaram a eleição do vice-presidente para 1 hora depois.

Candidato único: Almirante Wandenkolk, Ministro da Marinha do próprio Deodoro. Muitos parlamentares, decepcionados, foram embora. Votaram 181. O candidato único teve apenas 29 votos, o vencedor com 152 votos, foi o marechal Floriano Peixoto, “que não era candidato”. Levado ao plenário, foi consagrado, e mais importante: mantido como Ministro da Guerra, apesar do presidente Deodoro já ter se retirado.

O desacerto era visível, a República soçobrava, foi salva porque tiveram a intuição do perigo, e colocaram na Constituição a sua manutenção como cláusula pétrea. Mas de que adiantava essa República deprimida, desajustada, desviada dos seus verdadeiros objetivos?

Em 8 meses e 8 dias, ninguém governou. Deodoro era o presidente, mandava pouco, Floriano era o vice, tinha carisma, prepotência e força. No dia 3 de novembro de 1891, desesperado, desinformado e induzido por maus conselheiros, Deodoro resolveu jogar tudo para o alto. Fechou o Congresso, o Supremo, prendeu ministros, militares, juízes, acreditava que assim, governaria. Só que não pôde atingir, nem levemente, o homem que era a causa do seu desconforto, e da impossibilidade de governar: Floriano.

O vice-presidente-ministro-da-Guerra, não fez um movimento, não apareceu em lugar algum, não sofreu baixa no seu Poder, se divertia com isso. Deodoro surpreendentemente teve seu Poder diminuído.

E no dia 22 de novembro, recebeu um emissário do vice, simples e sumário: “Amanhã, o vice assumirá a presidência”. Então, engendraram, que palavra, a farsa da RENÚNCIA. Por que o mesmo homem que dera o golpe no dia 3 iria RENUNCIAR no dia 23? Desesperado, no dia 3 tentou assumir o Poder de fato. Não conseguiu, aceitou a DEMISSÃO, 20 dias depois.

Essa foi a República quase dois anos depois de IMPLANTADA e não PROMULGADA, ao contrário do que ensinam aos meninos de todas as gerações. E continuarão a ensinar, perdão, a enganar.

Essa é a República que completa 122 anos. Quase ignorada, desprestigiada, desorientada, muitas vezes interrompida, mas com o sonho do Poder ininterrupto. Com duas ditaduras cruéis e violentas, e quase com o mesmo número de presidentes eleitos (?) e de vices que assumiram.

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PS- Nesses 122 anos, nenhum presidente estadista. Apesar de estadistas que não foram presidente, como Rui Barbosa e Osvaldo Aranha.

PS2- O que na verdade não é o pior dos nossos males. Os EUA, completando 222 anos de República, têm apenas 4 presidentes estadistas. Nenhum golpe a não ser de bastidores, mas contraíram o hábito do assassinato. Mataram vários presidentes, e depois passaram a se antecipar, assassinaram até cidadãos que poderiam chegar à Presidência.

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